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Um dos diretores da ANTT, Luciano Lourenço da Silva.
Um dos diretores da ANTT, Luciano Lourenço da Silva.| Foto: Jeff D'Ávila/Divulgação ANTT

A projeção da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é ampliar para 35 mil quilômetros os trechos de rodovia concedidos à iniciativa privada, em mais de 35 contratos. Atualmente, são 14 mil quilômetros em 26 contratos. O órgão é peça-chave para preparar o futuro das estradas em parceria com a iniciativa privada, com a consciência de que o poder público não consegue avançar sozinho na infraestrutura.

Um dos diretores da ANTT é Luciano Lourenço da Silva, paranaense de perfil técnico e com conhecimento acadêmico que faz a ponte com muita andança pelas rodovias Brasil afora. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele reconhece a necessidade de aprimorar contratos com as empresas e consórcios para entregar obras - receio que vem da frustração e de traumas da opinião pública que ficaram de contratos anteriores - e fala sobre a inclusão da inteligência artificial nos atuais e futuros modelos de concessão. 

Ele vê com otimismo as novas concessões, porém calcado na ponderação de que não é crível que se acerte em tudo numa modelagem de contrato para 30 anos. Formado pela Universidade Federal de Uberlândia (MG), Lourenço da Silva é natural de Foz do Iguaçu, especialista em Gestão e Normatização de Trânsito e Transportes, Gestão Pública e Perícias Judiciais e Avaliação em Engenharia. É mestre em Planeamento de Transportes pela Universidadde de Brasília (UnB) e ingressou no setor público por meio de concurso em 2006. Confira abaixo a entrevista com o representante da ANTT:

Seu mandato na ANTT se encerra em 2025 e o senhor tem se dedicado a estudar os modelos de concessão, afirmando que isso reduz equívocos em contratos futuros. O que o levou a ir tão fundo em processos de concessões?

A infraestrutura de transportes está no meu DNA, entendo que um perfil técnico e servidor público de carreira virar diretor de uma agência nacional é oportunidade única que não se pode deixar passar. Gosto muito da expressão “servidor público”. A gente está aqui para servir ao público e poder dar um retorno para o país na área que você ama, que é a sua formação. Tenho aproveitado diuturnamente essa oportunidade na agência para deixar um legado, atuando principalmente nas concessões de ferrovias e rodovias, em duas situações bem claras: tecnologia e segurança viária, trazendo isso para os atuais contratos de concessões.

E como isso é possível?

Estamos chegando na quinta etapa dos contratos de concessão e tivemos contratos bem frustrados, principalmente na segunda e terceira etapas. Tentar aprimorar os atuais contratos e corrigir contratos futuros têm sido uma premissa da atual diretoria e não é mérito só meu. É uma diretoria colegiada bem forte, para que se tenha realmente contratos com benefícios.

O contraponto à tarifa justa precisa vir com um pacote de serviços aos usuários: eles têm que ter à disposição o que há de mais moderno em infraestrutura e serviços.

Diretor da ANTT Luciano Lourenço da Silva

Quando a gente coloca um projeto de concessão na mão de um privado, ele visa o lucro, isso é óbvio, tem que ter um negócio rentável, mas por outro lado tem que ter um serviço de primeira entregue para os nossos usuários, afinal são eles quem pagam a tarifa. Buscamos trazer esse aprendizado do passado, as evoluções disponíveis para dar um retorno ao usuário: tarifa justa. Você não pode pagar uma tarifa muito baixa porque o negócio não se sustenta economicamente, mas também não pode ter uma tarifa muito alta que inviabilize a logística de deslocamento no país. O contraponto à tarifa justa precisa vir com um pacote de serviços aos usuários que rodam nas nossas rodovias, eles têm que ter à disposição o que há de mais moderno no Brasil e no mundo em infraestrutura e serviços.

Como isso é possível do ponto de vista da operacionalização?

Eu rodo muito. Teve um ano que se somar todos os quilômetros de viagens foram quatro voltas ao mundo. Eu preciso saber da realidade das nossas rodovias, além de facilitar as decisões que tenho que tomar pelo colegiado quando chega um processo para votar, isso faz com que me aproxime mais da realidade da rodovia e da necessidade dos usuários. Esse processo de aprendizagem do passado, de planejamento de conhecimento, essa oportunidade de estar na diretoria me leva a não poupar esforços e aproveitar o mandato até o último segundo  traduzir isso em benefício para infraestrutura do país e para os usuários, afinal também sou usuário.

