
Páscoa, Natal, Dia dos Pais e Dias das Mães podem ser comemorados em escolas públicas de um Estado laico? Esse foi o grande debate que aconteceu em Santa Catarina no começo deste mês, após a Secretaria da Educação e Cultura de Pouso Redondo decidir extinguir as datas do calendário escolar.
O caso vinha se desenrolado na cidade com cerca de 17,7 mil habitantes há algum tempo, mas tomou grande proporção no último dia 7, quando foi publicado no Facebook o áudio de uma conversa entre o vereador Jaison Klegin (PSDB) e o então secretário da pasta, Mateus Peyerl. Na ligação, o político questionou o educador para saber se era verdade o que ouvira de alguns pais.
Os responsáveis avisaram o parlamentar de que as datas comemorativas de origens cristãs e as homenagens aos pais estariam proibidas. “Isso é confirmado?”, questionou o vereador. Peyerl respondeu prontamente: “Sim, correto”.
Em seguida, o secretário justificou a decisão, defendendo que visava respeitar a diversidade religiosa dos alunos e evitar constrangimentos a crianças sem pai ou mãe. Apesar da insistência em manter a extinção das comemorações, Peyerl e a prefeitura rapidamente enfrentaram uma avalanche de críticas.
Figuras relevantes da política catarinense, como a deputada federal Julia Zanatta (PL) e o prefeito de Chapecó, João Rodrigues (PSD), tomaram as dores dos pais e se posicionaram. “Passando pano para a agenda progressista. As desculpas dadas não condizem com a realidade que se impõe”, respondeu a política em uma postagem posteriormente apagada do prefeito Rafael Neitzke Tambozi (PL).
Em outra postagem, disponível na data da reportagem, ela pediu que seu colega de sigla exonerasse Peyerl do cargo. Apenas dois dias depois, Tambozi cedeu ao pedido e exonerou o servidor de seu cargo, também se manifestando nas redes sociais.
“Essas comemorações podem continuar acontecendo, mas tem que ser no período extraclasse. E, em relação à comemoração do Dia dos Pais e o Dia das Mães, a homenagem em si também pode ser realizada. E será realizada, mas da mesma maneira, fora do horário normal da aula”, defendeu o prefeito em um vídeo.
O que diz a lei sobre o Estado laico?
Promulgada em janeiro de 2025, a Lei Nº 19.230 instituiu a “obrigatoriedade do fomento pelo estado de Santa Catarina à celebração e à prestação de homenagens ao dia dos pais e ao dia das mães nas escolas de ensino básico e fundamental”. Assinada pelo governador Jorginho Mello (PL), foi justificada como um “reconhecimento dos valores das figuras dos pais e das mães dentro do contexto familiar e social”.
Portanto, a decisão da Secretaria da Educação de Pouso Redondo ia na contramão do que o próprio estado de Santa Catarina defende - algo que se torna curioso ao notar que tanto o prefeito quanto o governador pertencem ao mesmo partido.
Enfim retirada a questão sobre família da conversa, sobra uma discussão teórica a respeito da presença de datas e atividades religiosas no âmbito escolar. Identificado como um Estado laico desde a Constituição de 1988, o Brasil tem em sua carta magna o seguinte artigo, identificado pelo número 210: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.”
Por si só, este item não seria suficiente. Mas outros artigos da Constituição também defendem a liberdade religiosa e a laicidade do Brasil:
- Art. 5º, inciso VI - “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”
- Art. 19, inciso I - “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”
Intitulada “Estado Laico e Direitos Fundamentais”, uma análise de Cássia Maria Senna Ganem, bacharel em direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e consultora legislativa do Senado, defende que “a possibilidade de cooperação de interesse público, prescrita no inciso I do art. 19 da Constituição do Brasil, permite que a Igreja e o Estado sejam parceiros em obras sociais”.
Isso também está em linha com uma recente jurisprudência validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em janeiro deste ano. Em decisão unânime, os ministros declararam que a Lei Nº 3.459/00 do Rio de Janeiro é constitucional. O texto analisado regulamenta o ensino religioso confessional nas escolas públicas daquele estado.
Para Nunes Marques, relator do caso, “a laicidade, entendida como separação entre o Estado e a Igreja, não significa antagonismo, mas convivência harmônica”. Ele também reforçou que “o ensino religioso nas escolas públicas deve respeitar o caráter confessional, cabendo às diversas religiões declarar seus dogmas de fé.”
A Gazeta do Povo acredita que “o Estado não deve privilegiar nem coibir determinada religião em suas políticas públicas – mas deve, sim, garantir a liberdade religiosa e de culto, inclusive público”. A publicação também define: "Estado laico não é o mesmo que Estado ateu. O ateísmo não deixa de ser uma convicção a respeito de temas de natureza religiosa, e um Estado que se definisse como ateu estaria, portanto, adotando um posicionamento que viola a neutralidade."
Para entender e saber mais sobre o tema, leia a convicção do jornal a respeito do Estado laico na íntegra.
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