Nem tudo o que reluz é ouro ou urânio, quando o assunto é o mercado de mineração e metalurgia. O acordo de venda da Mineração Taboca com 100% das ações para a empresa estatal China Nonferrous Trade Co. Ltd foi anunciado no final de novembro com grande repercussão pela suposta presença de urânio na região amazônica. A negociação foi calculada em cerca de US$ 340 milhões, que corresponde a aproximadamente R$ 2 bilhões.
A empresa e as entidades do setor nacional esclareceram que a baixa ocorrência do urânio na mina de Pitinga sequer é processada pela Taboca, que tem no estanho, no nióbio e nas terras raras os principais minérios para produção e exportação. Além disso, o monopólio do urânio é da União, controlado pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB), sendo que a jazida de urânio mais relevante do país está localizada na Região Nordeste, especificamente no estado do Ceará.
Mas então qual a importância da negociação entre a Taboca e o grupo chinês para o mercado de mineração e a metalurgia brasileiro? Quais os principais minérios explorados e a importância da mina localizada a 300 quilômetros ao norte de Manaus (AM)? Qual a participação de grupos estrangeiros no mercado nacional? E qual o interesse dos chineses na região?
Confira abaixo as informações “garimpadas” pela Gazeta do Povo em entrevistas com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e com a Mineração Taboca na lista de cinco tópicos para entender a negociação entre a empresa com sede no Brasil e o grupo chinês.
Quem é a Taboca, mineradora que vendeu 100% das ações para estatal chinesa
Maior produtora de estanho refinado do país, a Taboca informou que supre as necessidades internas do setor, mas que o principal alvo é a exportação da produção. Em 2024, o faturamento da empresa atingiu R$ 1,3 bilhão. Sob a marca Mamoré, há mais de 20 anos, o estanho é registrado na Bolsa de Metais de Londres (LME).
Em entrevista à Gazeta do Povo, o diretor da área de sustentabilidade do Ibram, Júlio Nery, lembrou que a Taboca operou com o nome Paranapanema, no entanto, a empresa brasileira foi vendida para o grupo peruano Misur, responsável pela nova negociação de 100% das ações da mineradora. Ou seja, a empresa já estava sob o controle do capital estrangeiro.
Grupo chinês detém propriedade da segunda maior produtora de nióbio no Brasil.
“O que também não é inédito é a entrada dos chineses no mercado nacional. Um grupo chinês é proprietário da CMOC, que é uma mineradora de fosfato em Catalão, no estado de Goiás, onde também produzem o nióbio. A CMOC é a segunda maior produtora de nióbio do Brasil, a terceira é a Taboca”, informa Nery.
Quais são os principais minérios explorados na região amazônica
Segundo a Taboca, a planta de fundição e refino de Pirapora do Bom Jesus (SP) recebe a produção de estanho da mina de Pitinga, processa os concentrados de cassiterita e os converte em estanho refinado, que é vendido principalmente na Europa e nos Estados Unidos.
Além da cassiterita, a columbita e pirocloro dão origem ao concentrado de nióbio e tântalo que, conforme a empresa, posiciona o Brasil como um dos líderes no fornecimento de "materiais estratégicos para cadeias produtivas globais", entre eles, setores que demandam por inovação tecnológica e ações de sustentabilidade.
“Na mina de Pitinga também podemos explorar outros minerais relevantes para o contexto de descarbonização e transição energética, como xenotímio, que contém terras raras”, completa. O diretor do Ibram Júlio Nery destaca a possibilidade de diversas aplicações do nióbio, sendo que a principal é na confecção do aço com chapas mais leves, finas e com mais resistência do aço.
Ele ainda cita o projeto que testa o elemento nas baterias de nióbio com recargas em aproximadamente 15 minutos para o uso em ônibus elétricos. “Já o estanho é importante para buchas com giros e desgastes. Não tem um substituto para fazer o bronze e, por isso, é considerado essencial, apesar da menor produção se comparado ao ferro”, esclarece Nery.
Do revestimento de produtos metálicos, como o aço, à produção de itens para construção civil, o estanho tem propriedades únicas para ligas de bronze, o que torna o metal insubstituível em produtos com mais resistência, aliado ao uso de cobre. Além disso, a solda de estanho tem baixa temperatura e é usada, especificamente, na fusão de componentes eletrônicos.
Domínio chinês em terras raras e relevância para transição energética
O diretor do Ibram também ressalta a presença de terras raras, grupo de minerais utilizados na transição energética, na mina de Pitinga. Segundo ele, os chineses dominam o monopólio do comércio internacional do minério, presentes em itens e equipamentos eletrônicos.