Tem uma palavra que é mágica: planejamento. Infelizmente no Brasil transporte não é uma política de estado, é uma política de governos e as políticas de governos são mutáveis. Isso também é legítimo dos governantes, mas ela teria que ser uma política de governo alicerçada numa política de estado em planejamentos de longo, médio e curto prazo. A gente tinha que ter um plano nacional de logística muito estabilizado, bem feito e que norteasse planos setoriais que trouxessem esse equilíbrio da matriz. Quando falo em equilíbrio da matriz não é em percentuais iguais de cada um [dos modais], mas são percentuais de cada modo de transporte que de fato tragam benefícios para a cadeia logística. Às vezes a ferrovia não é o transporte mais adequado.

Infelizmente no Brasil transporte não é uma política de estado, é uma política de governos e as políticas de governos são mutáveis.

Diretor da ANTT Luciano Lourenço da Silva

Temos que investir em ferrovias? Que erros o Brasil não pode repetir no campo da mobilidade?

Temos, mas em transporte de longa distância, de repente uma shortline de uma determinada empresa e aí entra um investimento privado. O planejamento integrado é fundamental para que a gente não cometa os mesmos erros do passado. Entender esses erros, porque eles vão trazer aprimoramento para as concessões, tanto de rodovias quanto de ferrovias. Uma coisa que a gente não pode deixar de utilizar para evitar erros é o uso da tecnologia, que avançou muito nos últimos anos. É preciso fazer uso da ferramenta para ajudar no campo da mobilidade e entender que cada projeto de concessão é um projeto, não existe uma receita de bolo. Cada projeto tem particularidades.

O senhor tem dedicado esforços para que o sistema de mobilidade no Brasil funcione. Como já foi possível avançar?

É um processo de amadurecimento. A gente está na quinta etapa de concessões, migrando para uma sexta - acredito que seja a última em um modelo mais perene. E estamos trazendo às nossas concessões avanços em regulação, gestão contratual e na própria fiscalização utilizando a tecnologia pró-infraestrutura. Temos avanços regulatórios fantásticos. Na minha primeira passagem pela agência tínhamos uma característica nos nossos contratos que era a imutabilidade. O contrato era aquele, pronto, acabou, não poderia mudar e perdiam incentivos que a gente poderia dar às concessionárias que se traduziriam em benefícios para os usuários.

A gente não podia trazer para dentro dos contratos nem as tecnologias que diminuíssem o fardo da própria ANTT em termos de regulação e fiscalização. A matriz de risco dos contratos foi revista e a gente tem um conceito de contrato para 30 anos. Não é crível quando se tem uma modelagem de contrato de 30 anos acertar em tudo. A própria dinâmica das cidades muda. Você não pode travar a infraestrutura para que não acompanhe o desenvolvimento, então há um amadurecimento da agência e dos órgãos de controle em termos de regulação.

Não é crível quando se tem uma modelagem de contrato de 30 anos acertar em tudo. A própria dinâmica das cidades muda.

Diretor da ANTT Luciano Lourenço da Silva

Como as ferramentas de inovação podem ser úteis na modernização do sistema de mobilidade e nos processos de concessão?

A modernização do sistema de mobilidade passa por um negocinho que vai revolucionar toda a operação, supervisão e gestão contratual, que é a inteligência artificial. Junto vem uma série de automações que são inerentes aos nossos contratos e que será fundamental para essa modernização. São modelos de pesagem, o free flow [fluxo livre, na tradução literal], com o qual estamos em teste e vai mudar completamente a forma de operar rodovia. Imagina você entrar em uma rodovia concedida e não ter ponto de parada, no caso do caminhoneiro, nem para pesar e nem para pagar o pedágio. Temos tecnologias que nos permitem notificação do veículo, caracterização do veículo, transmissão de dados em tempo real.

