Especialistas avaliam que os modelos de parceria público-privada na Educação podem dar certo desde que cumpridos alguns requisitos.| Foto: Gabriel Rosa/AEN/Divulgação
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Especialistas em educação ouvidos pela Gazeta do Povo aprovam, com cautela, as novas parcerias público-privadas na área educacional que vem ganhando corpo no debate público brasileiro, com evidência para o projeto Novas Escolas, da rede estadual de educação de São Paulo, e o projeto Parceiro da Escola, do Paraná.

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Ambos os projetos consistem em terceirizar serviços de manutenção e conservação das unidades escolares, porém com detalhes diferentes entre si. O modelo de São Paulo será aplicado em escolas que ainda serão construídas. Inclui, por exemplo, que a merenda pode ser terceirizada, bem como a vigilância, a portaria das unidades e o apoio aos alunos que não conseguem acessar com autonomia as instalações escolares.

Por sua vez, o modelo do Paraná será implementado em escolas que já funcionam na rede estadual e estabelece que o Estado se mantém como responsável pela merenda, que a empresa terceirizada pode contratar professores temporários, elaborar um plano de metas ligado a indicadores de aprendizagem e ser remunerada considerando, entre outros fatores, as metas de resultado.

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Modelo está longe de ser solução, avalia o Todos Pela Educação

A organização não governamental (ONG) Todos Pela Educação publicou um documento em que analisa os diferentes modelos de parceria estabelecidos com a rede pública de educação. De acordo com a ONG, tais modelos de parceria privada podem contribuir com a escola pública, mas alguns cuidados devem ser tomados.

Entre as recomendações do Todos Pela Educação, estão a importância:

  • transparência nos contratos
  • participação comunitária
  • robustez dos mecanismos de fiscalização e avaliação por parte das secretarias.

“Desde que cuidadosamente desenhadas e testadas, as parcerias voltadas para os serviços não-pedagógicos das unidades escolares podem ser benéficas, merecendo, assim, consideração dos gestores públicos”, afirma o documento. A organização enfatiza ainda que as PPPs são uma ferramenta com potencial para aprimorar a infraestrutura e a gestão administrativa das escolas brasileiras, “mas está longe de ser uma das políticas educacionais mais importantes para o país efetivamente enfrentar os desafios estruturais na Educação Básica”.

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Influência das empresas na parte pedagógica é principal ponto de atenção

Especialistas do setor concordam que a influência dos parceiros privados na parte pedagógica das escolas é o principal ponto de cautela, enquanto evidenciam que a terceirização de serviços como manutenção e limpeza pode ser positiva. “A maior parte dessas atividades já é contratada junto à iniciativa privada e, se o processo de contratação for bem feito, pode ajudar a educação”, diz João Marcelo Borges, gerente de pesquisa e inovação do Instituto Unibanco.

“Uma das atividades mais difíceis para os diretores escolares é a parte ligada à zeladoria da escola, pois ele precisa contratar pequenos reparos, aguardar serviços de manutenção. A terceirização pode liberar tempo do diretor para atividades educacionais”, complementa ele.

De acordo com Denise Aguiar Alvarez, diretora-executiva da Fundação Bradesco, trabalhar conjuntamente com a equipe da escola é o principal cuidado que deve ser tomado para a parceria público-privada dar certo. “Quem trabalha com educação está sempre fazendo o melhor que pode, mesmo que o resultado não seja o melhor. Por isso, o diretor tem que querer essa parceria com a iniciativa privada, porque se for algo imposto de cima para baixo, a chance de não dar certo é grande”, diz ela.

Sindicatos de professores apresentam argumentos contrários

Integrante da oposição à gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, a deputada estadual professora Bebel (PT) alerta que "privatizar qualquer que seja o serviço da escola tem um impacto direto no pedagógico, porque os meios justificam os fins”.

Vice-presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e presidente da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa (Alesp), ela afirma que terceirizações ligadas à rede estadual de São Paulo não têm dado certo. “Nos preocupa que venha uma empresa de fora para dentro da escola. Se olharmos o caso da merenda escolar, a empresa não paga os funcionários e sobra para o estado, o que acaba encarecendo ao invés de diminuir os custos”, complementa ela.

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Walkiria Olegário Mazeto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), também vê a parceria privada como prejudicial. “O programa impõe à empresa que assumir a escola metas que não estão apenas ligadas à gestão administrativa, mas também ao desempenho pedagógico dos estudantes”, diz ela.

