A fumaça se espalhou pelo Brasil nas últimas semanas e, nas grandes cidades, as pessoas viram o céu encoberto, sentiram o cheiro da queimada e a sensação do ar pesado, além de terem sofrido problemas respiratórios por causa da qualidade do ar despencando. E o alerta soou: a mudança do clima tornou mais intensa a temporada de queimadas nas florestas de todo o país, assim como a dificuldade de conter o fogo.
Este ano, as chamas já consumiram 40,2 milhões de hectares (ha) de florestas, campos e pastos brasileiros, lançando na atmosfera gases poluentes como o gás carbônico (CO₂). Em nove meses, a contagem supera, em muito, a média anual da última década (de 31 milhões ha queimados). No Paraná, de janeiro a 22 de setembro de 2024, foram 11.927, mil focos registrados, mais que o dobro dos 5.597 registrados nos 12 meses de 2023.
A situação demonstra que, daqui para frente, será preciso mais que bombeiros, água, abafadores e terra para apagar o fogo. Mais que boas estratégias para combater os incêndios, será preciso localizar cada vez mais cedo os sinais de fumaça e melhorar a capacidade de predição dos locais mais críticos onde as chamas podem começar.
Entra em cena um verdadeiro arsenal de tecnologias para monitoramento de grandes áreas de matas e florestas, criadas por startups e empresas que têm seus serviços já em uso principalmente na silvicultura, que têm no plantio e replantio de árvores a base de seus negócios.
Os recursos vão desde câmeras de vídeo, passando por satélites da Nasa, até o uso de inteligência artificial (IA). Sensores a laser, drones, centrais de operação, sensoriamento remoto também entram nas novas batalhas contra os incêndios florestais para detectar uma suspeita de combustão em menos tempo e indicar a estratégia de contenção das chamas mais efetiva.
Monitoramento 24 horas para reprimir incêndios florestais
A empresa paranaense Klabin, maior produtora e exportadora de papéis do país, por exemplo, investe permanentemente na prevenção de queimadas com um avançado sistema de monitoramento, com 18 câmeras dispostas por suas áreas de plantio e interligadas a uma sala de comando.
Os equipamentos registram imagens em tempo real, 24 horas. Instaladas em torres de 60 e 65 metros de altura, têm alcance de até 40 quilômetros, cobrindo 487 mil ha em florestas plantadas e 203 mil ha em áreas de conservação. Com uma média de 59 focos registrados por ano, as empresa ajuda a conter o fogo além de suas áreas.
“Combatemos incêndios florestais em nossas propriedades e em áreas próximas, com equipes próprias e com apoio do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil", conta o coordenador de Proteção Patrimonial Florestal da Klabin, Carlos Cesar Santos.
Climate techs em ação contra os incêndios florestais
A criação de soluções tecnológicas contra o fogo nas florestas gerou novos negócios, capitaneados por startups voltadas às condições climáticas, as “climate techs”, que prestam serviços às empresas de florestas de plantio, governos e instituições de proteção das matas. Em geral, usam tecnologias para obter e combinar informações de diferentes fontes, resultando em indicadores cada vez mais precisos e rápidos em encontrar onde há indício de fumaça.
“Temos um mix de inteligências e tecnologias atuando simultaneamente neste desafio. Em vez de as chamas atingirem 100% de determinadas áreas, podemos reduzir para 50% ou menos”, avalia o diretor executivo da Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (Apre), Ailson Loper.
A climate tech umgrauemeio, de Jundiaí (SP), está entre as pioneiras na identificação e preservação de riscos florestais e agrícolas no Brasil e tem dados animadores: estima que a contribuição da tecnologia para reduzir em até 90% das perdas. Gil Pesch, co-fundador e diretor-executivo da Quiron, startup de Lages (SC), vai além: afirma que é possível chegar a zero incêndios, combinando as tecnologias digitais de monitoramento.
“Estamos derrubando o mito de que ‘fogo não respeita porteira’. Neste ano, mesmo com tempo mais seco e mais focos de queimadas, nossos clientes não tiveram incêndios de grande intensidade. Isso foi possível em alguns casos que trabalhamos, com o usuário da ferramenta antecipando situações de risco e trabalhando preventivamente”, destaca.
Uma pantera com IA
A umgrauemeio monitora 17 milhões ha – dentro e fora do Brasil – de florestas nativas e áreas de agricultura com sua plataforma de inteligência artificial, a Pantera, que conta com um algoritmo alimentado por mais de 10 mil imagens de 138 câmeras de vídeo.
Foi assim que a ferramenta aprendeu a identificar pontos de fumaça nas imagens em tempo real, para que analistas aproximem o frame e identifiquem melhor a localização para acionar as equipes de campo.
Em 2022, a Pantera começou a monitorar, em 11 câmeras, os 300 mil ha do Parque Nacional do Pantanal, resultando em apenas 5% da área incendiada. Bem menos que os 90% de área tomada pelo fogo, dois anos antes. “Também utilizamos a IA e análise de dados em outros módulos da nossa plataforma, trabalhamos com índice de previsão de incêndios”, explica o co-fundador e diretor de tecnologia da empresa, Antonio Leblanc.
A predição, segue Leblanc, é feita a partir da análise de um conjunto de dados de cada local, como histórico de queimadas, previsão meteorológica, tipo da vegetação e volume de material combustível no local, relevo da região, incidência de intervenção humana, fatores que contribuem em maior ou menor grau para que fagulhas possam se converter em fogaréus.
