Se em São Paulo a privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) deslanchou do modo planejado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), no estado mineiro os planos traçados por Romeu Zema (Novo) para a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) estão estagnados. Tanto Tarcísio quanto Zema elencaram a desestatização das respectivas estatais como prioridade de gestão.
Paralelamente, no Paraná, a Copel (Companhia Paranaense de Energia Elétrica) terá, em 2024, o primeiro ano da privatização, após a venda de ações do Governo do Paraná e dos títulos emitidos pela companhia na B3 (Bolsa de Valores de São Paulo), nos meses de agosto e setembro. O estado é comandado por Ratinho Junior (PSD), também adepto da política privatista.
Enquanto esses movimentos avançam, a possibilidade de privatização da Cemig está no aguardo do resultado da negociação do Regime de Recuperação Fiscal, pela qual Minas Gerais deve passar para negociar dívidas com a União.
A Cemig é a maior empresa de distribuição de energia do país, a segunda maior em transmissão e a sexta maior em geração de energia.
Entretanto, devido à má situação financeira do Governo de Minas, o estado não tem condições de investir na ampliação da estrutura energética, necessária para atender as demandas do setor produtivo. A privatização pode ser uma garantia desses investimentos e, consequentemente, da atração de novos negócios.
Um dos grandes entraves para a privatização da Cemig é a forte oposição dentro da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). No primeiro mandato de Zema, a relação entre os poderes Executivo e Legislativo foi extremamente conturbada, com frequentes rusgas entre integrantes do governo e o ex-presidente da ALMG, Agostinho Patrus (na época, PSD), hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
Neste segundo mandato, Zema sinalizou diversas vezes a disposição de ter uma relação mais amigável com os deputados e ser mais flexível nas negociações com a Casa. Entretanto, as condições para a privatização da Cemig ainda não são fáceis. Além do bloco de oposição, muitos deputados da base resistem a votar no projeto, acreditando que isso poderia gerar grande desgaste político.
Rumos da Cemig precisam passar por referendo popular
Outro dificultador é que, para avançar na privatização da Cemig, o governo precisa cumprir o que está estabelecido na Constituição de Minas Gerais, que é submeter a desestatização de empresa de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica a um referendo popular.
O caminho mais curto e menos desgastante seria aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para derrubar esse dispositivo constitucional. A Assembleia de Minas possui 77 deputados e são necessários 48 para aprovar a PEC. O governo Zema tem, em tese, dois blocos parlamentares que, somados, têm 57 deputados. Não há garantia que todos os deputados que se dizem integrantes da base aliada votariam esta matéria com o governo.
Em nota, a assessoria da base do governo na Assembleia de Minas informou que a prioridade no momento são os projetos de lei relacionados ao Regime de Recuperação Fiscal e ao teto de gastos, já que a principal preocupação do governo mineiro é deixar as contas em ordem e evitar repetir erros da gestão anterior, que registrou atrasos no pagamento de servidores e repasses aos municípios.
Críticas à rede elétrica se concentram em regiões mais distantes da capital mineira
Enquanto a privatização da Cemig não sai do papel, população e setor produtivo lidam com a realidade da prestação de um serviço complexo em um estado com a dimensão territorial de um país.
Segundo informações da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Minas Gerais (FCDL-MG), a má qualidade, demora em solução de problemas e alcance da rede elétrica afetam especialmente as regiões mais distantes da região metropolitana de Belo Horizonte. Em Arinos, região noroeste do estado, há uma reiterada queixa relacionada a quedas frequentes de energia, danos a equipamentos e à demora na normalização do fornecimento, que têm impactado diretamente os empreendedores e a dinâmica econômica local.
A federalização da Cemig, que foi mencionada como alternativa durante visita do governador à Brasília em novembro, teria sido uma proposta viável no governo anterior, visto que, em 2019, tanto a esfera federal quanto a estadual se apresentaram com viés liberal. Nessa modalidade, a desestatização propriamente dita pode ser vista como um acordo futuro, pois o que acontece inicialmente é a transferência de titularidade do governo estadual para a União. Em um cenário no qual as duas esferas se mostram a favor da venda de companhias para a iniciativa privada, a concretização da privatização de fato é mais realista.
Federalização é um caminho para a Cemig?
Henrique Reis, advogado especialista em regulação do setor elétrico, aponta que ter federalizado a companhia durante o governo Bolsonaro (PL) teria sido uma opção mais viável, pois evitaria o desgaste político que ocorre hoje entre o governo Zema e a ALMG. Questionado se essa proposta seria a mais viável hoje, com Lula no governo, Reis afirma que, se a intenção é privatizar, não seria uma boa ideia. “Acredito que não deveria ser feito, a menos que houvesse um compromisso já estabelecido, sendo parte de uma operação conjunta com a privatização. Essa era a proposta, então, se é para privatizar e evitar o referendo".