“Se ao final do ano a empresa atinge as metas estabelecidas pela secretaria, ela recebe um bônus de até 10%. Haverá influência da empresa nos resultados pedagógicos da escola, nas práticas dos professores, no desempenho dos estudantes e em como as aulas serão ministradas”, complementa.

O que dizem as secretarias da Educação de São Paulo e do Paraná

Questionado sobre os riscos que a participação ativa das empresas pode trazer ao aprendizado dos alunos, Vinicius Mendonça Neiva, secretário executivo de educação do estado de São Paulo, afirmou à Gazeta do Povo que “a gestão privada não vai influenciar na parte pedagógica".

"O diretor e toda a equipe escolar continuam sendo funcionários da rede estadual de ensino, sem qualquer tipo de interferência. Eles passam a ser clientes dessa empresa privada, que ficará responsável por tarefas como troca de lâmpadas, limpeza de calhas, contratação de merendeiros e atendentes de limpeza”, diz ele.

A Secretaria de Educação do Paraná, por sua vez, afirmou em nota que "todas as atividades de cunho pedagógico permanecem sob a liderança e responsabilidade do diretor da escola, seguindo rigorosamente as diretrizes estabelecidas pela Secretaria de Educação do Paraná", e que "o programa foi estruturado com mecanismos de governança rigorosos para garantir que a autonomia pedagógica das escolas seja preservada".

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Em relação aos bônus financeiros baseados no desempenho dos estudantes, a Seed afirmou que eles "não são apenas incentivos para melhorar resultados, mas também para reforçar práticas pedagógicas eficazes, sempre respeitando a autonomia dos professores".

Quanto à possibilidade de contratação de professores temporários pelas empresas parceiras, a secretaria do PR diz que é uma garantia "que haja sempre profissionais qualificados disponíveis para atender às necessidades dos alunos", que os professores temporários "passam a ter a oportunidade de uma contratação CLT, com mais benefícios" e com "salário equivalente ou maior ao já praticado hoje pelo estado", e que "não substitui os concursos públicos".

A pasta paranaense afirmou ainda que "sempre esteve aberta ao diálogo e a aprovação do projeto nas escolas envolve a consulta e avaliação por parte dos interessados, refletindo, portanto, a opção dos mesmos na adesão ao modelo."

Como são os modelos estaduais de PPPs

  • Projeto Novas Escolas, da rede estadual de educação de São Paulo

O projeto Novas Escolas da rede estadual de educação de São Paulo está em vias de concretização. Por meio de um decreto datado de 10 de junho, o governo paulista deu início ao processo de licitação para a construção de 33 novas unidades de Ensino Médio e Fundamental II.

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Elas serão divididas em dois lotes: leste, com 16 escolas, e oeste, com 17. São 29 cidades contempladas e 35,1 mil vagas de tempo integral. Os leilões estão previstos para setembro e novembro de 2024 com investimentos de R$ 1,6 bilhão.

A empresa ou consórcio que vencer o leilão ficará encarregado da gestão não pedagógica dos estabelecimentos, abrangendo manutenção, conservação e operação dos serviços por 25 anos. Os investimentos previstos no período são de R$ 2,1 bilhões, sendo que metade das escolas devem ser entregues até o segundo ano do contrato e as demais até o terceiro ano.

A proposta vencedora será aquela que apresentar a menor contraprestação pública máxima, sujeita à garantia de proposta como parte do processo de pré-qualificação. Poderão concorrer empresas e fundos de investimento nacionais ou estrangeiros, desde que demonstrem experiência vinculada às atividades em questão. Adicionalmente, a concessionária terá a oportunidade de explorar atividades adicionais relacionadas à concessão como forma de gerar receitas complementares.

A prestação de serviços inclui:

  • manutenção de toda a unidade escolar, incluindo manutenção predial e de equipamentos;
  • limpeza, abrangendo a mão de obra e material para limpeza das áreas internas e externas das unidades;
  • vigilância e portaria, incluindo monitoramento do sistema de câmeras e controle de acesso pormeio de portaria;
  • alimentação, incluindo exclusivamente o preparo e porcionamento de alimentos, além dadisponibilização de equipamentos e utensílios;
  • jardinagem e controle de pragas, incluindo poda, roçada, dedetização periódica e limpeza decaixas d’água;
  • atividades de vida diária, envolvendo exclusivamente o apoio aos alunos que não conseguem acessar com autonomia as instalações escolares.
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O estado é o responsável, exclusivamente, pela prestação dos serviços pedagógicos e pelo acompanhamento e controle da conduta do corpo docente e demais funcionários públicos. A comunidade escolar, por sua vez, terá a incumbência de relatar quaisquer irregularidades na execução dos serviços às autoridades competentes, bem como comunicar eventuais atos ilícitos cometidos pela concessionária ou outros envolvidos. O governo de São Paulo coordenará e fiscalizará a execução do contrato da PPP, por meio da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp).

