Com posição de liderança em uma das máfias mais poderosas da Itália e do mundo, a Ndrangheta, da Calábria, Vincenzo Pasquino - preso no Brasil em 2021 e deportado para seu país de origem apenas em março deste ano - decidiu delatar as operações das facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) sobre remessas internacionais de drogas para a Europa.
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A Direção Nacional Antimáfia e Antiterrorismo da Itália propôs que procuradores brasileiros, tanto da República quanto dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, participem dos interrogatórios e obtenham informações que poderão ser usadas pelas autoridades brasileiras em investigações relacionadas às duas maiores facções do Brasil.
Delação de membros de máfias são consideradas incomuns e extremamente raras pelas autoridades internacionais em segurança pública.
Investigações dos dois países revelaram que o mafioso, de 34 anos, chegou ao Brasil em 2017 com a missão de negociar a compra e envio das cargas. Morou primeiro no Paraná, pela proximidade da fronteira com o Paraguai, de onde partem os principais carregamentos de cocaína ao Brasil com destino ao mercado internacional, principalmente ocultos em cargas lícitas que saem dos portos brasileiros.
A permanência de Pasquino no Paraná teria durado pouco, e ele se mudou para São Paulo – entre os anos de 2017 e 2018 – com o objetivo de ficar mais próximo da base de negociações, sobretudo com o PCC. Morava no bairro de Tatuapé, reduto de luxo do PCC onde a facção passou a comprar imóveis de alto padrão e estruturar a logística para o tráfico internacional.
Quatro anos após desembarcar no Brasil, Pasquino foi preso em uma operação conjunta entre Interpol, Polícia Federal (PF) e polícia italiana durante uma viagem a João Pessoa (PB). Na ocasião, também foi preso um dos traficantes mais procurados da Europa, Rocco Morabito, conhecido como o “Rei da Cocaína”.
Mafioso era o homem de confiança para o tráfico de cocaína em parceria com PCC e CV
No Brasil, Pasquino operava, segundo investigações italianas e brasileiras, como um dos principais intermediadores para o tráfico de entorpecentes saindo da América do Sul com destino a países europeus onde a Ndrangheta atua. Ele é apontado como o principal intermediador nas negociações tanto com o PCC quanto com o CV.
Apesar de morar na capital paulista, investigações da PF revelaram que o criminoso tinha imóveis no litoral de São Paulo, no Guarujá, a cerca de 50 quilômetros de Santos - e do maior porto da América Latina. Sua posição em São Paulo seria estratégica e ele levava uma vida discreta, sempre acompanhado por seguranças de origem albanesa.
Durante a prisão no Brasil, Pasquino ficou na penitenciária federal de segurança máxima de Brasília, onde falou pela primeira vez às autoridades sobre a ligação com a máfia italiana. Ele chegou a pedir asilo no Brasil, mas o pedido foi negado. Mesmo assim, a extradição à Itália levou mais de dois anos para ocorrer.
Agora no presídio de Roma, cerca de quatro meses após a deportação, decidiu fazer a delação na tentativa de diminuir a pena. Revelações de criminosos em casos assim, envolvendo membros de máfias, são consideradas incomuns e extremamente raras pelas autoridades internacionais.
Quem confirmou o acordo de delação na Itália e a possibilidade da participação de investigadores brasileiros nos interrogatórios foi a Direção Nacional Antimáfia e Antiterrorismo da Itália. Em documento ao qual o Estadão teve acesso, o procurador Giovanni Melillo descreveu que as informações iniciais prestadas pelo mafioso “parecem relevantes também para investigações reservadas à jurisdição da República do Brasil”.
Mafioso negociava com ala exclusiva do PCC
Segundo o Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes (Denarc) da Polícia Civil de São Paulo, há uma ala exclusiva do PCC, chamada de "Sintonia do Tomate", para negociar com a máfia. Era com ela que o italiano fazia as intermediações das cargas.
Para o Denarc, a delação de Pasquino pode fornecer às autoridades brasileiras informações imprescindíveis, como nomes dos criminosos responsáveis, tanto pelas intermediações quanto pelo envio das remessas de drogas à Europa. Segundo o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Gaeco em São Paulo, somente o PCC envia mensalmente cerca de 4 toneladas de cocaína pura ao continente europeu, operação estimada em R$ 5 bilhões de faturamento.
Investigações do Gaeco paulista, da PF e de autoridades internacionais têm apontado, na última década, o avanço de parcerias entre as facções brasileiras com núcleos criminosos mundiais, como os cartéis da América do Sul e do Norte, a máfia italiana e grupos terroristas e extremistas no Oriente Médio. Além das ligações com facções brasileiras, a expectativa de autoridades italianas é que Pasquino forneça dados sobre a atuação de famílias de outras máfias daquele país. Do ponto de vista dos inquéritos brasileiros, isso poderá revelar e dar novos detalhes das ligações de PCC e CV com outros grupos criminosos da Europa.
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