De um lado, a bilionária e maior facção criminosa da América Latina, o Primeiro Comando da Capital (PCC), caminha para se consolidar como uma das gigantes mundiais no mundo do crime. Do outro, o Comando Vermelho (CV), com atuação muito presente na região de fronteira do Brasil e no estado Rio de Janeiro - e que há mais de duas décadas chegou a ser “parceiro comercial” do PCC. Entre as facções criminosas, o Hezbollah, um dos mais temidos núcleos terroristas do mundo. O grupo libanês baseado no Oriente Médio ameaça, em escala, o ingresso na guerra contra Israel, em apoio ao Hamas.
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No Brasil, esse "triângulo do crime" está bem próximo. Documentos e investigações policiais indicam que foi o Comando Vermelho quem colocou o grupo extremista libanês no esquema criminoso do Brasil, até chegar na parceria de quase duas décadas com o PCC.
A avaliação vem do pesquisador sobre o crime organizado Diorgeres de Assis Victório, ex-policial penal que dedicou as últimas décadas para investigar facções criminosas. Em levantamento exclusivo feito para a Gazeta do Povo, Victório alerta que o Hezbollah funciona com a prática de lavagem de capitais e organização criminosa, contrabando de cigarros, contrabando de armas e outros mercados ilícitos em um “sistema corrupto que envolve as polícias, os políticos e as aduanas”, condições atraentes aos grupos criminosos brasileiros.
A aliança permite ao PCC ganhar vantagem com o tráfico de diversos mercados ilícitos com a facilitação pelo Hezbollah. "Não por acaso, tem se tornado um dos maiores traficantes internacionais de drogas. Abre-se um novo horizonte ao PCC”, analisa o pesquisador.
“Na outra ponta está o PCC, que promete dar proteção a presos da quadrilha libanesa detidos nas penitenciárias do país”.
Pesquisador sobre o crime organizado Diorgeres de Assis Victório
Segundo informações da Polícia Federal (PF), os primeiros contatos entre os grupos criminosos foram lá pelo ano de 2006 e nasceram de uma transação importante do PCC, que chegou a fazer negócios com o Comando Vermelho até se tornarem rivais. São registros que constam nos Estatutos do PCC: são documentos que revelam, geração após geração do crime organizado brasileiro, a evolução histórica envolvendo grupos criminosos. “O Hezbollah também possui negócios com o Comando Vermelho, sendo que o Fernandinho Beira-Mar é a principal figura que estreitou esse fato", salienta Victório.
Onde está o Hezbollah no Brasil?
Segundo o especialista Diorgeres de Assis Victorio, muitos terroristas ligados ao Hezbollah deixam rastros no território brasileiro, mas é impossível avaliar com precisão onde estão fixados. “A imensidão do Brasil favorece o ingresso de membros do Hezbollah em nosso país e dificulta a localização deles, tendo em vista que via de regra criminosos não têm por hábito fixarem residência. Eles vivem mudando de lugar para não serem presos, assim como vivem mudando os números de celulares para que não sejam vítimas de grampo judicial”, considera.
Fato é que as regiões de fronteira se destacam nos vestígios dessas passagens. É o caso de cidades como Ponta Porã (MS), vizinha a Pedro Juan Caballero, no Paraguai; Corumbá (MS), também na fronteira com o Paraguai; e Foz do Iguaçu (PR), colada em Cidade do Leste, uma das maiores cidades do país vizinho. Investigações policiais revelam que eles seguem por perto. A PF identificou que há operações dos terroristas em parceria com o PCC das fronteiras aos portos brasileiros. O foco está no tráfico de drogas, armas e munições e, até, em treinamentos de guerrilha.
