O presidente Lula (PT) planejava visitar Santa Catarina nesta semana para anunciar R$ 5,2 bilhões em investimentos para a construção de embarcações do tipo PSV em estaleiros, nas cidades de Itajaí e Navegantes. A visita ao estado que é considerado o mais conservador do país, com a maioria do eleitorado identificando-se com o campo da direita, havia sido cogitada para esta quinta-feira (20), mas o cenário político local e a alta reprovação ao governo federal fez com que os planos fossem adiados. A visita pode até ficar para o segundo semestre.
Nos bastidores, a avaliação é que aquela que seria a segunda passagem de Lula por Santa Catarina durante o terceiro mandato presidencial do petista também estaria impactada pela federalização do porto de Itajaí, que ocorreu após disputa judicial entre o governo federal e o estado catarinense.
Na queda de braço, o Ministério dos Portos e Aeroportos levou a melhor e a gestão do porto de Itajaí foi repassada à Autoridade Portuária de Santos (APS), sendo que políticos catarinenses aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmam que a decisão do governo Lula foi tomada por interesse político-partidário.
O estado de Santa Catarina é comandado por Jorginho Mello (PL), um dos governadores mais próximos de Bolsonaro, que apoiou a eleição do filho do ex-presidente Jair Renan a vereador de Balneário Camboriú, no pleito municipal de 2024. Entre os aliados de Mello está o prefeito de Itajaí, Robison Coelho (PL).
Com o avanço da direita regional, Lula deve retornar ao estado nos próximos meses para anunciar a construção naval de embarcações de apoio, em uma tentativa de marcar o território político em Santa Catarina, onde sofreu uma das maiores derrotas nas eleições de 2022. Quase 70% dos catarinenses votaram em Bolsonaro no segundo turno da última eleição presidencial.
Na ocasião, o PT sofreu uma derrota dupla em Santa Catarina. O então senador Jorginho Mello bateu o petista Décio Lima com 70,69% dos votos válidos na corrida pelo governo estadual.
Neste que é seu primeiro mandato estadual, Mello apresenta pautas alinhadas à direita conservadora em áreas prioritárias, como a segurança e a educação. Entre elas, a proposta de construção de mais presídios; a proibição de músicas em apologia ao uso drogas e ao sexo nas escolas públicas e particulares; e a lei “Escola sem Partido”, que foi derrubada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) no início deste mês.
Lula e Mello também passaram a trocar farpas publicamente. Em discurso no porto de Santos durante o lançamento do túnel Santos-Guarujá, Lula afirmou que voltaria ao estado catarinense, dirigido pelo governador que “mais fala mal do presidente”, em referência ao opositor do PL.
“Não estou preocupado com o governador, estou preocupado com o Brasil, com Santa Catarina e de levar a possibilidade das pessoas poderem trabalhar”, discursou. Jorginho Mello rebateu Lula e disse que Santa Catarina “aprendeu a se virar sozinha” e que não perde tempo falando mal de ninguém. “Quando tenho uma posição, eu assumo”, respondeu.
Na primeira passagem por Santa Catarina - então para inauguração do Contorno Viário de Florianópolis, em agosto de 2024, com mais de uma década de atraso - Lula teve a mesma postura no palanque do evento, que não contou com a presença do governador catarinense. O alvo do petista foi o ex-presidente Bolsonaro.
“Em 18 meses, fizemos quase metade dessa obra, em uma demonstração que eu gosto de trabalhar, e não de jet ski. Eu gosto de trabalhar e não gosto de motociata”, discursou. Na mesma viagem, Lula foi até Itajaí para o lançamento da Fragata Tamandaré, primeiro dos quatro navios-escolta desse porte que serão incorporados à frota da Marinha. A construção das fragatas Classe Tamandaré teve início em setembro de 2022, no Thyssenkrupp Estaleiro Brasil Sul.
Estado mais conservador vira palco para ato estratégico de Lula e marcação de posição para 2026
O professor de Administração Pública e pesquisador em educação política da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Daniel Pinheiro corrobora da análise que as visitas presidenciais de Lula são ancoradas aos anúncios de investimentos por causa da alta rejeição do petista no estado. Ele avalia que é um movimento diferente das passagens de Bolsonaro durante o mandato presidencial dele: Pinheiro lembra que as visitas do ex-presidente tinham caráter político e pessoal até pela aproximação com o governador e aliados do PL no estado.
Segundo o professor, Lula também apoiou a eleição do ex-deputado federal Décio Lima, em 2023, como diretor-presidente do Sebrae em meio à estratégia política de aproximação com Santa Catarina. “O mais interessante não é a próxima visita em si. É um ato estratégico, um embate pessoal entre os dois [Lula e Mello] e a marcação de posição para 2026”, resumiu o analista.
