Apreciado de norte a sul do país, o queijo mineiro é parte da identidade local. A particularidade do queijo artesanal da Canastra, tipo conhecido e premiado internacionalmente, é o título de patrimônio do estado. O modo artesanal de fazer o queijo em Minas Gerais é tão reconhecido e fundamental para a economia que o produto foi registrado como Patrimônio Cultural e Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O Queijo Minas Artesanal (QMA) é produzido em todo o estado, mas existem 10 microrregiões caracterizadas como produtoras: Araxá, Campo das Vertentes, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Salitre, Ibitipoca, Serro, Triângulo Mineiro e a mais famosa delas, Canastra. De acordo com o Sindicato da Indústria de Laticínios de Minas Gerais (Silemg), em 2020, o Brasil produziu 1,2 milhão de tonelada de queijo. Minas Gerais foi responsável por cerca de 40% desse volume, com 480 mil toneladas.
Barreiras econômicas e sanitárias dificultavam a comercialização do produto fora de Minas Gerais até o começo dos anos 2000. Mudanças importantes na legislação brasileira e mineira vêm sendo feitas para melhorar o ambiente de negócios no setor.
A exportação de queijo artesanal é uma atividade econômica em expansão em todo o país, que alcançou uma receita de US$ 76 milhões. O principal destino foram os Estados Unidos, que importou 30,2% de todo o queijo brasileiro exportado em 2020, ano com dados mais recentes disponíveis sobre a atividade.
Queijo premiado foi escondido na mala para a França
Estima-se que o queijo canastra seja produzido na região da Serra da Canastra, que fica com centro-oeste mineiro, há mais de 200 anos. Apesar da tradição e do volume produzido, a portaria 694/2004 do Instituto Mineiro de Agropecuária delimita que só pode ser considerado um legítimo canastra se for produzido em sete cidades da região: Medeiros, Bambuí, São Roque de Minas, Vargem Bonita, Tapiraí, Delfinópolis e Piumhi.
O queijo canastra é famoso por possuir um sabor forte e característico, e uma textura leve, porém macia, com certa umidade. Após o processo de cura, fica uma casca amarelada e lisa. Vários queijos da região foram premiados em concursos internacionais, e um caso ganhou notoriedade em 2019, quando produtores da região da Canastra foram premiados no Mondial du Fromage, na França após terem levado os queijos que participaram do concurso escondido nas malas, já que as legislações brasileira e da União Europeia colocavam empecilhos no transporte desse tipo de produto. Por ser feito com leite cru, havia uma série de restrições que dificultavam a venda do queijo fora do seu local de produção. Do outro lado, grandes especialidades de queijos franceses premiados e enaltecidos mundo afora são feitos do mesmo modo, com leite cru.
O produtor rural e vice-presidente da Associação Mineira dos Produtores de Queijo Artesanal (Amiqueijo), João Carlos Leite, conta que cresceu ouvindo histórias de pessoas que tiveram seus produtos confiscados e proibidos de serem vendidos. “As pessoas não tinham ideia do motivo da ilegalidade. ‘Ilegal por quê’? ‘Porque a lei proíbe’. ‘Mas por que a lei proíbe’? ‘Sei lá’.”
Leite, que é também o fundador da Associação dos Produtores de Queijo Canastra (Aprocan), conta que, quando foi estudar, primeiro no Colégio Agrícola de Bambuí (atual Instituto Federal) e depois no curso de agronomia da Universidade Federal de Lavras, ouvia dos professores que o queijo da canastra era “um risco à saúde pública”. Naquela época, a legislação vigente dificultava o trabalho dos produtores de queijo além da sua comercialização, impondo restrições que não condiziam com a realidade da produção.
O decreto 30.691/1952 praticamente inviabilizava a produção de queijo com leite cru em território nacional, pois exigia que o leite usado no queijo deveria passar por um processo de pasteurização antes da coagulação, o que altera as características do leite, e, consequentemente, do queijo. Esse discurso era reforçado nas salas de cursos técnicos e superiores da época. Após se formar e voltar para trabalhar como agrônomo em São Roque de Minas, Leite lembra de como os produtores eram marginalizados “Nós éramos tratados pela mídia como produtores de droga.”
A virada de chave que transformou um produto que estava praticamente na clandestinidade para um produto desejado em todo o mundo começou com a liquidação da Minas Caixa, banco estatal do governo de Minas Gerais que deixou de existir no início da década de 1990.
