Exemplares do livro "O Avesso da Pele", do escritor Jeferson Tenório, estão sendo recolhidos de colégios da rede pública pelas Secretarias de Educação dos estados do Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul, que passaram a considerar a obra inadequada para os alunos menores de 18 anos. A justificativa é que a obra contém "descrição de cenas de sexo" e "jargões impróprios" para a faixa etária dos estudantes.
O questionamento sobre o livro, que está incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), veio à tona depois que a diretora em uma escola de Santa Cruz do Sul (RS) criticou o conteúdo em sua página no Instagram. Apesar disso, o governo do Rio Grande do Sul, estado dirigido por Eduardo Leite (PSDB), manteve a obra literária na grade dos colégios estaduais.
O livro tem como pano de fundo a discriminação contra os negros. A editora Companhia das Letras descreve a obra como "um romance sobre identidade e as complexas relações raciais, sobre violência e negritude".
Na avaliação da Secretaria Estadual de Educação do Paraná (Seed-PR), apesar da temática do racismo ser importante no contexto educacional, a medida visa apoiar os professores no trabalho pedagógico. "A análise do livro, porém, mostrou-se necessária pelo fato de que, em determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrição de cenas de sexo utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de dezoito anos (janela etária da maioria dos alunos de ensino médio no Estado)", respondeu a Seed em nota.
A gestão do governador goiano Ronaldo Caiado (União) informou, em nota, que a orientação de recolhimento tem a "finalidade de possibilitar uma análise do livro quanto ao atendimento da proposta pedagógica da rede pública estadual de ensino."
Por determinação do governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), houve o recolhimento imediato dos exemplares, enviados para 75 das 349 unidades escolares, de acordo com as informações da assessoria do governo estadual. Após o recolhimento, os livros serão encaminhados para o acervo da Secretaria de Estado de Educação.
O governo de Santa Catarina, sob a gestão de Jorginho Mello (PL), respondeu que a obra passará por análise do conteúdo para adequação ao público-alvo e redistribuição dos exemplares. "A revisão do acervo, sob uma ótica pedagógica, evita que obras específicas para o público adolescente/adulto sejam ofertadas para estudantes de uma faixa etária menor, como os do ensino fundamental, que estão fora da classificação indicativa desse tipo de conteúdo. Nesse processo, exemplares de ‘O Avesso da Pele’ foram localizados em algumas das escolas estaduais", esclarece a nota.
O governo catarinense informou que alguns exemplares da obra foram redistribuídos para os Centros de Educação Profissional (CEDUPs) e para os Centros de Educação para Jovens e Adultos (EJA).
Secretário da Educação do Paraná nega censura contra livro
Em entrevista à Gazeta do Povo, o titular da Seed-PR, Roni Miranda, rebateu a alegação de que o governo Ratinho Junior (PSD) está censurando o livro "O Avesso da Pele". "Censura seria se o governo do Paraná proibisse a venda do livro. Não é o que acontece. Se tiver algum pai, algum responsável que assine um termo de ciência que ele vai dar esse livro para o filho ler, a gente vai autorizar. No Paraná, o governador não emitiu nenhum decreto banindo o livro no estado, não é isso", rebate.
Miranda explicou que o estado tem autonomia para retirar os livros das escolas e fez uma comparação para justificar a medida. "Nossos estudantes do ensino médio têm entre 14 e 17 anos, são menores de idade. Se esse livro fosse um filme, certamente viria com aquela recomendação de faixa etária para maiores de idade, por conta das referências sexuais e a drogas ilícitas. Então de modo algum eu vejo isso como uma censura", argumenta.
Decisão pela retirada de "O Avesso da Pele" foi motivada por pressão
Segundo o secretário paranaense, o livro foi encaminhado às escolas paranaenses por meio do PNLD do governo federal. De acordo com Miranda, os professores receberam do Ministério da Educação (MEC) apenas um prefácio da obra, sem "nenhuma insinuação sobre os temas polêmicos".
Em nota, o MEC afirmou que "a escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola a partir do Guia Digital, onde as obras integrantes do programa estão listadas para conhecimento de professores e gestores".
Miranda explicou que a comunidade escolar, em especial os pais de estudantes, se mostrou "inquieta" com o conteúdo sexual e a linguagem explícita do livro. A partir do recolhimento, disse Miranda, os livros passarão por uma análise para determinar o que será feito a seguir.
"Agora, a gente vai submeter a obra a uma análise pedagógica da equipe de currículo da secretaria e a uma análise jurídica de especialistas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso será feito para ver como e se podemos fornecer esse livro, se fornecemos acesso com restrição, enfim, como que será a abordagem em relação ao livro. Ele pode ser devolvido ou posso usá-los nas Escolas de Jovens e Adultos, que são para maiores de idade", exemplifica.
Para autor, retirada dos livros é censura
O escritor Jeferson Tenório considera uma “atitude inconstitucional” a decisão do recolhimento do livro de sua autoria por ordem das secretarias estaduais. “É importante lembrar que nenhuma autoridade, seja ela diretora, secretário, vereador, deputado, governador ou presidente tem o poder de mandar recolher materiais pedagógicos de uma escola. É uma atitude inconstitucional”, manifestou em postagem no Instagram.
Ele criticou o recolhimento e alegou que não é possível decidir o que os alunos devem ou não ler “com uma canetada”. “São atos violentos e que remontam dias sombrios do regime militar. Inaceitável uma atitude antidemocrática como essa em pleno 2024. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura”, rebate o escritor.
Para editora do livro, recolhimento foi baseado em "interpretação distorcida"
Em nota, a editora Companhia das Letras, responsável pelo livro "O Avesso da Pele", afirmou que "a retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo".
O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, Paulo Pimenta, também se manifestou contrário à retirada dos livros das escolas. "Em minha opinião, trata-se de uma demonstração de ignorância, de preconceito, mas também de covardia por parte dessas pessoas", afirma.
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