A rota bem definida e estruturada do mercado bilionário do contrabando de cigarros na região da fronteira do Brasil com o Paraguai tem feito com que facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), ampliem seus negócios no segmento. As duas maiores organizações criminosas brasileiras, a primeira de São Paulo e a segunda do Rio de Janeiro, enxergam no negócio um mercado estratégico, de fácil circulação, boa aceitação na sociedade e lucrativo.
O PCC, que tem dominado o segmento, é considerado pelas forças de segurança pública a maior organização criminosa da América Latina. Além disso, já figura entre as maiores do mundo a partir do envolvimento com células terroristas e máfias de diversos cantos do mundo.
O grupo avança, segundo a Polícia Federal (PF), a passos largos no tráfico internacional de drogas.
Mas, se essas facções são destaque no tráfico de drogas, por que estão interessadas no contrabando de cigarros? A resposta objetiva é a facilidade para acessar o dinheiro, a rápida colocação no mercado e a aceitação da sociedade. Diferente das drogas ilícitas, em qualquer esquina existe um bar ou comércio similar que pode colocar cigarros contrabandeados à venda. A PF vem alertando que nem sempre a população enxerga o contrabando de cigarros (entre outros produtos) como algo ilegal, apenas vê uma oportunidade de adquirir algo mais barato do que um produto legalizado.
Uma carreta carregada com cigarros rende no mercado final, segundo projeções da Receita Federal, cerca de R$ 2,5 milhões aos contrabandistas e as cargas transitam de forma intensa e constante pelas rodovias do Brasil.
Quem detecta isso é a Polícia Federal. A rota dos cigarros ilegais no país passa, necessariamente, pelas mãos de grandes quadrilhas. Nos últimos anos, as facções estão se aproveitando da prática para avançar, tanto pelo território quanto pelos aspectos financeiros. “É uma forma rápida de levantar dinheiro, então essas facções que querem se capitalizar rapidamente estão investindo mais pesado nos cigarros”, alerta Marco Smith, o delegado que comanda a maior Delegacia de uma Polícia Federal da América Latina, a de Foz do Iguaçu (PR).
Fronteira é ponto nevrálgico para o contrabando de cigarros
A fronteira é o ponto nevrálgico, por onde tudo começa em território nacional quando o assunto são os cigarros contrabandeados. O período de trégua e paz forçada entre criminosos das duas facções, PCC e Comando Vermelho, que estão estabelecidas entre Brasil e Paraguai, fez com que cada uma traçasse e seguisse rotas próprias. O esquema é agravado, segundo a PF, pelo envolvimento de profissionais da segurança pública nos grandes esquemas do contrabando que facilitam a logística para o avanço das facções.
Como muitas vezes as rotas estão “protegidas” por uma pequena parcela de servidores públicos aliciados, é mais fácil percorrer milhares de quilômetros até os grandes centros consumidores com carregamentos milionários.
Em agosto, uma grande operação da PF no Paraná resultou no afastamento de 11 policiais rodoviários federais de suas funções, suspeitos de envolvimento em esquemas de facilitação ao contrabando às quadrilhas. Quatro foram presos. Um eles foi flagrado com R$ 400 mil em espécie.
Ocorre que nem sempre o foco está só no mercado do tabaco. “No meio das cargas que as facções levam com cigarros, não são raras as vezes que encontramos drogas, munições, armas. Uma coisa acaba facilitando a outra e, na rota dos cigarros, vão também os outros produtos que alimentam o crime”, destacou.
Smith explicou que o cigarro acaba sendo, nestes casos, uma vantagem operacional às quadrilhas. Além de se beneficiarem das estradas do contrabando, a capitalização do segmento vem acrescida das armas, das drogas e das munições que abastecem o crime organizado de todo o país.
“É mais vantajoso às facções esconderem drogas, armas e munições no meio de carregamentos. É muito comum isso acontecer no meio de cargas com produtos lícitos, mas há também as cargas ilegais como no caso dos cigarros. Assim, conseguem os rendimentos pelos dois crimes, pelo contrabando e pelo tráfico”, disse o delegado.