Como em São Roque de Minas não havia outros bancos, Leite decidiu criar uma cooperativa de crédito para ajudar os produtores. Com o crescimento do empreendimento, a Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg) convidou Leite para conhecer as cooperativas de crédito na Europa. Nessa viagem, durante uma visita à Galeria Lafayette, em Paris, viu vários queijos com embalagens dizendo que eram feitos com leite cru. “Como um lugar rico e sofisticado desse, mais chique do mundo, pode fazer queijo com leite cru e vender e o Brasil não pode? Eu aprendi que no Brasil (o queijo) era proibido porque era um risco sanitário e por que na Europa não era um risco sanitário?”, conta ele, que a partir daí, decidiu buscar as respostas e caminhos para a valorização do produto de sua terra natal.
No mesmo período, com o apoio do então secretário de estado de Agricultura de Minas Gerais e ex-ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, nasceu um programa de qualificação dos queijos artesanais, em convênio entre a embaixada da França e o Ministério da Agricultura, para trazer produtores de queijo e professores da França para a Serra da Canastra. A ideia era que, com a transferência de conhecimento e tecnologia, houvesse um aumento tanto na qualidade quanto na quantidade produzida. Paulinelli, falecido este ano, era natural de Bambuí e um grande entusiasta do desenvolvimento tecnológico da agricultura. Outras duas regiões mineiras produtoras de queijo também se beneficiaram deste intercâmbio: Serra do Salitre e Serro.
As informações trazidas pelos franceses ajudaram a pensar uma nova legislação e assim foi criada em Minas Gerais a lei estadual 14.185/2002, que trazia orientações importantes para garantir a produção de um queijo com lei cru feito com qualidade e livre de contaminação, tais como o uso de água potável e do leite de gado livre de zoonoses, e uma localização que impeça a entrada de animais dentro ou nas proximidades da queijaria, tendo uma separação entre as áreas de recepção e armazenagem do leite, fabricação, maturação e embalagem do queijo.
Esta lei estadual sofreu algumas modificações que tiveram como objetivo a facilitação da vida do produtor, mas ainda há alguns entraves para a expansão do mercado, como a diferença entre as leis estaduais, que podem dificultar os critérios para a entrada do queijo em outras regiões do país. Um dos casos emblemáticos que demonstra essa dificuldade foi o da chef Roberta Sudbrack, que teve 100 quilos de queijo apreendidos durante o Rock in Rio de 2017. A proposta da chef era oferecer cachorro-quente feito com produtos artesanais brasileiros (queijo, salsicha, linguiça), mas a apreensão foi feita pela Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro, por não ter selo de inspeção sanitária.
Com mudanças na legislação, produtores de queijo vencem barreiras para ampliar o mercado
Uma tentativa de melhoria desse ambiente foi a regulamentação dos Selos Arte e Queijo Artesanal durante o governo Bolsonaro, no decreto 11.099/2022, que assegura que o produtor adota boas práticas e passou por fiscalização dos órgãos de defesa sanitária animal e de vigilância sanitárias, o que melhora a recepção do produto e pode facilitar a venda em outras regiões.
O governo de Minas e a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais) criaram o Programa Queijo Minas Artesanal, focado na melhoria do ambiente de negócios, especialmente para os pequenos produtores, com objetivo de aprimorar a qualidade do produto. A Emater atua orientando produtores em boas práticas agropecuárias, incentivando a regularização sanitária, capacitando produtores e técnicos. A ideia é que, por meio dessa organização, os produtos tenham maior valor agregado, o que aumentaria suas vendas e impactaria positivamente a qualidade de vida das famílias envolvidas.
Apesar dos avanços da legislação, as dificuldades pelas quais o produtor passa ainda são evidentes. Reginaldo Miranda, produtor de queijo da comunidade Pimenteiras, na cidade de Medeiros, diz que quem pode acompanhar as normas se beneficiou, mas ainda há muita burocracia que afasta os pequenos produtores. “Eu achei que foi bom e sigo. Sei que meu produto está indo com garantia para o consumidor. Mas a realidade aqui da minha região é outra. Tem produtores aí que é 2, 3, 10 queijos e o registro fica muito caro, muito custo. Eu acho que a legislação tem que mudar muito ainda, pra que mais produtores se adequem ao registro do queijo para trabalhar com produto de qualidade”.
Miranda, que é da quarta geração de produtores de queijo da família e aprendeu a fazer queijo com o pai, aos oito anos, conta que o registro é uma forma de ganhar mercado e melhorar os negócios. “Em 1996 eu tinha 4 vacas e produzia 2 queijos. Hoje eu tenho registro no SIF e meu queijo é conhecido no Brasil inteiro. Procuro seguir todas as normas. Tive que investir, mas o retorno é garantido”, comenta o produtor, que espera que sua família siga na produção de queijo. “É o que eu sei fazer, o que eu gosto de fazer. Tenho dois filhos que me ajudam e acredito que nós vamos chegar na quinta geração, se Deus quiser”.
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