Reduto de obras de alargamento de praias no Brasil, Santa Catarina já fez sete intervenções do tipo. Nos últimos quatro anos foram três aterros que, juntos, somaram investimento de R$ 96,1 milhões. E não para por aí: outras cinco obras estão em fase inicial ou com projeto em análise e vão movimentar ao menos R$ 368,3 milhões. Essas alterações nos balneários dão uma sobrevida às faixas de areias, para receber ainda mais turistas e comerciantes, mas têm prazo de validade e exigem novas ações, com custos elevados. Veja, abaixo, a lista de praias que passaram pelo processo no Brasil.
As praias catarinenses foram perdendo espaço devido à erosão - o déficit de sedimentos - provocada por ondas, marés e correntes marítimas. No entanto, esse processo foi intensificado pela ocupação de áreas muito próximas às praias, como as dunas, e por mudanças climáticas, que elevaram o nível do mar. Com o alargamento da faixa de areia, o que está gerando erosão nas praias não está sendo atacado, e vai continuar. "Porém está se dando uma sobrevida (à faixa de areia)”, analisa o coordenador da pós-graduação em Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Pedro de Souza Pereira.
Como a erosão se intensifica em praias alteradas, novas intervenções são necessárias nos mesmos locais. “Os planos de aterros predizem que a obra em si duraria em torno de 10 anos, mas em cinco anos já deveria ser feita manutenção”, explica o professor Paulo Pagliosa, do Núcleo dos Estudos do Mar da UFSC. “O custo é muito alto pensando no tempo que a obra dura”, pontua.
O professor de botânica da UFSC Paulo Horta acrescenta que “a elevação do nível do mar não vai parar, nem a intensificação das mudanças climáticas, e com isso diminui a vida útil dos projetos de engordamento”. Já Pereira pondera que toda obra precisa de manutenção - não é definitiva.
Balneário Camboriú, o caso mais famoso de alargamento em Santa Catarina, passará por nova intervenção três anos após a finalização do engordamento da praia, que custou R$ 66,8 milhões, provenientes de empréstimo do Banco do Brasil.
Logo após a obra, a faixa de areia da Praia Central chegou a 180 metros, mas foi sendo reduzida com os processos de erosão, alcançando 110 metros em alguns pontos. No entanto, em média, a praia estabilizou em 70 metros. Essa perda de sedimentos era prevista no projeto e, para evitar avanço do mar, um novo aterro será realizado no valor de R$ 3,5 milhões. Segundo a prefeitura, a obra ainda depende do licenciamento ambiental para começar. A previsão é de que os trabalhos sejam realizados em três meses.
Geralmente, os alargamentos são feitos com uma margem de segurança, que inclui cerca de 20 metros a mais de faixa de areia, porque parte do material “se perde” no processo de estabilização da praia. Além disso, a camada de sedimento pode ser removida pela primeira passagem de frente fria.
Outro caso de redução precoce da faixa de areia foi nos Ingleses, em Florianópolis. Em setembro de 2023, lembra o professor Pagliosa, parte da praia que sofreu alargamento estava com apenas 10 metros de faixa de areia. “Meses depois da finalização, todo aterro foi levado embora. Não é na praia inteira, mas em alguns pontos”, explica. A prefeitura informa que a redução da faixa se trata de um processo natural por conta da ação das marés, e acrescenta que faz monitoramento ambiental técnico nas praias alargadas "para que novos serviços sejam planejados".
O aterro dos Ingleses foi finalizado em março do ano passado, com faixa de areia estabilizando em 35 metros. O valor da intervenção foi de R$ 18,84 milhões. Outra particularidade da praia é que, com as chuvas, uma espécie de “rio” se formou na parte engordada da praia dos Ingleses. “É um buraco de dois metros de altura por 10 metros de largura”, relata o Pagliosa. A prefeitura diz que, antes mesmo da obra, as drenagens da região escoavam para o mar, causando naturalmente canais abertos na areia.
Já Balneário Piçarras, cidade que inaugurou os alargamentos em Santa Catarina, em 1998, está indo para sua quarta obra de engorda. O projeto, que aguarda o Licenciamento Ambiental de Instalação (LAI), prevê movimentar 383 mil metros cúbicos (m³) de areia, com investimento previsto de R$ 16,5 milhões. Ainda não há data para iniciar as obras. Nas outras três intervenções, a cidade mobilizou 2,1 milhões de m³ de sedimentos.