A inteligente artificial vai permitir monitoramento de 100% dos trechos das nossas rodovias. A detecção automática de incidentes por meio da inteligência artificial vai permitir sinais de alerta para mais segurança ao usuário. Hoje temos 26 contratos de concessão em torno de 14 mil quilômetros, mas a nossa projeção é ter mais de 35 contratos com mais de 35 mil quilômetros de rodovias. Como a gente iria fazer a gestão e fiscalização disso tudo se não tivermos tecnologia nos apoiando? A modernização do sistema de mobilidade vai ser fundamental para manutenção dos contratos de concessão. Aquilo que a gente enxergava como luxo será uma necessidade.

No Brasil há entraves peculiares que podem travar esse avanço tecnológico?

Temos esses entraves mapeados. O primeiro deles é o tecnológico. Em termos de equipamentos temos no Brasil o suprassumo disponível daquilo que é utilizado na China e na Europa. Então equipamento não é um entrave, mas conectividade é. Fico p... da vida quando rodo em um eixo como fiz há pouco pela Régis Bittencourt, de Curitiba a São Paulo, e não tem sinal de celular em 100% da rodovia. Isso é um absurdo. Nos novos contratos estamos prevendo 100% de cobertura de telefonia celular disponível aos usuários.

Equipamento não é um entrave, mas conectividade é.

Diretor da ANTT Luciano Lourenço da Silva

Trabalhamos também com a Anatel para que sejam obrigadas [as empresas, sobre os sinais de telefonias] ao menos para chamadas de emergência. Que se tenha home ou que haja parceria entre operadoras. No free fow tivemos avanços regulatórios e legislativos, mas existem outros.  A gente acredita na tecnologia, sabe que ela não é um acessório, é necessária, e estamos trabalhando para que não haja entraves capazes de bloquear esses avanços tecnológicos.

O senhor tem reafirmado que a ANTT é parceira das concessionárias. Em que cenário de parceria isso ocorre?

Quando se fala em parceria, logo se pensa em algo não republicano. Não é nada disso. Historicamente, a fiscalização da ANTT sempre foi muito punitiva e acabava constrangendo, estressando os contratos à toa. Quando eu falo em parceria é entender mecanismos contratuais, regulatórios, a realidade de cada contrato e juntos tentar soluções que tragam benefício aos usuários.  Quando se procura entender, fazer uma solução de engenharia, ela traz mais fluidez, isso traz minha segurança. A gente deve ser mais responsivo. Debater sobre o que deu errado, o que a gente pode fazer para melhorar e atuar em conjunto, dentro das normas contratuais, fazendo com que o negócio continue viável tecnicamente e economicamente.

Qual a relevância da ANTT e sua principal função?

A ANTT tem 22 anos. Todas as agências reguladoras têm uma importância fundamental para o país. Qualquer país que tenha pretensão de se desenvolver não o faz sem infraestrutura. Em nosso Estado, apesar de pujante, ainda [somos] emergentes, carente de recurso para a estrutura necessária e, nesses casos, você faz parceria com o privado. É assim com a telefonia, com a energia elétrica e é assim nos transportes. Quando você outorga a infraestrutura ou o serviço ao privado, o Estado precisa regular e fiscalizar esse serviço.

Na ANTT está a infraestrutura de transporte, que é federal e é a instituição de transporte terrestre quem faz essa gestão e fiscalização junto ao privado; e exerce a função do serviço público interligado. As agências vêm sofrendo com a redução orçamentária e com um número reduzido de servidores frente à responsabilidade que têm. As agências reguladoras são dirigidas por um colegiado, com um diretor-geral ou diretor-presidente que exerce a função de representação institucional, e todo o papel administrativo da agência é um colegiado que delibera sobre todos os assuntos.

Como está o planejamento para o segundo semestre de 2024 e os próximos anos?

A ANTT reviu seu planejamento estratégico no primeiro semestre. Há um plano anual que se submete ao Congresso. São os nossos mecanismos internos de governança e do planejamento. Para essa segundo semestre temos prioridades como os leilões de concessões da BR-381 e da BR-040 em Minas Gerais, os lotes 3 e 6 do Paraná.

Para este semestre, concessões de rodovias em Minas Gerais e Paraná são as prioridades da ANTT.

