Em Belo Horizonte (MG), a campanha para as eleições do Conselho Tutelar continuam, na contramão do restante do país, onde o processo já foi encerrado. Na capital mineira, o resultado foi anulado sob a alegação de divergência no número de votos. A pedido da Defensoria Pública de Minas Gerais, que recebeu denúncias de lentidão, filas e interrupções no processo de votação, a prefeitura anunciou novas eleições, marcadas para o próximo domingo (3).
Em meio ao período conturbado, um ponto chama a atenção: a participação intensa de grupos conservadores na mobilização por candidatos ligados a estes movimentos e a expressiva votação obtida por esses candidatos.
Se as eleições tivessem sido válidas, todas as nove regionais de Belo Horizonte teriam conservadores dentro do Conselho Tutelar.
O crescimento da mobilização de grupos conservadores em Belo Horizonte não é novo. Várias instituições têm trabalhado para a divulgação de valores ligados a pautas conservadoras, fora da política partidária, com o objetivo de criar bases educativas e culturais. Estes movimentos começaram a surgir de maneira mais explícita em meados da década passada, como contam alguns dos precursores que tiveram atuação intensa para impedir que nos planos de educação da União, estados e municípios não constassem temas relacionados à ideologia de gênero. O Plano Nacional de Educação foi aprovado em 2014, mas ainda havia uma batalha a ser enfrentada nas Câmaras de Vereadores para evitar que o assunto estivesse nos planos municipais.
Foi nessa época que Luciana Haas começou a se envolver com o tema. Professora, psicopedagoga e mãe de três filhos, ela conta que as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) uniram pessoas com interesses em comum, que começaram a aproveitar o ativismo conservador surgido então para tratar de outros assuntos relevantes, tendo percebido como a esquerda atuava para impor suas pautas. “A gente ficou sabendo que na Câmara (Municipal de BH) estava tendo discussões que seriam importante a gente se envolver. Então fomos participar e, chegando lá, a gente viu que tinha uma militância muito forte, muito bem formada defendendo essas pautas de ideologia de gênero na educação”.
Luciana e outras pessoas com a mesma visão começaram a estudar para se envolverem nas discussões dentro do Legislativo municipal mineiro, com a proposta de mobilizar, por sua vez, mais pessoas. “Foi muito interessante, porque nesse momento, em Belo Horizonte, se formou algo que a gente nunca viu, que foi uma junção de pessoas católicas, evangélicas, espíritas e até sem religião durante a discussão do plano. E formamos a Rede Estadual de Ação Pela Família”.
O grupo que Luciana menciona atuou em todo o estado, colaborando na mobilização popular e na orientação técnica aos vereadores. “A gente orientou os parlamentares não só de Belo Horizonte, como do estado todo, em relação a essa pauta”, conta. Segundo levantamento da própria rede, propostas de ideologia de gênero em planos municipais foram barradas em 85% das cidades em que atuou.
"Mães Direitas" criam grupo de estudo e clube do livro
A partir disso, as atividades se intensificaram, na esteira da pré-candidatura de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência de 2018. Paralelamente, havia uma preocupação das pessoas envolvidas em ampliar o referencial teórico para discussões de temas importantes na base. Foi então que surgiu o grupo “Mães Direitas”. Inicialmente, um grupo de Facebook que migrou para o WhatsApp, formado majoritariamente por mães que começaram a perceber que havia algo de errado na educação dos filhos.
Claudia Diniz, uma das fundadoras e coordenadoras do grupo, conta que, do ambiente virtual, a organização passou para os movimentos mais intensos de rua, especialmente após o início da pandemia, quando as famílias avaliaram de forma ainda mais evidente os problemas na educação. “Entendemos que a gente tinha que agir de uma forma mais objetiva, já não tínhamos mais a quem recorrer”, comenta ela.
As mobilizações de rua e reivindicações aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário fortaleceram o grupo, que segue com seu ativismo e montou grupos de estudo e clube do livro para partilhar conhecimento sobre temas ligados à família, formação intelectual, filosofia e história. “Resolvemos sair do sofá da nossa casa para atuarmos na nossa sociedade, porque a gente não está satisfeito com as coisas como estão, nossos filhos estão sendo atingidos de uma forma negativa no nosso ponto de vista. Estão sendo bombardeados com informações e valores que não são aqueles que coadunam com os que nós temos. Então não adianta a gente esperar uma solução de fora, nós precisamos fortalecê-los e atuar socialmente naquilo que é possível para protegê-los”, reforça Cláudia.
Em outra vertente, Luciana, Cláudia e um grupo formado por pais e profissionais de diversas áreas se organizaram para fundar a Associação Guardiões da Infância e Juventude. O embrião dos “Guardiões”, como é chamado o grupo, surge ainda na pandemia, em 2021, quando iniciam uma mobilização pela reabertura das escolas na capital mineira e buscam apoio de parlamentares pela causa.
Na época, 15 deputados estaduais se manifestaram pela abertura das escolas de BH, que foi uma das capitais com maior tempo de escolas fechadas no país. Após esse movimento, ficou claro que o trabalho estava apenas começando e a ideia da associação se fortaleceu. “As aulas voltaram depois de um tempo e as pessoas nos questionavam se acabou (o movimento). Aí a gente começou a amadurecer a ideia de se formar uma pessoa jurídica e começamos a trabalhar nesse sentido para montar um grupo comprometido de pessoas”, conta Luciana, que é a presidente da associação.