Apesar da popularidade dessas obras, especialistas defendem a necessidade de resolver a falta de areia olhando para onde o problema nasceu. “Temos que rever a ocupação costeira e os planejamentos das nossas cidades”, ressalta Horta. “A erosão em si é um processo natural, só que quando a ocupação é feita de forma desordenada ou muito próxima da praia, esse processo é intensificado ou sofre interferência e aí existe problema”, complementa Pereira.
Os especialistas explicam que não seria necessário o alargamento se prédios e outros imóveis não fossem construídos tão próximos às praias e respeitassem distância de ao menos 200 metros. “O tal do pé da areia é péssimo. Ele existe à base do ecossistema praial”, diz Pereira. Apesar disso, ele entende que o alargamento “é uma excelente opção”, considerando as outras medidas já adotadas no Brasil, como a colocação de rochas nas praias.
Essa visão, no entanto, divide opiniões. Pagliosa defende um olhar mais amplo para a falta de areia e com solução considerada mais adaptativa. “Inclusive, colocando na discussão a remoção de estruturas próximas à linha de praia. Se tenho estruturas que estão em perigo por causa da praia, defendemos que é mais viável remover a estrutura, ao invés de criar terra dentro do mar”, afirma.
Horta advoga por ações com "soluções baseadas na natureza", como a restauração de ecossistemas costeiros que antes proporcionaram a retroalimentação de sedimentos e a reintrodução de barreiras naturais. "Isso tudo bem discutido e planejado com a ciência pode ajudar a ter projetos mais resilientes".
Por que Santa Catarina faz tantas obras de alargamento em praias?
Segundo levantamento do professor Pedro Pereira, Santa Catarina é o estado que mais realizou obras de alargamento de praias no país. Foram três intervenções em Balneário Piçarras, duas em Florianópolis (nas praias de Canasvieiras e Ingleses), uma em Balneário Camboriú e uma em Barra Velha.
Santa Catarina tem ainda cinco obras previstas nas praias: em Balneário Piçarras, Itapoá (que deve ser a maior do Brasil, desbancando Matinhos, no Paraná, e uma das maiores do mundo), Navegantes, Barra Velha e Jurerê, na capital, que começou no fim de janeiro. As novas obras terão investimento de R$ 368,3 milhões, valor que supera em mais de duas vezes o orçamento destinado pelo governo do estado para as áreas de Cultura, Turismo e Esporte (R$ 160,3 milhões) e sete vezes maior do que o valor que será aplicado para o desenvolvimento econômico (R$ 51 milhões). O segundo estado com mais obras do tipo é o Espírito Santo, que realizou três intervenções e se prepara para uma quarta.
Mas por que Santa Catarina faz tantas obras de alargamento? “Qual a galinha de ovos de ouro do estado? As praias. Então, o estado explora isso, tendo em vista manter o turismo e não perder para a erosão. Então essa opção (do engordamento) é mais do que normal”, explica Pereira.
O professor Horta, no entanto, defende que se olhe para os projetos de engordamento não apenas pensando no comércio de praia, mas nas perspectivas de saúde pública e questão sanitária. Ele explica que o processo de alargamento muda o perfil da praia e, com isso, altera a segurança dos banhistas, podendo influenciar em afogamentos. E cita, ainda, a epidemia de diarreia que ocorreu nas praias do norte de Florianópolis na temporada 2022-2023. “É quase impossível não fazer relação do alargamento com a carência de balneabilidade”, aponta.
A praia de Canasvieiras, no norte de Florianópolis, é uma das mais procuradas por turistas durante a temporada, e teve esse processo de intervenção. Preferida dos argentinos, que a transformam em uma "mini Buenos Aires" no verão, Canasvieiras passou por alargamento em 2020 e viu a faixa de areia, que antes variava entre um e cinco metros, chegar a 50 metros. A obra, que custou mais de R$ 10,5 milhões, dragou do fundo do mar cerca 400 mil metros cúbicos de sedimentos que foram transportados para a beira da praia, ampliando o espaço para turistas.
Durante esse processo, parte da areia adicionada em Canasvieiras se deslocou para a praia de Canajurê, que teve faixa de areia ampliada mesmo sem obra. Isso mostra como o litoral é interligado e, por isso, especialistas defendem que estudos sejam realizados antes das obras para entender o impacto, não apenas na praia alvo, mas na região que ela compõe. “O projeto de Canasvieiras não só teve impactos ambientais como produziu impacto nas praias vizinhas, porque acabou inviabilizando trapiche de Canajurê, que inviabiliza uma série de atividades econômicas do turismo náutico”, pontua Horta.
