Sob a promessa de alavancar o setor de infraestrutura e logística, o Ministério de Portos e Aeroportos anunciou a redução de tarifas no Porto de Santos, em junho deste ano. Mas um impasse jurídico e questionamentos sobre a aplicação dos descontos de até 65% mostram que o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está muito longe de ser tornar uma realidade no maior porto da América Latina, responsável por 40% do volume brasileiro total de contêineres.
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Além do Porto de Santos, o governo federal confirmou a redução da tarifa no PortosRio, responsável pela gestão no Rio de Janeiro, Itaguaí, Niterói e Angra dos Reis. Os descontos chegam a 95,5% para alguns tipos de carga após readequação nas cobranças, segundo o ministro Márcio França, que pode entrar na dança das cadeiras da reforma ministerial com apenas oito meses de comando na pasta.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Claudio Loureiro de Souza, diretor-executivo do Centronave - que representa as 19 maiores empresas de navegação de longo curso em operação no Brasil - comparou os descontos propostos pelo Governo Lula às promoções de "black friday", quando o consumidor paga a "metade do dobro" na suposta liquidação de alguns comerciantes que "inflam os preços" para depois aplicar descontos irreais. Popularmente, a prática ficou conhecida como "black fraude".
Segundo ele, a metodologia de descontos leva em consideração o número de vezes que um navio "toca" o Porto de Santos, o que não condiz com a realidade do setor de navegação. "Mesmo assim, tecnicamente, avaliamos a proposta e verificamos que, para atingir o nível razoável de descontos, teria que ter uma movimentação que nenhum dos associados tem e a Centronave reúne os principais armadores do mundo", aponta.
Souza deu exemplo de um navio na rota Brasil-China que faz viagens de aproximadamente 100 dias, passando pelo Porto de Santos, três vezes por ano, sendo que a embarcação não atingiria sequer a primeira faixa de descontos. Além disso, o diretor-executivo ressaltou que a linha de navegação é feita por vários navios e não por uma embarcação exclusiva, o que impede o benefício de desconto de forma individual. "Ou seja, desconto nenhum ou baixíssimo, que significa a metade do dobro. Na hora do marketing, você divulga só o percentual, mas não divulga ou não dá clareza aos critérios para aplicação daquele percentual”, critica.
Souza lembra que a Centronave discutiu o assunto com os órgãos responsáveis e houve o convencimento para desconto por armador e não por navio, mas o número e as escalas necessárias aumentou muito para atingir o nível de desconto. "Hoje, não temos nenhum armador que atinja o nível máximo de descontos de 65%. É uma narrativa falaciosa", declara.
Além disso, em 2022, a Centronave conseguiu uma liminar por conta da mudança de padrão no cálculo da tarifa, após a portaria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antac) que passou a usar a metodologia de cobrança pelo tamanho do navio e não pela quantidade de carga na embarcação. Na aplicação tarifária em Santos, o diretor-executivo afirma que a majoração aos armadores atingiu até 176% em pleno exercício fiscal com contratos a serem cumpridos. Assim, a tabela atual utilizada para a cobrança das tarifas ainda é a anterior por decisão judicial, o que também impede a nova metodologia do governo petista de supostos descontos.
“Nós terminamos o ano de 2022, com a decisão judicial, a liminar em vigor, mas não conseguimos discutir o assunto porque a privatização do Porto de Santos estava na ordem do dia. Quando mudou o governo, surgiu a história do desconto, mas foi feito sem muita reflexão para entender como funciona o negócio. Do que adianta dar um desconto de 60% para um armador que nunca vai atingir aquele número de escalas? O mercado dele não é assim, tem 12 escalas por ano. Agora, ele vai ser penalizado por isso?”
Federação defende desconto como antiga reivindicação de empresários
O presidente da Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop), Sérgio Aquino, lembra que a redução das tarifas teve foco nas cargas de líquidos a granel no Rio de Janeiro, e no Porto de Santos, os descontos seriam mais amplos, principalmente voltados para taxas pela utilização do canal.
Apesar do impasse judicial, o presidente da Fenop defendeu a redução das tarifas e lembrou que essa era uma antiga reivindicação do setor empresarial, pois de acordo com ele, o Ministério levou em consideração os custos com investimentos em serviços previstos que não foram executados e que não deveriam integrar a composição das taxas portuárias.
“Por isso, é necessário fazer essa proposta de desconto. Como se justifica em um porto que não consegue fazer dragagem de manutenção para manter a profundidade do canal dentro do que é projetado, ter no orçamento a arrecadação e manutenção da tarifa prevista para isso?”, questiona.
Governo deve monitorar repasse de desconto ao usuário final
Em junho, o presidente Lula e o ministro Márcio França anunciaram a redução tarifária, lado a lado, em um vídeo postado nas redes oficiais do governo como medida para baratear os custos da produção e tornar os terminais públicos mais competitivos.
“Os portos que foram privados aumentaram os impostos e nós, nos portos públicos, vamos diminuir as taxas de embarque e desembarque”, declarou França, em fala que foi considerada no meio político-empresarial como uma resposta à privatização da Companhia Docas do Espírito Santos (Codesa) em 2022, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A primeira privatização portuária do país foi arrematada pelo fundo de investimentos Shelf 119 Multiestratégia, da gestora Quadra Capital, pela outorga no valor de R$ 106 milhões pela concessão nos próximos 35 anos.
Mas para que a medida anunciada realmente seja eficiente, o especialista em infraestrutura e consultor portuário, Rodrigo Paiva, defende o monitoramento do mercado para que seja confirmado se o desconto das novas tarifas está sendo repassado para quem está na ponta da cadeia produtiva. “A eficácia dessa medida precisa ser monitorada para ver se o usuário final está sendo beneficiado com redução de custo logístico ou não, principalmente na importação e exportação para gerar receita e multiplicadores econômicos”, ressalta.
Ele também alerta que a redução tarifária deve levar em consideração que as taxas são as principais fontes de receita das autoridades portuárias, que precisa da cobrança para manutenção do negócio e projeção de investimentos futuros, sem necessidade de aporte do poder público em operações deficitárias.
“Custo tarifário é apenas uma parte da cadeia logística”
Em nota à Gazeta do Povo, o diretor-presidente da Portos do Paraná, Luiz Fernando Garcia, ressaltou que a empresa pública paranaense acompanha o cenário nacional, mas ainda não detectou nenhum impacto na movimentação. “O custo tarifário é apenas uma parte da cadeia logística e os importadores e exportadores calculam fatores como eficiência no embarque e desembarque”, esclarece.
Ele destaca que os números recentes são de crescimento na atividade portuária em Antonina e Paranaguá, o último considerado o mais eficiente do Brasil, sendo que os compradores pagam prêmio para os embarcadores que escolhem o porto, além de custos de armazenagem e de transporte.
Na avaliação do consultor portuário Rodrigo Paiva, a série de redução tarifária pode provocar uma “guerra de descontos desnecessários”, pois a tarifa diluída no custo final logístico acaba não tendo o peso mais relevante, sendo que o impacto imediato poderia custar caro com repercussões negativas no futuro.
“No momento em que se reduz as tarifas do principal porto da América Latina, existe a possibilidade de atratividade dos armadores, dos players, muito maior do que em outros portos que estão na mesma região de influência, como Paraná, Itajaí e Vitória”, pondera.
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