A solidariedade de 3,5 mil habitantes de Nova Roma do Sul (RS) resultou na arrecadação de mais de R$ 7 milhões para reconstruir, em um projeto da comunidade, a ponte de ferro que liga o município a Farroupilha, na serra do Rio Grande do Sul.
Principal acesso que leva à capital do estado, Porto Alegre, a ponte havia sido destruída pela cheia do Rio das Antas em setembro de 2023. Com financiamento comunitário, em 138 dias foi construída novamente e inaugurada no último final de semana. A construção teve o custo de quase R$ 6 milhões.
Enquanto isso, o governo gaúcho promete construir uma segunda ponte, ao lado da estrutura feita pela população local, com suporte para veículos de até 45 toneladas, com duas vias e acostamento nas duas laterais. “Por isso o valor da estrutura proposta pelo governo é maior”, diz o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Sul (Daer-RS). O projeto emergencial do poder público estimava a construção da ponte por um valor de R$ 25 milhões.
O órgão ressalta que a nova ponte seguirá "padrões técnicos de qualidade, também atenderá às necessidades logísticas do município, possibilitando o tráfego de cargas e de passageiros que a estrutura atual não comporta". Como agora a construção da estrutura "oficial" não é mais considerada emergencial, o governo do Rio Grande do Sul explica que a nova previsão de custo dependerá da reestruturação orçamentária, que será finalizada em fevereiro. E o prazo só será definido após a definição do orçamento.
"A ponte construída pela comunidade só foi viabilizada porque o Governo do Estado alterou o traçado da rodovia estadual que leva à estrutura, que passou a integrar a malha rodoviária municipal. Sem essa medida, a associação municipal não poderia construir a nova estrutura, porque não haveria condições técnicas para isso, já que o traçado anterior da rodovia não comportaria o tráfego de caminhões pesados em direção à ponte", argumenta o Daer-RS.
Após reconstruir ponte e "economizar" R$ 16 mi, população continua vaquinha para mais obras
A antiga ponte, pela rodovia RS-488, havia sido construída em 1930, imprescindível também aos caminhões que transportam uvas produzidas em Nova Roma do Sul para as vinícolas em outras regiões do estado. Então, após a destruição da estrutura no ano passado e enquanto o governo gaúcho projetava a ponte no valor de R$ 25 milhões, os moradores se mobilizaram.
“Nós não temos hospital na nossa cidade, o hospital referência é em Farroupilha. Perdemos a ligação de 48 km para 98 km. Tínhamos em torno de 97 casos de emergência por ano, mas graças a Deus nesse período não tivemos nem metade disso. A produção de uva e peru, todo o insumo passa por essa rodovia. A nossa cidade se desenvolveu em cima da rodovia”, explicou o prefeito de Nova Roma do Sul, Douglas Fávero Pasuch (PP), em entrevista à Gazeta do Povo.
A população local criou a associação Amigos de Nova Roma do Sul. “Nós precisávamos da ponte. Como a gente ia conseguir? Reunimos as lideranças da cidade e fundamos a associação”, contou o presidente da organização, Tranquilo Tessaro. Segundo ele, a associação não tem vínculo político. "Também [queríamos] que não houvesse interferência de nenhum político na nossa obra e foi o que aconteceu. A gente não permitiu acesso político, pois a finalidade principal era a construção da ponte”.
A associação arrecadou fundos de quatro formas: doação via Pix, ações sociais no município, doações de empresas e rifas. A meta era alcançar R$ 2 milhões somente com contribuições de empreendimentos e esse valor passou de R$ 3,7 milhões. Segundo o site da associação, a arrecadação total ultrapassou a marca dos R$ 7 milhões, valor que pode aumentar, pois a rifa continua sendo vendida. A organização pretende usar o dinheiro para investir em obras sociais ou de infraestrutura, que serão decididas pelos moradores.
“Fazíamos a ponte ou o município acabava”, diz associação de moradores
A união do pequeno município fez com que a ponte fosse levantada novamente em 138 dias. “Todos ajudaram, teve gente fazendo rifa e fazendo Pix de R$ 0,38. Na inauguração, tinha 5 mil pessoas. No sábado e domingo da inauguração, mais de 7 mil veículos passaram”, acrescentou o presidente da associação Amigos de Nova Roma do Sul.
A estrutura recebeu o nome, pelos moradores, de Nossa Senhora de Caravaggio. “Batizamos com esse nome. Achamos que fomos abençoados pela santa por conseguir em tempo recorde”, disse Tessaro.
Com estrutura de iluminação e 124 metros de comprimento, a ponte tem 210 toneladas de aço e 240 toneladas de concreto.
A estrutura tem capacidade de 45 toneladas, permitindo que veículos leves e pesados atravessem em via de mão única. “Quando ficamos sem a ponte, era unanimidade: fazíamos a ponte de forma rápida ou o município acabava”, destacou Tessaro.
O prefeito de Nova Roma do Sul, Douglas Favero Pasuch, evidenciou que a estrutura nova é mais acessível do que a anterior, destruída pela cheia do Rio das Antas em setembro de 2023. “A ponte que tínhamos era de 24 toneladas de capacidade. Hoje temos 45 toneladas. A antiga ponte tinha dificuldade dos caminhões acessarem e hoje os caminhões têm facilidade. Antes, não era iluminada e agora é. Precisávamos dessa ponte, estávamos com a cidade em estado de emergência”.
Governo do RS explica valor para ponte em Nova Roma do Sul
Em nota, o Daer-RS afirmou que não havia um orçamento definitivo para a nova ponte em Nova Roma do Sul, mas um anteprojeto com estimativa de custo, apresentado ao governo federal para obter recursos para a construção.
“Com a mobilização da comunidade – louvável, aliás, uma vez que havia a necessidade de restabelecer o acesso à cidade –, a obra perdeu o caráter de emergencialidade, fazendo com que o Governo Federal não mais aportasse recursos na construção da estrutura nova”, explica o Executivo estadual, em nota.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), afirmou que a mobilização do município “foi realmente ótima para a obra emergencial de R$ 6 milhões. O projeto do governo, de R$ 25 milhões, é diferente e também será feito: uma ponte mais segura, com novo traçado, maior e em duas vias”, na rede social X.
Leite aproveitou para rebater as críticas sobre o valor do projeto estadual, em comparação com a obra promovida pela comunidade de Nova Roma do Sul. “Comparações entre os valores de cada projeto são descabidas e infelizes, já que eles são diferentes”, disse ele.
O presidente da organização Amigos de Nova Roma do Sul destacou que a estrutura teve um menor custo, mas foi construída em pouco tempo e com boa qualidade. “Ao mesmo tempo, fico triste, eu queria estar elogiando o estado por fazer a ponte. Eu sei do que o estado é capaz. O estado não consegue fazer uma obra em um ano. O governo tem que aprender com a sociedade e se aproximar do cidadão”, respondeu.
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