  • Programa Parceiro da Escola, da rede estadual de educação do Paraná

O Programa Parceiro da Escola, instituído pela Lei 22.006 de 4 de junho de 2024, deve ser lançado a partir de 2025, após consulta pública da qual participarão 200 escolas em 110 cidades da rede estadual de ensino básico do Paraná, unidades passíveis de aprimoramento pedagógico. A lei estabelece que não participam do programa instituições de aldeias indígenas, comunidades quilombolas, da PM do Paraná e cívico-militares.

O objetivo da iniciativa é melhorar a qualidade da educação através de parcerias com pessoas jurídicas de direito privado especializadas na gestão educacional e em ações que melhorem o aprendizado dos alunos e a eficiência na gestão das escolas. De acordo com a lei, as empresas que comprovarem mais de cinco anos de experiência e qualificação técnica poderão ser contratadas para gerir aspectos administrativos e financeiros das escolas participantes, enquanto a Secretaria da Educação mantém autonomia sobre o projeto pedagógico.

A implementação do programa será feita por meio de contratos que, antes da assinatura, vão passar por consulta pública junto à comunidade escolar atendida, que poderá decidir por meio de votação se vai aderir ao programa. A legislação estabeleceu que o programa será executado pelo Serviço Social Autônomo Paranaeducação, que auxilia na gestão das escolas estaduais do Paraná.

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O programa será avaliado a cada ciclo contratual e de acordo com indicadores que serão determinados pela secretaria. Entre as mensurações colocadas estão, no mínimo:

  • manutenção e conservação das instalações
  • evolução da frequência
  • evolução da aprendizagem
  • satisfação da comunidade escolar

Além disso, o Parceiro da Escola define que a remuneração dos professores contratados pelo parceiro seja equivalente ou superior à dos professores contratados por regime especial (PSS), assegurando os direitos trabalhistas, e que a remuneração do parceiro contratado será estabelecida pela média de custo de referência da rede pública estadual. Esse custo de referência, por sua vez, considera instituições semelhantes, o tipo de oferta e as metas de resultado.

A implementação do plano de trabalho do parceiro contratado será realizada com consulta ao diretor da escola e regido por documentos que ainda serão publicados. Esse plano também será levado em consideração na gestão de recursos do governo federal.

Outro ponto importante é que os profissionais efetivos lotados nas instituições de ensino continuam sob a gestão do diretor da rede, mas devem atender critérios e metas estabelecidos pelo parceiro contratado em conjunto com o diretor. O trabalho da parceira será feito por meio de um plano escalonado com prazos para as manutenções, feito com base em um laudo técnico da secretaria.

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O poder Executivo fica responsável por divulgar anualmente os indicadores educacionais dos participantes com dados como indicadores de aprendizagem, frequência escolar, número de matrículas, taxa de abandono e taxa de evasão escolar. A Secretaria da Educação fica responsável pela merenda e o parceiro pode complementá-la.

  • Projeto piloto do programa Parceiro da Escola, do Paraná

O programa Parceiro da Escola funciona por projeto-piloto desde 2023, na gestão Ratinho Jr. (PSD), em duas escolas que somam 2,1 mil alunos: Colégio Estadual Aníbal Khury, em Curitiba, e Colégio Estadual Anita Canet, em São José dos Pinhais, na região metropolitana da capital paranaense.

De acordo com a secretaria estadual, os índices de matrículas, frequência e desempenho escolar nas unidades melhoraram significativamente entre 2023 e 2024 e uma pesquisa apontou que mais de 90% dos pais e responsáveis aprovam o modelo. Na ocasião da consulta pública, em dezembro de 2022, apenas essas duas unidades entre 27 escolas concordaram em aderir ao programa, sendo que em 12 delas a proposta foi negada e nas outras 13 não houve quórum mínimo (pelo menos metade da comunidade escolar) para a votação.

