Reconhecimento facial avança como ferramenta de segurança
Sala de videomonitoramento na cidade de São Paulo.| Foto: Edson Lopes Jr./Prefeitura de São Paulo
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Na madrugada da terça-feira do último carnaval (4 de março), um homem participava do bloco “As Kuviteiras” no circuito Osmar, em Salvador, quando envolveu-se em uma briga, sacou uma arma de fogo e disparou diversas vezes. Na confusão, ele atingiu três mulheres, que foram socorridas e passam bem, e conseguiu fugir. A identidade dele não foi descoberta pela polícia na hora, mas seu rosto foi flagrado por uma das câmeras com sistema de reconhecimento facial na hora do tiroteio e entrou para o banco de dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia com um alerta de “procurado”, após a Justiça deferir um pedido de prisão para ele. 

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Uma semana depois, o suspeito foi preso de surpresa pela Polícia Militar no Subúrbio Ferroviário da capital baiana, após ser flagrado por outra câmera com sistema de reconhecimento facial instalada na rua - ele não teve a identidade divulgada pela polícia. Nas capitais e mesmo em cidades pequenas do país, a tecnologia de reconhecimento facial avança com diversas prisões, apoio da população e, também, polêmicas.

Segundo mapeamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), existem pelo menos 364 municípios brasileiros que contam com câmeras com sistema de reconhecimento facial espalhadas pelas ruas. São 82 milhões de pessoas vigiadas com ajuda da tecnologia, nem sempre de forma transparente. 

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Nas capitais e mesmo em cidades pequenas do país, a tecnologia de reconhecimento facial avança com prisões, apoio da população e, também, polêmicas.

O último feriado de carnaval evidenciou a tecnologia das câmeras com sistema de reconhecimento facial, enaltecida pela divulgação dos governos como forma de dar resposta à sociedade em casos de criminalidade. As capitais que recebem as principais festas de carnaval do Brasil – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife – possuem a tecnologia e contabilizam milhares de prisões de criminosos procurados com seu uso, revela levantamento feito pela reportagem da Gazeta do Povo.

São Paulo lidera o ranking com a localização e prisão de 809 foragidos da Justiça desde julho de 2024, quando as câmeras começaram a ser instaladas. A prefeitura diz também que, até o dia 10 de março, outras 47 pessoas desaparecidas foram encontradas e 2mil prisões em flagrante efetuadas com o auxílio das câmeras. 

No Rio de Janeiro, a Secretaria da Segurança Pública afirma que são mais de 500 foragidos presos desde o Ano Novo de 2023, quando o sistema de reconhecimento facial foi inaugurado. Na capital mineira, o sistema de reconhecimento facial foi usado em fase de testes no carnaval e, segundo o governo de Minas Gerais, o objetivo é adotá-lo como parte das ferramentas de segurança no estado. Ao todo, 72 foragidos da Justiça foram presos em Belo Horizonte.

Em Salvador, a pasta da Segurança informa que a PM capturou 364 foragidos de janeiro até o início deste mês. No Recife, o uso da tecnologia ainda é incipiente, tendo sido utilizado pontualmente em grandes eventos públicos no ano passado. No último carnaval, cinco foragidos foram presos com reconhecimento facial. Segundo o governo do estado, para 2025 há a promessa de instalção de 2 mil câmeras de videomonitoramento em todos os municípios da Região Metropolitana da capital e em alguns localizados no interior, como Caruaru, no Agreste, e Petrolina, no Sertão.

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Câmeras em São Paulo passaram por adequações sobre a maneira de fazer o reconhecimento facial

Na cidade de São Paulo, a Defensoria Pública chegou a enviar um ofício para a prefeitura solicitando que a tecnologia não fosse utilizada durante o carnaval, sob a alegação de suposto mau uso no tratamento dos dados coletados pelo equipamento. “É um verdadeiro absurdo, um verdadeiro absurdo", reagiu o prefeito Ricardo Nunes (MDB), antes de ignorar o pedido.

“Eu, sinceramente, gostaria - acho que toda a sociedade gostaria - de entender o porquê dessas defensoras de fazer uma ação que vai fazer com que a população fique privada de uma tecnologia que está auxiliando na sua segurança", respondeu o prefeito.