“A China domina 95% da produção desses minérios. Já existia a preocupação de países como os Estados Unidos e de blocos econômicos, principalmente na Europa, com a dominância de um país só em um produto. São questões econômicas. Ninguém quer depender de um só fornecedor e quem tem a predominância vai procurar mantê-la”, avalia.
Nery explica que as terras raras são formadas por mais de 20 elementos diferentes, mais leves ou mais pesados, importantes para a transição energética ao lado de outros metais como cobre, estanho, cobalto e lítio.
Estados Unidos e Europa acendem alerta sobre dominância da China na produção de minérios.
“Para que você continue tendo celular, eletrônicos, computadores e televisão, inclusive com a tela de touchscreen, as terras raras são importantes. No caso da Taboca, a ocorrência mais significativa é de terras raras pesadas”, comentou o diretor do Ibram, que ressalta a participação dos elementos no processo de fabricação de ímãs permanentes, usados desde alto-falantes a geradores de energia eólica.
Janela de oportunidade para transformação e exportação do concentrado
Na avaliação do diretor do Ibram, o processo de metalurgia da Taboca agrega valor ao produto, indo além da comercialização da produção do metal concentrado, o que é considerado uma janela de oportunidade para a indústria nacional.
“Em um trabalho realizado sobre os minerais críticos [mais relevantes para transição energética] defendemos a agregação de valor, não necessariamente pela própria mineradora, mas podemos criar condições que incentivem o desenvolvimento de indústrias, que possam fazer essa transformação dentro do Brasil”, comenta.
No entanto, Nery faz a ressalva de que o avanço no setor de transformação não significaria abrir mão da exportação da matéria-prima. “Não podemos dizer que a produção apenas do concentrado é ruim, pois temos diversas empresas que fazem isso e são importantíssimas para a nossa balança comercial. Canadá e Austrália fazem isso e são países de primeiro mundo.”
A Taboca declarou que o país é líder mundial na produção de minérios como ferro, nióbio e bauxita, possuindo uma das maiores reservas conhecidas de recursos minerais. “A indústria no Brasil alcançou posição de destaque global graças a uma combinação de fatores como a abundância de recursos naturais, avanços tecnológicos, investimento em infraestrutura e uma estratégia de exportação orientada para atender à demanda internacional, especialmente de mercados como China, Europa e EUA”, disse a empresa em nota.
Com a exploração concentrada na mina de Pitinga na região amazônica, a Taboca mantém o processo de metalurgia e sede corporativa para negócios em São Paulo. “Isso permite maior acesso a capital, investidores e infraestrutura administrativa, além de proximidade com órgãos reguladores e mercados consumidores”, justifica.
Mina Pitinga: geração de emprego e renda para comunidades locais
A mina de Pitinga está localizada na região de Presidente Figueiredo, no Amazonas, e de acordo com a Taboca, desempenha “papel estratégico” no mercado global e no desenvolvimento econômico brasileiro. “É uma das maiores do mundo em reservas de estanho, nióbio e terras raras, sendo um recurso crítico para diversos setores industriais, desde tecnologia de ponta a infraestrutura”, ressalta.
Regionalmente, a mineração em Pitinga gera emprego e renda para comunidades locais, além de movimentar a economia por meio de serviços e infraestrutura. “A Taboca tem 1.250 empregados diretos no Amazonas, onde 80% destes empregados são das regiões Norte e Nordeste. É a única mineradora em operação no estado, cuja indústria precisa de mão de obra especializada e temos buscado o desenvolvimento e formação destes profissionais. Atualmente, 50% do nosso efetivo já é representado por amazonenses. Além dos empregados diretos, temos ainda 1.300 prestadores de serviços em nossas operações em Pitinga, Presidente Figueiredo, Amazonas”, informou.
Questionada sobre a sustentabilidade e preservação, a empresa ressaltou que a região amazônica é rica em depósitos minerais, mas também abriga uma das maiores biodiversidades do mundo e comunidades indígenas que dependem diretamente dos ecossistemas locais.
“Embora a exploração mineral contribua significativamente para a economia brasileira, também pode trazer interferências ambientais e sociais. A adoção de práticas de mineração sustentável, como a recuperação de áreas degradadas, o uso de tecnologias que minimizem os danos ambientais e a promoção do desenvolvimento comunitário nas regiões mineradoras, é essencial para equilibrar o crescimento econômico com a preservação ambiental.”
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