  • Projeto Somar, da secretaria da Educação de Minas Gerais
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De acordo com a Secretaria de Educação de Minas Gerais, o projeto Somar é uma das principais ações estratégicas do governo estadual que visa a melhoria da qualidade da educação. A iniciativa piloto, que promove um modelo de gestão compartilhada entre o poder público e organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, busca aprimorar o ensino nas escolas estaduais.

As unidades escolares continuam sendo públicas, gratuitas e seguem o calendário oficial da rede estadual. O modelo de parceria segue o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que é muito utilizado na criação e gestão de vagas em creches criadas em programas de parceria com instituições não governamentais.

Implementado em 2022, durante a gestão de Romeu Zema (Novo), o projeto começou com três escolas de ensino médio, abrangendo 1 mil alunos: Coronel Adelino Castelo Branco, em Sabará; Maria Andrade Resende e Francisco Menezes Filho, ambas em Belo Horizonte. A gestão dessas escolas é realizada em parceria com a Associação Centro de Educação Tecnológica (Ceteb), selecionada através de edital de chamamento público e que será responsável por quatro anos.

Para cada aluno matriculado, o governo transfere ao parceiro o valor médio destinado ao Ensino Médio urbano em Minas Gerais. A organização parceira é responsável por selecionar a equipe gestora entre os servidores da Secretaria de Educação, assegurando que as escolas mantenham seu status de públicas e que os alunos sejam contabilizados nas matrículas para a obtenção de recursos do Fundeb.

O modelo adotado estabelece indicadores para avaliar periodicamente a gestão escolar e o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes. Entre os indicadores estão o índice de aprovação, reprovação, frequência, evasão/abandono e satisfação da comunidade escolar. Dados preliminares indicam que as escolas participantes atingiram as metas definidas, destacando-se na gestão das informações escolares e na participação dos estudantes em programas de intervenção pedagógica e avaliações internas.

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  • PPP para qualificar escolas em áreas vulneráveis, da rede estadual do Rio Grande do Sul

O governo do Rio Grande do Sul anunciou, em 2023, um projeto de parceria público-privada (PPP) voltado para a requalificação da infraestrutura escolar em 99 unidades de ensino, situadas em 15 municípios de maior vulnerabilidade social. Estruturado durante a gestão do governador Eduardo Leite (PSDB), o projeto busca modernizar as condições físicas das escolas e melhorar a prestação de serviços não-pedagógicos, beneficiando cerca de 56 mil alunos.

A PPP foi aberta para consulta pública em 8 de julho de 2024. O parceiro privado será responsável pela requalificação completa das instalações escolares e prestar serviços de apoio como conservação e manutenção predial, conectividade, zeladoria, higiene e limpeza, segurança e vigilância, jardinagem, controle de pragas, fornecimento de utilidades, gestão de resíduos sólidos, e fornecimento de mobiliário e equipamentos.

A prestação de serviços não interfere nas atividades pedagógicas, que continuarão sob responsabilidade da Secretaria da Educação. Esse modelo permite que a gestão escolar e os professores se concentrem exclusivamente no ensino e no desenvolvimento dos alunos.

O objetivo é impactar positivamente o desempenho dos alunos, reduzir taxas de evasão e aumentar a motivação tanto dos estudantes quanto dos educadores. Com instalações modernizadas, espera-se também uma maior eficiência energética e a adoção de práticas sustentáveis, contribuindo para um ambiente mais saudável e econômico a longo prazo.

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A execução do projeto de PPP envolverá um investimento de R$ 1,3 bilhão por parte do parceiro privado, com um prazo de 16 meses para a conclusão das reformas e ampliações das escolas após a assinatura do contrato. O governo do estado, através da Secretaria da Reconstrução Gaúcha, fiscalizará e acompanhará a prestação dos serviços, utilizando indicadores de desempenho e metas pré-estabelecidas, além de pesquisas de satisfação. A escolha da empresa vencedora se dará pelo critério de menor contraprestação anual a ser paga pelo estado, com um teto de R$ 203,6 milhões por ano.

Das 99 escolas incluídas no projeto, 18 serão ampliadas para se tornarem escolas-modelo, com atendimento em turno integral e infraestrutura adicional como ateliê de artes, estúdio de gravação e espaços de educação profissional e tecnológica. A estruturação do projeto contou com o apoio da empresa SP Parcerias, que realizou projetos semelhantes em São Paulo e Porto Alegre.