Com um ano de formalização completado em junho de 2023, os Guardiões atuam em diversas frentes para colaborar com a defesa dos direitos das crianças, jovens e famílias. Soma ações desenvolvidas em 56 cidades em todas as regiões do país e faz reuniões semanais para debater temas relacionados à educação, formação de crianças e adolescentes e família. Em 25 de novembro, o grupo realizou um primeiro congresso, chamado “Educação em xeque”, que contou com a presença de nomes como José Sepulveda, Jean-Marie Lambert, Ludmila Lins Grilo e Gabriel Mendes. O tema central foi a necessária mudança na educação brasileira, defendendo que o país não se curve a agendas impostas por organizações internacionais. Segundo os organizadores, participaram do evento mais de 170 pessoas.
O Grupo “Mães Direitas” optou por não se formalizar, mas segue atuante e tem núcleos em todos os estados do Sul e Sudeste, além de vários estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste. Em agosto, fizeram seu segundo seminário, com a participação de alguns nomes influentes no cenário conservador como a jornalista Bárbara Destefani, do canal “Te atualizei”, Karen Nery e Ana Paula Henkel.
Para Luciana, os Guardiões já colecionam frutos na conscientização dos direitos das famílias sobre seus filhos “A gente sente que cada vez mais os pais estão ficando informados dos seus direitos, que a gente está conseguindo mobilizar as pessoas para reivindicar, para ocupar espaço. É fazer esse trabalho de conscientização também”. Claudia avalia que esse é um trabalho de longo prazo. “Meu filho tem 18 anos, graças a Deus está bem formado, mas eu não estou preocupada só com ele. Eu estou preocupada também com a sociedade, onde ele vive, onde ele vai criar os filhos dele. Essa é uma visão de todas nós, sabe? Não é só para nós. É para a sociedade de uma forma geral”.
Na política, conservadores pautam debates e indicam nomes para disputar eleições
Conservadores em BH tem ganhado destaque na política, não apenas pautando o debate, mas propondo nomes para se apresentarem nas eleições municipais. Um exemplo é Uner Augusto, um dos fundadores do Movimento de Valores Pelo Brasil (Mova), que atua desde 2019 na divulgação de ideias em defesa da vida e da família.
Segundo Uner Augusto, o Mova surgiu para oferecer a formação política para as pessoas que estão no movimento e criar estratégias para que a ação política tenha mais resultado. “Muitos grupos se resumem a fazer manifestação de rua, mas são manifestações dispersas, que geram pouco resultado político”.
Uner é um dos coordenadores do Núcleo de Expansão do Movimento e acredita que a direita precisa melhorar sua estratégia política. “A gente vê muitas vezes a direita fazer barulho nas redes sociais e a gente vê um engajamento superficial em manifestações e não ganha as batalhas”, comenta. Apesar de pequeno, o Mova tem algumas redes espalhadas no estado mineiro e já foi procurado por pessoas do Rio Grande do Sul, Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro.
Ele também aponta para as eleições do Conselho Tutelar de BH como uma vitória. “O Conselho Tutelar é uma das primeiras histórias que a gente tem. Com um pouquinho de organização, com um pouquinho de estratégia, já foi possível a gente incomodar bastante”, diz Uner, ressaltando que basta divulgar da melhor maneira para atingir e mobilizar o público que anseia pela mudança social.
O conservadorismo é uma corrente filosófica que defende a manutenção das instituições sociais tradicionais, fundado em valores como a defesa da vida, da família e da liberdade. Uner aponta que esses são valores caros para a maioria dos brasileiros. “Esses princípios de liberdade, vida e família são princípios universalmente aceitos, são os princípios fundamentais do direito natural e eles também são a base do movimento”, afirma.
Com o trabalho de conscientização, o Mova colhe frutos para uma maior atuação política. Uner foi eleito primeiro suplente de vereador em 2020 em Belo Horizonte, e assumiu uma cadeira na Câmara por 76 dias, quando o titular, Nikolas Ferreira, deixou o Legislativo municipal para se tornar deputado federal. Havia, entretanto, um processo que fez com que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassasse a chapa do PRTB, partido pelo qual Nikolas e Uner disputaram a eleição de 2020, por descumprimento da cota de gênero.
Uner viu a experiência como positiva, pois mostrou uma forma de agir que pode servir de exemplo para políticos conservadores da cidade. “A candidatura veio como uma espécie de oportunidade para a gente divulgar o movimento, que era o nosso objetivo. A gente queria lançar uma candidatura nova e de direita que tivesse um perfil altamente comprometido com princípio de valores conservadores, mas que tivesse ao mesmo tempo uma preocupação social numa competência técnica, porque na direita a gente observava que tinha muitas pessoas bem intencionadas, mas pouco formadas e com pouca capacidade técnica”.
Foco dos conservadores nesta semana está na eleição para o Conselho Tutelar em BH
Nos próximos dias, o foco da atuação dos movimentos em Belo Horizonte é eleger o maior número possível de conselheiros tutelares, uma vez que, segundo os líderes conservadores, a atuação dos profissionais designados para essa função muitas vezes não é condizente com as pautas de proteção a crianças e adolescentes.
Os ativistas se mobilizaram para formar candidatos e divulgar o nome daqueles que passaram pelo crivo dos movimentos. “Mais do que transmitir qualquer questão ideológica ou se posicionar ideologicamente, a gente quer conselheiros tutelares que conheçam o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), os direitos das crianças e possam fazer bom uso disso, e não perseguir famílias ou buscar modificar conceitos aqui e ali, já que eles estão numa posição de destaque, uma posição que vai lá dentro da casa das pessoas. Eles têm um poder muito grande”, pondera Cláudia.
As novas eleições do Conselho Tutelar acontecem no próximo domingo (3), com expectativa que o processo angarie uma participação ainda maior que a votação anterior. A prefeitura da capital mineira aumentou o número de locais de votação, com base na alta demanda da eleição anulada.
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