Reis lembra da relação conturbada entre os poderes em Minas e compara a situação com o Rio Grande do Sul, onde, apesar de o governador Eduardo Leite (PSDB) também não ter privatizado o Banrisul, a “joia da coroa” dos gaúchos, ao menos conseguiu acabar com a necessidade de plebiscito, forma de consulta popular prevista na constituição daquele estado. Após alterações na constituição do estado em 2019 e 2021, o Rio Grande do Sul chegou a efetivar a privatização, para o grupo equatorial, da concessionária de distribuição de energia elétrica CEEE-D, cuja área de concessão abrange cerca de 1/5 do território do estado.
Reis comenta que participou informalmente de algumas discussões acerca de possíveis arranjos para a privatização da Cemig no início do primeiro mandato de Zema e, consequentemente, da presidência de Bolsonaro. Segundo comenta, na época, pelo teor das discussões, era possível perceber que havia uma expectativa com a privatização que foi frustrada por diversos fatores.
“Havia uma grande ênfase na identidade de objetivos, especialmente com a ascensão de um governo eleito com esse discurso em âmbito federal. Paralelamente, no nível estadual, observava-se uma abordagem semelhante. O discurso deliberado de privatização era evidente, e o novo governo, até hoje, parece menos enfático nesse aspecto. Isso ocorre possivelmente porque o governante, como é o caso de Zema, está no cargo há bastante tempo, e, na prática, não conseguiu ou não quis implementar totalmente essa agenda", avalia.
Para o advogado especialista em regulação do setor elétrico, as razões para esse desfecho podem envolver diversos fatores, como questões políticas, jurídicas e as barreiras impostas pela constituição. "No entanto, é inegável que, na época, a proposta de privatização estava claramente presente e gerava expectativas, aproveitando o momento inicial do mandato, o que poderia ter tido resultados positivos para os defensores dessa abordagem”, pondera.
De acordo com o presidente da FCDL-MG, Frank Sinatra, o estado vive um contexto positivo de crescimento econômico, por isso precisa suprir uma demanda energética que, sozinho, não tem condições de atender. Ele ressalta que os argumentos contrários à privatização devem ser ouvidos, mas ressalta que governo pode atuar em caso de questões contrárias aos interesses da população.
“Existem preocupações válidas com a possibilidade de aumento das tarifas em caso de privatização, porém lembramos que são as agências reguladoras estatais que determinam os preços e reforçamos nossa confiança na razoabilidade e sensibilidade destas. É importante destacar que a solução para o problema deve estar acima de qualquer ideologia ou conflito político, tendo o desenvolvimento de Minas Gerais sempre em primeiro lugar”, afirma Sinatra, que acredita que todas as boas propostas devem ser estudadas e tratadas com a devida seriedade.
Em documento de 2021 divulgado pelo Programa Mineiro de Desestatização, foi feito um estudo pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) - datado de 2018 - que comparou o tempo médio sem energia por ano entre as distribuidoras públicas e privadas.
Enquanto as públicas deixaram a população com 25 horas sem energia no ano, as distribuidoras privadas somaram 10 horas.
No Índice Aneel de Satisfação do Consumidor, enquanto as notas das empresas privadas ficaram com média 68,3, as públicas ficaram com 62,7.
Recentemente, a região Sudeste do país foi afetada por fortes chuvas, que impactaram o sistema elétrico em várias cidades do estado. Em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, moradores do bairro Riacho das Pedras ficaram três dias sem energia após um forte temporal, no final do mês de outubro. Em 3 de dezembro, a cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, viveu um apagão por várias horas após forte chuva que atingiu a cidade.
Do outro lado, a Cemig vem divulgando dados promissores sobre investimentos futuros. Entre janeiro e setembro deste ano foram investidos R$ 3,3 bilhões. A empresa anunciou o novo plano de investimentos, que prevê mais R$ 42,2 bilhões até 2027, para melhorias no sistema de geração, transmissão e distribuição de energia.
RRF sem definição
Apontada como um dos entraves para a definição sobre a privatização da Cemig na Assembleia de Minas, a votação do projeto de lei 1.202/19, que autoriza a adesão do estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) vem sendo adiado sucessivamente. Em 7 de dezembro, o líder da maioria, deputado Carlos Henrique (Republicanos) defendeu que a pauta não fosse discutida, tendo em vista as negociações que têm acontecido em Brasília, buscando outras soluções para a dívida de Minas Gerais.
Os deputados precisam decidir a pauta até dia 20 de dezembro, prazo final colocado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para conclusão de sua adesão ao RRF. O STF analisa proposta da Advocacia Geral do Estado (AGE-MG) e da Procuradoria Geral da ALMG de prorrogação por mais 120 dias do prazo de carência da dívida, que é de R$156,57 bilhões.
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