Guarda ou Polícia Municipal? A nomenclatura e a função das corporações sob gerência das prefeituras renovaram a pauta de discussão na segurança pública após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em fevereiro, confirmou a atuação ostensiva das Guardas Municipais no Brasil. Para a categoria, a posição do STF reforça o trabalho policial executado pelos guardas, o que contempla abordagens, apreensões e prisões, que vão além da vigilância do patrimônio público.
Se a atuação dos guardas municipais não foi alterada pela decisão do STF, o que muda efetivamente no trabalho dos agentes de segurança? E quais motivos levam prefeitos das tantas cidades Brasil afora a defenderem a troca de nome das corporações?
Em São Paulo, a Câmara Municipal aprovou na semana passada a alteração do nome da Guarda Civil Metropolitana (GCM) para Polícia Municipal e um novo projeto de autoria do Executivo deve ser enviado à Casa pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) para especificar as atribuições dos policiais. Segundo o Diário Oficial paulistano, publicado na última sexta-feira (14), o município manterá a GCM, “também denominada Polícia Municipal de São Paulo, destinada à proteção da população da cidade, dos bens, serviços e instalações municipais, e para a fiscalização de posturas municipais e do meio ambiente.”
No mesmo dia, as viaturas do maior efetivo armado municipal do país passaram a circular com novo nome e brasão. A agora Polícia Municipal de São Paulo tem aproximadamente 7,5 mil agentes, considerado maior que o efetivo da Polícia Militar de 10 estados brasileiros.
No Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD) encaminhou à Câmara de Vereadores o projeto de lei para criação da Força de Segurança Municipal, que deve incorporar o efetivo da Guarda e armar, enfim, a corporação na cidade. A previsão é que a Força de Segurança conte com 4,5 mil servidores até 2028.
Decisões da Justiça limitavam atuação policial dos guardas municipais
Em entrevista à Gazeta do Povo, a diretora jurídica da Federação Nacional de Sindicatos de Guardas Municipais (Fenaguardas), Rejane Soldani Sobreiro, ressalta que a decisão do Supremo estabelece que as ações de segurança urbana pelos guardas, inclusive o policiamento ostensivo e comunitário, são constitucionais. O recurso ao STF teve origem na capital paulista.
A Procuradoria da Câmara Municipal recorreu ao Supremo após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) atender ao pedido do Ministério Público estadual e declarar inconstitucional o “policiamento preventivo e comunitário” dos guardas na maior cidade do país. Na avaliação de Sobreiro, o entendimento do STF sobre a atuação policial dos agentes municipais foi construído em decisões nos últimos 10 anos.
“Em 2015, também no julgamento de um recurso extraordinário, também de tema de repercussão geral, o Supremo entendeu que os guardas municipais não podem exercer o direito de greve porque aplica-se a mesma vedação dos demais profissionais civis da segurança pública. Como exerce atividade policial, não pode exercer o direito de greve”, exemplifica a diretora jurídica da Fenaguardas. Ela lembra de outras decisões da Corte corroboram com a atuação policial das corporações municipais pelo Brasil.
A Polícia Municipal de São Paulo tem aproximadamente 7,5 mil agentes, considerado maior que o efetivo da PM em 10 estados brasileiros.
Entre os temas pacificados após o julgamento no STF estão:
- a atividade armada dos guardas;
- a regulamentação do Estatuto Geral da categoria;
- a confirmação de que as Guardas Municipais integram o Sistema Único de Segurança Pública (Susp).
“A última decisão foi importante para consolidar a forma como já atuamos há 30 anos, que é o policiamento ostensivo, uniformizado, armado para proteção das pessoas que utilizam os bens, serviços e instalações [municipais]”, atesta a diretora jurídica da federação.
De acordo com ela, existia o risco de que decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) criassem jurisprudência no sentido que os guardas municipais fossem limitados ao atendimento em casos de flagrantes relacionados à proteção do patrimônio público. “Se o tráfico de drogas estivesse acontecendo em frente ao guarda, ele não poderia fazer o flagrante. Teria que acionar um policial militar para o atendimento, o que fere o princípio da eficiência do serviço público”, completa Sobreiro.
Ministério Público questiona troca de nome para Polícia Municipal
O TJ-SP atendeu ao pedido liminar da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de São Paulo e suspendeu, na semana passada, a lei municipal que alterou o nome da corporação na cidade de Itaquaquecetuba para Polícia Municipal. A alegação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) é que a nomenclatura é inconstitucional.
Conforme a liminar, a Procuradoria-Geral aponta que o termo “polícia” é utilizado “para órgãos específicos, com atribuições bem delineadas no texto constitucional, que não se confundem com as das guardas”. A decisão atesta que os municípios não podem alterar o nome da corporação “a pretexto de autonomia legislativa”.