Segundo a prefeitura de São Paulo, foram espalhadas pelas ruas da cidade mais de 23 mil câmeras com reconhecimento facial desde 2024, quando o programa começou a ser implantado. No ofício enviado à prefeitura, a Defensoria Pública ainda pedia que o Smart Sampa - como foi denominado o sistema de videomonitoramento pela gestão municipal - tenha um sistema de controle "transparente e auditável de todas as decisões sobre o uso da tecnologia", para evitar abusos e vazamentos de informações confidenciais dos cidadãos. A prefeitura diz que o programa respeita a privacidade das pessoas e regras vigentes, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

De acordo com a prefeitura de São Paulo, foram espalhadas pelas ruas da cidade mais de 23 mil câmeras com reconhecimento facial desde 2024.| Foto: Marcelo Pereira/Prefeitura de São Paulo

Desde que foi anunciado, em 2022, o Smart Sampa é alvo de diversos questionamentos, incluindo os feitos pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). O primeiro edital do projeto exigia que as câmeras a serem instaladas e integradas na cidade fizessem o reconhecimento facial e a identificação de características físicas, como a cor de pele, e foi modificado depois de críticas.

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O contrato de R$ 588 milhões para implantar o sistema foi assinado com o Consórcio Smart City SP, terceiro colocado na licitação. A justiça chegou a suspender a contratação, que foi investigada e é acompanhada pelos Ministérios Públicos estadual e federal.

Os sócios da empresa líder do consórcio vencedor tiveram nos últimos anos o nome envolvido em denúncias, a maior parte relacionada a fraudes em licitações milionárias, inclusive na prefeitura de São Paulo. Tanto a prefeitura quanto a empresa negam qualquer irregularidade.

Uso da tecnologia é considerado um avanço, mas exige cuidados 

Para o advogado Fernando Capano, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) especializado em Direito Militar e Segurança Pública, o uso do reconhecimento facial nas ruas brasileiras é positivo, mas enseja cuidados e preocupações. “Se a gente partir do princípio que a tecnologia é usada apenas para localizar pessoas desaparecidas e com mandado de prisão em aberto, é do interesse da sociedade que isso seja feito e trata-se de uma ferramenta fantástica”, avalia.

Ele pontua a necessidade de um firme controle sobre o uso da ferramenta. "É fundamental que os gestores criem mecanismos para não desrespeitar a LGPD e manter o controle para evitar abusos no uso. Não pode ser usado para abordar ou seguir pessoas indiscriminadamente na rua.”

O especialista acredita que o futuro da segurança pública está entremeado com o uso de tecnologias inteligentes, como o reconhecimento facial, mas acrescenta que isso não basta. “As ferramentas tecnológicas são fundamentais, mas o combate ao crime depende ainda principalmente do policial, de quem está usando essa tecnologia", diz Capano. “É uma novidade fantástica, desde que usada observando a LGPD e a Constituição, esses são os limites legais de qualquer tecnologia", afirma.

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Das capitais aos rincões 

Controvérsias à parte, uma pesquisa Datafolha encomendada pela prefeitura de São Paulo no feriado de carnaval mostra que 9 entre cada 10 pessoas entrevistadas aprovam o uso de câmeras com reconhecimento facial. Com o apoio da população, é natural que os gestores públicos tentem capitalizar politicamente o reconhecimento facial. Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes até inaugurou neste ano no Centro da cidade o “prisômetro”, uma espécie de totem com monitores de LED que atualiza em tempo real o número de prisões realizadas na capital paulista por meio do sistema Smart Sampa.

Com o apoio da população, é natural que os gestores públicos tentem capitalizar politicamente o reconhecimento facial.

Com a popularização, o reconhecimento facial não está restrito apenas às grandes capitais brasileiras. Em cidades pequenas, a tecnologia também é cada vez mais presente. Em Goiás, pelo menos 130 dos 246 municípios já contavam com câmeras de reconhecimento facial em 2023.

Bonópolis, cidade de 4,5 mil habitantes a 455 quilômetros de Goiânia, por exemplo, conta com um moderno sistema de videomonitoramento com câmeras do tipo speed dome de última geração, espalhadas por pontos estratégicos. As câmeras e a central de monitoramento foram instaladas no final de 2021.

Em Campestre de Goiás, a 54 quilômetros de Goiânia, também chama atenção o sistema de câmeras de videomonitoramento com leitura de placas de veículos, reconhecimento facial com alertas em tempo real, contagem de pessoas, mapa de calor, rastreamento de alvos, identificação de objetos como mochilas abandonados em espaços públicos, visão noturna e sensores de movimento em uma cidade com pouco mais de 3,3 mil habitantes.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]