Ajudinha da Nasa
Aonde as câmeras não chegam, a solução da startup é olhar ainda mais ao alto: satélites de última geração geram milhões de imagens e outros dados com informações para serem coletadas e analisadas. E foi este o caminho que a Quiron adotou, com uso de satélites da Nasa e da Agência Espacial Europeia, que oferecem informações da Terra gratuitamente. Também é possível contratar a emissão de informações de constelações de satélites privados.
As informações são inseridas em um sistema de IA com deep learning, capaz de reconhecer padrões em dados não estruturados, organizá-los, criando diferentes indicadores. “Fizemos um modelo que pode ser aplicado em áreas de qualquer lugar do mundo. O que nos coloca na vanguarda é que avaliamos especificidades hiperlocalizadas”, conta Plesch.
Entre as especificidades das queimadas brasileiras, exemplifica, está o fato de 90% dos incêndios florestais serem causados por ação humana. Assim, o algoritmo lança maior peso no risco de fogo em áreas próximas de fazendas, rodovias e pastos do que locais isolados.
Fogo reincidente
Com sede em Florianópolis (SC), a Canopy iniciou em 2016 o trabalho de monitoramento e mapeamento de florestas plantadas. Coletando dados disponíveis pelos satélites em períodos anteriores, fez um estudo de sensoriamento remoto ao longo de uma década sobre as áreas de queimada no Brasil.
Entre os resultados, concluíram que 51% das áreas de floresta nativa ou plantada que queimaram entre 2012 e 2021, foram reincidentes, ou seja, incendiaram mais de uma vez nesse período.
A atuação da empresa não é somente sobre incêndios florestais, mas sim com a aplicação de ciência e tecnologia para mapeamento, inventário e monitoramento de florestas nativas e plantadas. Como o fogo afeta o potencial produtivo das áreas de seus clientes, entrou no radar do monitoramento.
A Canopy utiliza imagens e dados enviados pelos satélites, que são usados como sensores remotos, rebatendo ondas de laser infravermelho que mensuram a distância entre o sensor e a altura das florestas. O resultado é um banco de dados tridimensionais que permite traçar perfis precisos do relevo e combiná-los a outras informações.
O que dizem as "cicatrizes de fogo"
O co-fundador e diretor-executivo da empresa, Fabio Gonçalves, conta que está em desenvolvimento uma nova funcionalidade de sua plataforma para mapeamento das áreas que foram efetivamente queimadas, as “cicatrizes de fogo”. Esse mapeamento vai permitir a criação de modelos processuais ainda mais precisos no diagnóstico preditivo de incêndios florestais, como ponto de início das chamas, velocidade de propagação, em qual direção vai se alastrar e para qual direção.
“As novas tecnologias têm papel complementar importante para tornar mais eficiente o trabalho de monitoramento das florestas. Estamos falando de milhares de hectares, onde seria inviável fazer o monitoramento em campo”, destaca Gonçalves.
Ativo econômico e ambiental
O interesse das empresas de silvicultura em adquirir essas novas soluções tem como primeiro objetivo o fator econômico: proteger as árvores, matéria-prima de seu ganha-pão. Mas o interesse vai além: o investimento impacta diretamente na sustentabilidade do planeta.
“Estas árvores são um ativo econômico e ambiental renovável. Quando temos sinistros nas proporções que estamos vendo, se torna um problema coletivo, de saúde pública, afeta a qualidade do ar, a fauna. Os avanços na prevenção de queimadas são de interesse de toda sociedade”, diz Loper, da Apre.
A associação criou, há três anos, uma campanha anual de combate aos incêndios, formalizando uma rede informal de troca de informações entre as empresas do setor, e que atualmente conta com outras 16 instituições, como Bombeiros, Defesa Civil, instituições ligadas ao agronegócio e a Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Segundo a Associação Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), o setor das empresas de florestas plantadas é o que mais planta árvores no país: 1,8 mil árvores por dia.
Além dos 9,7 bilhões ha em florestas de plantio por todo o Brasil, segundo o relatório Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura 2023 do IBGE, as empresas de florestas de plantio contribuem com a preservação de florestas nativas.
Em média, calcula o Ibá, para cada hectare de floresta de plantio, as empresas do setor têm 0,7 hectare de reservas naturais, ou seja, 6,7 milhões ha permanentemente preservados. Pioneiro em plantios florestais em larga escala no país, o estado do Paraná tem 1,17 milhão de hectares em árvores plantadas (é líder nacional no plantio de pinus, com 713,8 mil ha e de araucárias, com 3,9 mil ha), além de contar com pelo menos 817 mil ha em área de conservação sob cuidado das empresas de silvicultura.
Grande filtro de ar como proteção aos incêndios florestais
Toda essa preocupação em aprimorar o combate ao fogo nas florestas não é somente para evitar danos de curto prazo. As árvores são a mais eficiente solução baseada na natureza para a mitigação das mudanças climáticas.
As florestas atuam como gigantescos filtros de ar, pela capacidade das árvores em remover e estocar gás carbônico (CO₂) da atmosfera na sua biomassa em altas concentrações, postergando o agravamento das mudanças climáticas. Ao todo, as florestas de plantio brasileiras contribuem com 1,82 bilhão de toneladas de CO₂ e 2,98 bilhões de toneladas de CO₂ nas áreas de conservação, segundo o relatório 2023 da Ibá.
Além disso, as árvores são plantadas intercaladas com áreas de floresta natural conservadas, formando corredores ecológicos, que fornecem abrigo para fauna e flora nativos e asseguram a conservação do solo e a regulação dos fluxos hídricos.
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