A gente tem processos que estão rodando dentro do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a modernização dos atuais contratos. Estamos revendo a carteira de investimentos para que contratos que estavam estressados e não estavam entregando tanto para o usuário voltem a ter investimentos e serviços ao usuário ao melhor tempo possível, dentro de uma repactuação com o TCU. A gente quer encerrar esses processos de consenso ainda neste ano. Temos projetos importantes de ferrovias que estão em processo dentro da agência, com o Ministério do Transporte, queremos avançar.

Há uma limitação iminente, inclusive mencionada pelo senhor, da falta de formações acadêmicas que tratem de concessões. O senhor reconhece a complexidade do tema. Como estão os processos de preparo profissional no segmento, tanto para o setor público quanto para o privado?

O que vi na academia na formação como engenheiro civil em concessões foi muito pouco e tudo o que aprendi foi na minha vida profissional. O próprio sistema acadêmico tem se adaptado, uma coisa que era muito difícil de se ver. São projetos, cursos de pós-graduação na área de concessões de rodovias, MBAs, mestrados, especializações latu senso dedicadas às concessões de rodovias. Existe uma mescla dos professores, com o efetivamente acadêmico, mas a maioria é profissional que atua no setor. Parte dessa demanda está sendo suprida por cursos de pós-graduação com profissionais do próprio setor, com pesquisa, com o notório saber, treinar pessoas para atuar em concessões [de rodovias]. Mas quando a gente fala em concessões de ferrovias ainda existe um certo atraso.

De certa forma essa necessidade acadêmica também é suprida por meio de parceria. As concessionárias e a ANTT têm feito parcerias com a academia em cursos de especializações, capacitações técnicas e desenvolvimento de tecnologia que aos poucos suprem essa necessidade, mas com a carteira de projetos que temos e um mercado em expansão, incentivo novos profissionais a entrarem para este campo vasto.

Há muita crítica contundente do setor produtivo sobre a possibilidade de renovações de concessão ferroviária - e desconfiança sobre novos processos. De quais cuidados a administração pública deve se cercar para que haja cobrança efetiva de investimentos no setor?

A gente fala muito no processo de aprendizagem em rodovias, isso é notório, vejam os projetos de concessões de hoje se compararmos com a primeira etapa - existem pouquíssimas coisas adjacentes. Em ferrovia esse problema é agravado porque o investimento em infraestrutura é muito pesado e precisa do Estado ali, muito próximo. Lá atrás quando se optou por fazer concessões de ferrovias, se previa muito pouco em investimentos, previa muito mais em manutenção e isso gerou demanda reprimida. Diferentemente de uma concessão que tem um número um pouco maior de players, a ferrovia com tantas características particulares, tanto de implantação de infraestrutura e principalmente de operação, conta com players muito reduzidos.

Então você pegar os que está estabelecido no mercado, que conhece nossa infraestrutura, cadela logística e cadeia produtiva, os contratos deles e fazer a renovação antecipada, mas trazendo todos os contratos de investimentos necessários, não parece nada de louco, pelo contrário, ele parece bastante razoável e crível. Pegamos alguns players que operavam, que têm ativo mobilizado e trouxemos modernização para esses contratos de tal forma que possamos [ter] investimentos e continuidade operacional. Acho que foi um processo acertado e em pouquíssimo tempo os resultados estarão aí demonstrando a efetividade da sua execução.

Há muito descrédito popular quando se fala em avanço no investimento de ferrovias no país. O senhor vê possibilidade de alteração real no panorama de transporte de cargas, prioritariamente rodoviário, apesar dos reiterados problemas seculares apontados?

Essa é uma opinião pessoal. Enxergo sim [um avanço], mas não na velocidade que precisaríamos, acho que ainda carece um pouco de investimento privado. Talvez nas atualizações ferroviárias a gente consiga atrair um pouco disso, mas existem eixos fundamentais para o país e ainda estão em execução, em desenvolvimento e sem eles vai ser difícil a gente conseguir um avanço significativo.

Precisamos terminar [projetos e eixos] e dar efetividade a outros, quando a gente tiver grandes eixos em operação, as autorizações ferroviárias vão efetivamente sair do papel e a gente vai conseguir mudar o panorama de ferrovias no país. Então eu acredito, mas ainda é um processo que não está na velocidade que o Brasil precisa.

Se tudo correr dentro do previsto isso aconteceria em quanto tempo?

Não vejo um horizonte com menos de oito, dez anos para isso tudo anotar resultado.

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