Criminoso do PCC preso tinham ligação com nomes do Hezbollah
Um dos principais nomes da organização islâmica libanesa Hezbollah é, segundo Assis Victorio, Assad Ahmad Barakat (do clã Barakat), responsável pelo financiamento da ação terrorista contra a associação judaica argentina Amia, em 1994. “Os Estados Unidos, à sombra da paranoia que tomou conta do país após ataques de 11 de Setembro, o acusaram de ser um dos grandes nomes do terrorismo islâmico na região. Barakat é apontado como dono de ao menos duas empresas que, de acordo com o Departamento do Tesouro americano, seriam usadas em operações de financiamento envolvendo células do Hezbollah na América do Sul e no Caribe: a Casa Apollo e a Barakat Import-Export Ltda”, afirma o investigador.
Em julho de 2020, dois anos após a prisão dele, o Brasil o extraditou para o Paraguai que, em 2021, o expulsou, ano em que ele retornou para o Brasil. “Nessa mesma linha temos Mahmoud Ali Barakat e Nader Mohamad Farhat, este tendo sido extraditado do Paraguai com destino a Nova York para julgamento por um tribunal federal de Miami, pois teria participado em um esquema internacional de lavagem de dinheiro baseado nas complexidades do comércio global e no uso de empresas em Nova York e na Flórida, para lavar milhões de dólares para traficantes transnacionais de drogas”, explica Victório.
O investigado tinha uma casa de câmbio que estaria no nome da esposa, uma mulher de origem taiwanesa. “Nessa casa foi apreendida a quantia de US$ 1,3 milhão. Podemos usar o caso (do narcotraficante do PCC) Elton Leonel conhecido como 'Galã', como um exemplo para entendermos melhor o envolvimento de brasileiros com o Hezbollah”, aponta ele.
Na estrutura da facção, Elton Leonel era responsável pela lavagem de dinheiro. Ele foi preso por diversas vezes, em cidades diferentes, e tinha ligação com os nomes do Hezbollah. Laudos periciais dos aparelhos celulares apreendidos com o criminoso apontam para desdobramentos violentos na disputa por espaço e poder, além de arquivos que continham a movimentação contábil da facção, com apontamentos dos gastos com drogas, armas e despesas com pessoal.
Condenado pela prática de crimes de tráfico de drogas e posse de armas, além de uso de documento falso, Leonel cumpre pena no Presídio Federal de Mossoró (RN). A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) do Rio de Janeiro teria descoberto um plano de fuga que seria executado com a corrupção de agentes públicos, levando as autoridades daquele estado a solicitarem a transferência do investigado para o sistema penitenciário federal. A fuga orquestrada ocorreria pela porta da frente de um presídio estadual, com a oferta de R$ 2 milhões para quem aceitasse favorecer o crime.
“A análise do material apreendido permitiu apurar que existiam indícios de que Leonel possuía ligação com o Hezbollah. O requerimento da Seap destacou a participação de Elton Leonel na guerra pelo controle das rotas de drogas na fronteira com o Paraguai, sendo suspeito de ser o mandante da morte de Jorge Toumani Rafaat, conhecido como 'Rei da Fronteira', em julho de 2016”, relembra Victório. Esse ponto, de acordo com o pesquisador, evidencia a atuação de Leonel na região fronteiriça com residência no passado em território paraguaio “para desenvolvimento de atividades aparentemente ligadas ao tráfico ou à lavagem de dinheiro”. Ele teria adquirido 17 imóveis em Ponta Porã, cuja proprietária era sobrinha do narcotraficante Jarvis Chimenes Pavão e irmã de Jonathan Gimenez Grance, condenado a mais de 30 anos de reclusão pela prática dos crimes de tráfico internacional de drogas e organização criminosa.
Facções disputam poder na fronteira
Aos poucos, o círculo criminoso revela as entranhas do envolvimento entre faccionados e terroristas. Na escala do crime organizado nas fronteiras, existem datas e registros que interferiram diretamente na disputa por espaço e poder e na consolidação de grupos.
