
Menos de um ano depois do anúncio da federalização, o aeroporto de Anápolis, em Goiás, se transformou no centro de uma disputa entre a gestão estadual de Ronaldo Caiado (União) e a Infraero ( Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária). O imbróglio diz respeito à construção de uma segunda pista e à viabilização de um terminal de cargas.
O terminal foi federalizado em julho de 2024 por uma portaria ministerial, e desde então está sob gestão e operação da Infraero. A expectativa inicial era de que, sob comando do órgão federal, o aeródromo recebesse uma nova pista de pousos e decolagens, com 3 quilômetros de extensão, para pousos e decolagens de aeronaves de carga de grande porte.
Então, há cerca de um mês, a Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra) anunciou a retomada do controle da administração do aeroporto de Anápolis por descumprimento dos termos do acordo. Na avaliação da Goinfra, a Infraero estaria cobrando taxas elevadas dos permissionários do aeroporto sem nenhuma previsão de contrapartidas ou investimentos na área.
À Gazeta do Povo, o presidente da Goinfra e secretário de Infraestrutura de Goiás, Pedro Sales, explicou que as divergências tiveram início logo após a formalização da transferência da gestão do aeroporto para a Infraero. Segundo ele, o acordo firmado era de que a nova gestão seria responsável tanto pela parte civil quanto pelo novo terminal de cargas.
O que Sales chama de parte civil do aeroporto é o terminal de passageiros, onde não são operados voos regulares por companhias aéreas. Toda a movimentação é feita por aeronaves particulares, o que é chamado pela Infraero de “transporte não regular” – que não se refere a quaisquer irregularidades nos aviões ou no serviço prestado no terminal.
“No momento em que a Infraero ‘pegou’ o aeroporto, era para eles assumirem a parte civil e o terminal de cargas. Mas eles deixaram a parte de cargas de fora dizendo que havia um dano ambiental muito grande na questão da segunda pista, e que por isso não iriam fazer os investimentos”, afirmou Sales.
Infraero teria se recusado a investir no Aeroporto de Anápolis por questões ambientais
Quando da primeira tentativa de construção de uma nova pista para aeronaves de carga, foi feito um aterro em um córrego que passa pela área. Neste aterro, explicou Sales, não havia drenagem suficiente, o que levou a um processo de erosão na área interna do aeródromo.
De acordo com o presidente da Goinfra, este dano ambiental não era um fato novo e que teria sido deixado claro durante as negociações com o governo federal, enfatizou ele. “Eles [Infraero] têm toda uma expertise aeroportuária, e durante a fase de formação desse acordo foi deixado claro que a eles caberia todo o aeroporto. E para o estado importa o todo. Era um fato público. Não é que eu quero tirar Anápolis da Infraero, eu quero é que eles assumam tudo, como foi combinado”, completou.
Nas contas da gestão Caiado, o investimento necessário para resolver o passivo ambiental do aeroporto, construir a nova pista e o terminal de cargas pode chegar a meio bilhão de reais. “O governador vai tentar um diálogo com o governo federal. Se eles mantiverem essa posição, vamos avaliar se vale a pena essa retomada parcial", acrescentou o secretário.
Infraero diz avaliar “de forma técnica e criteriosa” assumir investimentos na movimentação de cargas
A Infraero não atendeu ao pedido de entrevista feito pela Gazeta do Povo. Em resposta, enviou uma nota na qual afirma que a atribuição da gestão de aeroportos é uma competência do governo federal. Por isso, após a decisão de julho de 2024, segue responsável pela gestão do aeroporto.
Segundo a Infraero, a troca de comando só ocorreu de forma efetiva em 29 de novembro de 2024. A partir desta data, a empresa teria 120 dias para finalizar o processo de transição. Dentro desse período, a Infraero “vem trabalhando para prover eficiência e adequação das operações do aeroporto de Anápolis às normativas para a administração de bens públicos, garantindo segurança jurídica e transparência na gestão do espaço, bem como a conformidade da segurança operacional exigida pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)".
Entre as adequações listadas pela Infraero no aeroporto de Anápolis estão a reforma do terminal de passageiros, sinalização, manutenção de áreas verdes, iluminação e balizamento e controle de acesso. Não há referência a ações presentes ou futuras tomadas para mitigação dos danos ambientais do aeroporto.
Ainda assim, a Infraero aponta que segue avaliando “de forma técnica e criteriosa” a possibilidade de assumir novos investimentos na movimentação de cargas no aeroporto. “É obrigatório que todas as ações estejam em conformidade com o preconizado pela legislação relacionada a obra e funcionamento do aeroporto. No caso, se faz necessário atender aos requisitos de meio ambiente, que estão em desconformidade”.
Por fim, a nota da Infraero afirma que “as intervenções e obras serão feitas dentro da área outorgada e repassada à Infraero, conforme determinam os ditames legais vigentes”.
Promessa é de manter "grande centro de distribuição logística" no aeroporto de Anápolis
Em março de 2024, a intenção de transferência da gestão do aeroporto de cargas de Anápolis do governo estadual para a esfera federal foi sinalizada de forma positiva em uma reunião entre o ministro de Portos e Aeroportos, Sílvio Costa Filho, e o vice-governador de Goiás, Daniel Vilela (MDB) – ele representou Caiado no encontro.
Com a entrega da documentação exigida, o ministro afirmou que uma força-tarefa seria criada para “agilizar as articulações”, como descrito em uma nota oficial do governo goiano. “Quero minha equipe empenhada neste projeto para que aquele aeroporto seja um grande centro de distribuição logística”, disse Costa Filho.
Vilela, por sua vez, havia comemorado a decisão e, na ocasião, elencou fatores que pesariam a favor da análise de viabilidade econômica do novo terminal, como o porto seco de Anápolis, o polo farmacêutico instalado no município e a proximidade com a ferrovia norte-sul, o que traria um caráter multimodal ao aeroporto.
Dados da Infraero mostram que, nos dois primeiros meses de 2025, houve cerca de 1.580 pousos e decolagens no aeroporto de Anápolis. Todas essas operações se referem a voos não regulares operados de forma doméstica - não há registro de nenhum voo relacionado a transporte de cargas, correios ou de passageiros no aeroporto.