Pinheiro afirma que o presidente enfrentaria forte oposição se a visita ocorresse nesta semana, principalmente por causa da federalização do porto de Itajaí. “O problema desta visita é o momento pela questão portuária e também a posição do governador, não só em relação ao porto de Itajaí, mas pela própria relação com o governo federal. Provavelmente, iria ocorrer um contradiscurso muito forte”, comenta.
Enquanto Lula adia a visita no porto de Itajaí, Mello assina na próxima sexta-feira (21) o contrato de parceria público-privada (PPP) para a obra de dragagem e aprofundamento do canal de acesso à Baía da Babitonga, onde estão localizados os portos de Itapoá e São Francisco, em evento no litoral norte de Santa Catarina.
Para o professor, a questão portuária deve se estender até 2026 e pode influenciar os votos na próxima eleição. “O porto de Itajaí será pauta no ano eleitoral, principalmente na corrida pelo estado e vai afetar qualquer candidato que venha a ser apoiado pelo PT”, prevê.
Pinheiro avalia que o governador do PL - em busca de reeleição - tem conseguido “cativar” o eleitor catarinense com as posições políticas e rebater as críticas por não se aproximar do governo federal. Além disso, Mello alia o discurso de eficiência da gestão pública com as pautas conservadoras, o que resulta no apoio de diferentes espectros da direita.
Por outro lado, a queda de popularidade de Lula no país se acentua em Santa Catarina e o petista deve acenar com investimentos na tentativa de assegurar votos para 2026, depois que Décio Lima chegou ao segundo turno no pleito anterior ao governo do estado. “Essa é a estratégia para manter a base com o anúncio de investimentos em visitas pelo estado de Santa Catarina. O governo anterior [Bolsonaro] não fez essa demonstração de investimentos porque tinha popularidade e não precisava”, compara.
Contratos para construção e afretamento de navios de apoio somam R$ 16,5 bi
A expectativa era que o anúncio de construção naval fosse feito pelo presidente Lula no estaleiro Detroit da empresa Starnav Serviços Marítimos, em Itajaí, uma das empresas que assinaram contrato com a Petrobras em dezembro do ano passado. A Bram Offshore é a outra empresa que ficará responsável pela construção naval nos próprios estaleiros privados nas cidades catarinenses. Os contratos fora assinados pela Petrobras em dezembro do ano passado, mas os anúncios poderiam colabrorar com a imagem do petista em Santa Catarina.
Os contratos incluem um período de até quatro anos para mobilização e 12 anos de operação, além da exigência de 40% de conteúdo local durante a fase de construção. Cada empresa será responsável pelo afretamento [cessão por tempo determinado] de seis embarcações de apoio para a Petrobras. Os valores dos contratos chegam à soma de R$ 16,5 bilhões para os serviços de construção e afretamento, provenientes do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
No final de fevereiro, Lula assinou um contrato para a construção de quatro navios no estaleiro Rio Grande durante viagem ao estado do Rio Grande do Sul. As embarcações do tipo Handy serão construídas pela empresa Ecovix, em parceria com a Mac Laren, com custo de R$ 1,6 bilhão.
Mello participa de evento para assinatura de PPP em porto de Santa Catarina
Jorginho Mello vai assinar o contrato da PPP para a obra de dragagem e aprofundamento do canal de acesso à Baía da Babitonga, com investimento de cerca de R$ 300 milhões, que vai permitir a atracação e operação de embarcações de 366 metros de comprimento. Assim, o porto de Itapoá deve se tornar o primeiro do país com capacidade para receber navios desse porte com carga máxima.
“Estamos nos preparando para o futuro e garantindo uma competitividade que vai desenvolver toda a região. A areia que a draga tira do fundo da baía vai para a recuperação de praias, em benefício direto para os moradores e para o turismo de Itapoá, a cidade que teve o maior crescimento em população do nosso Estado na última década”, declarou Mello.
De acordo com o governo, porto de São Francisco do Sul registrou a marca de 17 milhões de toneladas de mercadorias em 2024. Já o porto Itapoá, que se destaca na operação de cargas em contêineres, movimentou 14 milhões de toneladas, com um crescimento de 19% em relação a 2023. O complexo portuário da Baía da Babitonga responde por mais de 60% da movimentação portuária de Santa Catarina, em tonelagem.
Congresso aprova Orçamento com superávit quatro vezes maior do que estimativa inicial do governo
Mendonça vota pelo impedimento de Dino e Moraes para julgar Bolsonaro
Parlamentares dos EUA enviam carta a Trump pedindo sanções via Lei Magnitsky contra Moraes
Os impactos do possível pedido de asilo político de Eduardo Bolsonaro