A obra de Canasvieiras, por mobilizar menos de 500 mil metros cúbicos de areia, foi classificada como de médio porte, de acordo com resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), de 2017. Por isso, para que a obra conseguisse licenciamento ambiental foi necessário apenas um estudo ambiental simplificado, com abrangência limitada na área que sofreu influência direta da intervenção.
Em nota técnica emitida em outubro do ano passado, professores da UFSC, entre eles Horta e Pagliosa, defendem que todas as dragagens que mobilizem mais de 100 mil m³ de sedimento deveriam ser consideradas de grande porte, por “ser uma atividade com efeitos regional (não apenas local) e potencialmente causadora de significativa alteração ambiental”.
Das obras catarinenses recentes, a única que ficou acima dos 500 mil metros cúbicos e que passou por um estudo de impacto ambiental completo foi a de Balneário Camboriú. “Todos os outros ficam na faixa dos 350 aos 490 metros cúbicos. Parece que estão calculados para cair nessa faixa abaixo dos 500 mil metros cúbicos para que não haja necessidade do estudo de impacto ambiental completo”, analisa Pagliosa.
É também Balneário Camboriú que tem “um princípio” de restauração ambiental, “mas nada comparado ao que era o projeto que a prefeitura apresentou, com a proposta de resgatar a duna embrionária da praia”, diz o professor do Núcleo dos Estudos do Mar da UFSC.
A licença ambiental da obra exigia início imediato de produção de mudas para que estivessem disponíveis quando ocorresse a formação das dunas. As plantas são importantes para o desenvolvimento dunar. Os professores que assinam a nota técnica foram até o local em outubro de 2023 e informaram que “não foi observada uma área mais elevada na porção mais superior da praia para a formação das dunas embrionárias. Na porção sul da praia foram observadas 15 áreas cercadas onde há plantio de vegetação e placas indicativas da atividade [...] menor que a área relatada na licença ambiental”.
O Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina diz, no entanto, que a cidade “tem cumprido integralmente os programas de monitoramento no período estipulado nas licenças ambientais”.
Na obra de Canasvieiras, a Licença Ambiental de Instalação, de agosto de 2019, previa início imediato de produção de mudas e coletas de semente, plântulas e propágulos das espécies vegetais na mesma praia ou em praias vizinhas, como parte do programa de recuperação de áreas degradadas, o que não foi iniciado até 19 de setembro de 2023, segundo nota técnica da UFSC. O IMA diz que, desde o fim das obras, foram realizados cinco levantamentos no local, que resultaram em dois autos de infração para a prefeitura de Florianópolis.
Nos Ingleses, a Licença Ambiental de Instalação prevê formação de duna, recuperação da restinga praial em toda a extensão do aterro, placas indicando a recuperação ambiental e explicando a importância da restinga. O documento cita ainda a necessidade de início imediato da coleta de sementes, plântulas e proágulos, com plantio devendo ser realizado concomitante com a obra do aterro.
Em visita à praia em setembro de 2023, os professores observaram que "a maior parte da areia depositada para formação da duna está bastante reduzida, uma vez que aparece apenas como uma depressão mais elevada", entre outros pontos. O IMA informou que, após o término das obras, foram realizados dois levantamentos no local que resultaram em um auto de infração para a prefeitura.
Alargamento de praias tem impactos ambientais
O impacto ambiental das obras de alargamento deve ser dividido em dois momentos: quando se retiram os sedimentos do mar e quando se deposita a areia na praia, segundo os especialistas.
Na primeira etapa da intervenção, que consiste na dragagem de sedimentos, ocorre também a remoção da fauna e da vida marinha. Esse processo acaba levantando outros tipos de materiais, que podem afetar os organismos que vivem naquela coluna de água, como peixes e algas. Outro ponto, ressalta Horta, é que no fundo marinho tem uma série de substâncias, entre elas as que formam a maré vermelha, que pode ser poluente e prejudicial para a saúde dos ambientes e das pessoas.
Tem impacto sonoro do trabalho da draga, aponta Pagliosa, que afeta o comportamento de mamíferos aquáticos, peixes e aves. O professor explica que há regulamentação específica nesse tipo de trabalho e que, quando esses organismos são avistados próximos da draga, é necessário parar o equipamento.
No segundo momento, a areia que é depositada na praia soterra e mata os organismos que vivem ali. “A gente precisa entender que as praias não são só areia, tem bichinho e plantinha, fundamentais para equilíbrio do sistema costeiro”, explica Horta.
Além disso, a dragagem acaba importando outros materiais. Em Balneário Camboriú, no primeiro mês apareceram conchas (que são moluscos da classe bivalves), organismos vivos que morreram na areia.
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