Em junho de 2016, o narcotraficante Jorge Toumani Rafaat - apontado por setores de inteligência de forças policiais como chefe do narcotráfico na região da fronteira entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero - foi assassinado com tiros disparados de uma metralhadora calibre 50. “O motivo teria sido a disputa pelo controle do tráfico de drogas na região. Autoridades paraguaias atribuem a Elton Leonel o planejamento do assassinato, fato que inclusive lhe rendeu uma ordem de captura. Simultaneamente, foram expedidas outras três ordens de prisão, as quais se encontram pendentes de cumprimento. Devido ao aparente envolvimento com o assassinato de Rafaat, Leonel se afastou da região. Investigou-se a participação dele no comando de organização criminosa armada internacional, tráfico internacional de armas de fogo de uso restrito e violação de sepultura”, descreve o pesquisador.
"Guerra híbrida" incorpora atos terroristas, violência e desordem criminal
O pesquisador considera que, ao falar em terrorismo, não se pode deixar de abordar o que chama de problemática da guerra híbrida. “A guerra híbrida é misturada e complexa, seus atores disparam operações psicológicas e deixam os diversos atores sociais operarem a seu favor. As guerras híbridas incorporam uma gama de diferentes modos de guerra, incluindo capacidades convencionas, táticas e formações irregulares, atos terroristas incluindo violência e coerção indiscriminadas e desordem criminal”, afirma.
A guerra híbrida é uma estratégia, segundo o pesquisador, pela qual agressores exploram modos de guerra simultaneamente. Há uma mescla de instrumentos como o uso de armas avançadas, tecnologias agressivas, ferramentas psicológicas, promoção de desinformação e lawfare.
Para Victório, no resgate de registros históricos do PCC evidenciam-se esses modos diferentes de guerra, como as rebeliões simultâneas em 2001 e os atentados em 2006, assim como a morte de um juiz naquele mesmo ano por determinação da organização criminosa. Foi este assassinato que resultou na construção do primeiro presídio federal de segurança máxima, o de Catanduvas (PR), para isolar presos das principais facções criminosas no Brasil.
Quanto à Lei Antiterrorismo brasileira, o pesquisador avalia que foi feita para não funcionar. “Infelizmente tenho que dizer que não possui uma técnica legislativa penal boa, mas podemos melhorá-la. Importante mencionar que a lei foi criada em razão das exigências para as Olimpíadas de 2016 e que nosso país relutou bastante, sob o argumento de sermos um país pacífico”, pontua.
Para o pesquisador, um dos principais problemas à aplicação é que a lei determina que para se caracterizar como um crime terrorista, quem praticou o ato deve possuir o que é chamado de motivação do agente. O criminoso deve agir em virtude de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Não foi incluída a supressão de valores democráticos ou motivação política.
“A lei é muito falha nesse sentido. Não consigo ver que o PCC vá praticar terrorismo em razão de xenofobia, discriminação e ou preconceito de raça, dentre outros requisitos inseridos na nossa norma. Por maior ginástica que eu faça em meu cérebro para tentar encontrar algum dos motivos que o PCC possa ter para praticar atos de terrorismo, não vejo que venha a atender os requisitos de nossa lei antiterrorismo pra ser enquadrado como tal”, reforça ele.
Entre atos que podem ser classificados como terrorismo há crimes contra a incolumidade pública previstos no Código Penal (decreto-lei 2.848/1940), a exemplo de causar incêndio, provocar explosão ou usar gás asfixiante. Há também a Lei de Crimes contra a Segurança Nacional, a Ordem Política e Social (lei 7.170/1983), assim como a lei 7.170/1983, que cita o terrorismo sem defini-lo, embora indique a causa e o propósito: inconformismo político e obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Para o pesquisador, o PCC já poderia, no entanto, se enquadrar como uma célula terrorista. “Se formos olhar o PCC pela ótica histórica e, obrigatoriamente, pela sistemática da guerra híbrida, em que se exploram todos os modos de guerra simultaneamente, uso de armas avançadas (de uso das forças armadas), ferramentas psicológicas, promoção de desinformação, lawfare e outros meios, o PCC já se tornou um grupo terrorista há décadas”, completa.
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