A PF estima que cerca de 20 grandes quadrilhas dominem o mercado do contrabando de cigarros na fronteira Brasil-Paraguai. Entre esses grupos estão estas facções criminosas que têm estrutura estabelecida no entorno. “Então uma pessoa que está fumando um cigarro ilegal, contrabandeado, está também financiando o crime organizado do tráfico de drogas, de armas, de munições”, alertou.
Quem atua no sistema de controle e fiscalização na região da fronteira está habituado à prática diária das apreensões, seja em veículos de passeio ou em carretas abarrotadas com o produto ilegal.
No Paraguai, no entanto, a produção desses cigarros é só mais uma atividade industrial e comercial legalizada. Ela passa a ser ilegal no momento em que entra no Brasil, com a sonegação de impostos. “Contrabando é o produto proibido de ser importado e o descaminho é a importação que não paga impostos”, descreve o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). Uma das principais famílias ligadas à produção do cigarro do lado de lá da fronteira é a do ex-presidente paraguaio Horacio Cartes.
Receita destrói R$ 2,5 milhões em cigarros ilegais por dia
A estimativa da Alfândega da Receita Federal em Foz do Iguaçu é que de 50% a 60% do volume que segue para destruição todos os dias foram apreendidos na região de Guaíra (PR) ou Mundo Novo (MS).
Em Foz do Iguaçu, onde existe uma estrutura destinada para a destruição do tabaco ilegal apreendido, diariamente há o esmagamento do equivalente a uma carreta carregada com cigarros, avaliada em cerca de R$ 2,5 milhões. São de 100 mil a 120 mil maços que passam pela trituração feita por uma equipe que varia de 12 a 15 profissionais, entre servidores públicos e terceirizados.
“Como a fiscalização é mais intensa na região de Foz do Iguaçu, muitas quadrilhas acabaram migrando para a região de Guaíra, Mundo Novo”, reconheceu a Receita Federal.
As gigantes quantidades do produto são inseridas na máquina quecomeçou a ser usada há quatro anos, a partir de um termo de cooperação entre a Receita Federal e a maior produtora de cigarros no Brasil, devidamente legalizada e que paga impostos em toda a cadeia.
A máquina faz a separação entre filtro, papel e plástico. Conta com esteira, faz a prensagem e a trituração. O plástico, o papel e o filtro seguem para um processo de reciclagem. O tabaco é triturado e depois incinerado. Desde 2002, a Alfândega da Receira de Foz do Iguaçu tem uma comissão denominada de destruição designada exclusivamente para esse serviço. “Temos trabalho todos os dias, inclusive nos feriados. Como o cigarro não fica estocado, conforme chega vai para a destruição”, esclareceu a Receita Federal.
De janeiro a junho deste ano foram apreendidos quase 91 milhões de maços de cigarro no Brasil, com valor comercial estimado em R$ 455,4 milhões. No ano passado inteiro foram 162,4 milhões de maços, totalizando R$ 815 milhões. “O maior volume de apreensões ocorre no Paraná e no Mato Grosso do Sul, na região da fronteira por onde estas cargas entram no Brasil”, informou a Receita Federal.
No vídeo abaixo, de divulgação da Receita Federal, o passo a passo do processo de destruição dos cigarros contrabandeados:
41% dos cigarros consumidos no Brasil são fruto de contrabando
Apesar do número surpreendente das apreensões do produto ilegal, o que acaba fugindo da fiscalização rende aos criminosos bilhões em lucro anual.
Dados do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) indicam que o custo anual com pirataria e contrabando no país é de cerca de R$ 410 bilhões. O cigarro é o grande destaque da lista.
O cigarro ilegal se mantém em primeiro lugar no ranking total de apreensões do Brasil, acima até de eletroeletrônicos, segundo relatório de 2022 da Receita Federal. "O levantamento mais recente do Instituto Ipec sobre o mercado ilegal de cigarros aponta que, em 2022, a ilegalidade respondeu por 41% de todos os cigarros consumidos no Brasil – sendo que 33% foram contrabandeados, principalmente, do Paraguai”, alerta a entidade.
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