Além disso, o MP-SP afirma que a posição do Supremo não coloca os guardas municipais no mesmo patamar dos policiais. “Embora tenha reconhecido a constitucionalidade do exercício de ações de segurança urbana, não equiparou as guardas municipais às demais polícias”, argumenta.
Na segunda-feira (17), o TJ-SP suspendeu a troca de nome da Guarda por Polícia Municipal em São Bernardo do Campo (SP) na série de ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) proposta pela Procuradoria-Geral do Estado contra os municípios que rebatizaram as corporações. Assim, a tendência é que o MP-SP também questione na Justiça a troca do nome da GCM por Polícia Municipal na capital do estado.
Entidades têm posição diferente sobre nome da corporação
A diretora jurídica da Fenaguardas, Rejane Sobreiro, defende que as corporações municipais podem ser chamadas de Polícia Municipal e que câmaras e prefeituras possuem as prerrogativas para legislar localmente.
“Anteriormente, o próprio STF entendeu que a mera alteração de nomenclatura de cargos públicos não fere os princípios do concurso público. O que está se fazendo é apenas uma adequação da nomenclatura às reais atribuições do cargo de guarda municipal. Se eu faço policiamento ostensivo e comunitário, a atividade que eu faço é de polícia”, argumenta.
Por sua vez, o presidente da Associação Nacional de Guardas Municipais (AGM Brasil), Reinaldo Monteiro, se manifestou contra a alteração do nome e sugeriu apenas o acréscimo da palavra “polícia” nos uniformes, viaturas e distintivos das corporações pelo país. “Não substitui, mas acrescenta para facilitar o entendimento da sociedade de que a Guarda Municipal é um órgão policial”, defende.
Polícia Municipal exige mais investimentos e alteração previdenciária, avalia delegado
Para o delegado Guilherme Rangel, ex-secretário de Defesa Social e Trânsito de Curitiba, a alteração da nomenclatura para Polícia Municipal vai exigir mais investimentos nas guardas municipais para equiparação aos demais órgãos de segurança pública. “O guarda precisa ter equipamento bom, uma boa viatura, um colete balístico bom, um armamento adequado, arma letal e arma menos letal”, ressalta o delegado, atual secretário de Cidadania e Segurança Pública de Ponta Grossa (PR).
Rangel também avalia que a definição das atribuições da Polícia Municipal será importante para o trabalho em conjunto com a Polícia Militar nas ações ostensivas para evitar a sobreposição do trabalho das forças de segurança. Ele lembrou que, nos Estados Unidos, as polícias municipais estão unificadas ao sistema federal e são responsáveis pela segurança pública de grandes cidades, como Nova York, que possui mais de 35 mil agentes na corporação.
“A polícia municipal é muito forte nos Estados Unidos, sendo que a polícia estadual atua mais no controle de fronteiras”, comentou. O status de polícia também pode se refletir em questões trabalhistas e previdenciárias dos guardas municipais.
Conforme Rangel, o subsídio pago aos policiais, por exemplo, não permite pagamento de adicionais ou horas extras aos servidores municipais. “Também mudaria a questão da aposentadoria. A Constituição prevê 30 anos de serviços, sendo 20 anos como policial.”
PEC da Segurança Pública inclui guardas municipais
A diretora jurídica da Fenaguardas comentou que a regra previdenciária é diferente para as categorias profissionais da segurança pública, apesar do mesmo risco na atuação policial. A expectativa é que o assunto seja tratado na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, com a inclusão das guardas municipais no texto que será encaminhado ao Congresso Nacional.
“Hoje, o guarda municipal tem que ficar até os 65 anos, se for homem, e 62 se for mulher, fazendo a atividade que exige vigor físico, sendo que os demais operadores de segurança pública se aposentam com 55 anos em média”, cobra.
O presidente da AGM Brasil, Reinaldo Monteiro, afirmou que a discussão sobre as guardas municipais deve motivar a regulamentação dos planos de carreiras e inclusão dos municípios no Fundo Nacional de Segurança Pública. “A movimentação dos prefeitos não deveria ser emocional [para mudança de nome]. Eles deveriam se unir e pressionar o Congresso Nacional, deputados e partidos para alterar a lei do Fundo Nacional de Segurança Pública para que os municípios possam receber o repasse”, critica.
Na semana passada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que a PEC está alinhada ao entendimento do Supremo, que reconheceu a competência das guardas municipais para atuar na segurança urbana, resguardadas as atribuições das Polícias Civil e Militar. O objetivo é que haja cooperação com os demais órgãos integrantes do Susp.
“Nossa intenção é fortalecer o sistema de segurança pública como um todo, garantindo que as Guardas Municipais tenham seu papel formalizado na Constituição sem comprometer a autonomia dos entes federados”, afirmou Lewandowski.
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