É no litoral que Santa Catarina encontrou uma nova força econômica: a construção de barcos de lazer. O estado se consolidou como líder no setor, responsável por 70% da produção de todo o país. Uma atividade que engloba uma cadeia de serviços, como cursos de qualificação de mão de obra, empresas de inox, produção de volantes, cabos e até estofados para fabricar iates, jet skis e lanchas, muitos deles de luxo.
“É um polo de serviço completo, no qual se encontram todas as peças e insumos para construir e manter as embarcações”, resume o presidente da Associação Náutica Brasileira (Acatmar), Mané Ferrari. Em Santa Catarina, o setor mobiliza cerca de 3,5 mil empregos diretos. O número representa metade do total de vagas em todo o país (7 mil). Há ainda os trabalhos indiretos: são 35 mil vagas no Brasil, no entanto não há dados regionalizados.
“É um efeito dominó positivo, é um setor que entrega muito, porque é artesanal, então temos colaboradores em todas as fases [de construção]”, explica o presidente da Associação Brasileira de Construtores de Barcos e seus Implementos (Acobar), Eduardo Colunna.
Entre janeiro e agosto de 2023, empresas de construção de barcos de lazer geraram quase R$ 14 milhões de arrecadação em impostos para o governo de Santa Catarina, superando em 40% a arrecadação de todo o ano passado, quando a cifra chegou a quase R$ 10 milhões. Os dados foram consultados no Portal da Transparência de SC, que mostram, ainda, maior arrecadação do setor neste ano em comparação a outras áreas da indústria de transformação, como construção de edifícios (R$ 5,1 milhões); confecção, sob medida, de peças do vestuário, exceto roupas íntimas (R$ 8,5 milhões); e fabricação de vinho (R$ 4,8 milhões).
A liderança do estado no mercado nacional repercute nas exportações. Santa Catarina é o estado que mais vende barcos de lazer para o exterior. Nos seis primeiros meses do ano foram exportados 33 milhões de dólares, principalmente para Estados Unidos e Itália, segundo o Observatório da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc).
Incentivos fiscais contribuíram para o destaque de SC no setor de barcos de lazer
Santa Catarina começou a se destacar na construção de barcos em 2009. Especialistas da área apontam o programa Pró-Náutica, lançado em julho daquele ano, como o principal “segredo” do estado para o sucesso no setor. O governo de Santa Catarina reduziu a alíquota do ICMS de 12% para 3,5% para a indústria e prorrogou prazos para recolhimento do imposto sobre compra de matéria-prima, máquinas e peças. Ainda reduziu de 25% para 12% a alíquota das embarcações, equiparando com a dos veículos. Com isso, Santa Catarina conseguiu manter a competitividade em relação a outros estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, e, ainda, se destacar: desde 2018, alcançou a liderança no setor, como aponta Colunna.
“Esse sistema de benefícios fiscais propiciou segurança jurídica ao setor. Hoje é uma lei com tratamento diferenciado para construir embarcações, e ICMS diferenciado na venda da embarcação. E isso foi um trabalho muito bom”, afirma. O presidente da Acobar também explica que a ideia dos benefícios nasceu no Rio de Janeiro e em São Paulo e foi levada para Santa Catarina, “que fez melhor do que os outros”, segundo ele, “propiciando a criação de um polo naval” no estado do Sul. “As empresas que estavam lá [em SC] se fortaleceram, e as novas que vieram, como as italianas e americanas, escolheram Santa Catarina”, acrescentou.
Foi por causa do Pró-Náutica, por exemplo, que a Sessa Marine, da Itália, escolheu o estado para implantar a primeira linha de produção de barcos internacional e transferência de tecnologia. A parceria começou em 2011 com o estaleiro catarinense Intech Boating, em Palhoça, na Grande Florianópolis, produzindo barcos da marca europeia.
“Em todas as oportunidades em que nós buscamos melhores condições para a indústria, Santa Catarina sempre foi imbatível tanto nas relações com o governo estadual, quanto nos programas de incentivo à indústria, além de logística portuária e, como um todo, a grande qualidade de mão de obra”, explica o presidente do Grupo Sessa Marine, José Antônio Galizio Neto. Para ele, o programa de redução do ICMS “ajuda muito na construção da operação, facilita a construção da operação e importação de matérias primas e melhora custo de caixa”.
O negócio entre as empresas italiana e brasileira se intensificou e, em maio deste ano, uma operação inédita selou a aquisição, pela Intech, da marca global Sessa Marine. Com o avanço da parceria, um novo parque fabril será inaugurado ainda em outubro, em Palhoça, agregando uma planta italiana à já existente. A expectativa é de duplicar a produção total do estaleiro, chegando a 120 unidades por ano. Segundo Neto, essa nova planta recebeu investimento de R$ 25 milhões: R$ 14 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o restante capital próprio.
De acordo com a empresa, cerca de 30 vagas de emprego devem ser abertas até dezembro para atuar na nova planta, a maioria para o setor de produção. Hoje, o grupo tem 250 colaboradores.
Infraestrutura vinculada ao setor de barcos de lazer pode contribuir com a economia estadual
Apesar do crescimento no setor de construção de barcos de lazer, o estado carece de infraestrutura, como marinas e trapiches, para que as embarcações construídas possam ficar em Santa Catarina. “Acabam indo para outros estados, como São Paulo e Brasília, que são grandes mercados, e também para fora do país”, ressalta o presidente da Acatmar, Mané Ferrari. Ele explica que, com isso, o estado deixa de gerar mais empregos e renda, porque cada embarcação em uma marina gera cerca de 10 empregos entre diretos e indiretos.
Além disso, cada R$ 1 investido em marinas implica em incremento de outros R$ 2 ou R$ 3 na economia da região. Segundo dados da Acatmar, a implementação de uma marina pode gerar, ainda, valorização imobiliária do entorno de mais de 200%, com aumento na arrecadação tributária.
Por isso, Ferrari comemora o projeto do Parque Urbano e Marina Beira-mar, em Florianópolis. O processo aguarda a licença para iniciar a construção, o que deve acontecer em novembro, segundo ele, com início dos trabalhos em janeiro de 2024. Depois, a empresa Jota Ele Marine Spe S/A terá dois anos para finalizar a obra. “É uma marina que vai mudar a cidade de Floripa, porque é um complexo, um parque náutico”, resume Ferrari.
A área contará com um parque urbano público de convivência, com espaço para a realização de eventos, estacionamento de veículos, quiosques, área de lazer e espaço para práticas esportivas que envolvam o mar. Além disso, uma parte da marina será designada a uma futura instalação de transporte náutico.
Detalhes da marina de Florianópolis
- Será localizada na Avenida Rubens de Arruda Ramos – Beira Mar Norte, bairro Centro, em Florianópolis.
- Projeto inicia onde hoje encontra-se a Praça de Portugal, estendendo-se até a Praça do Sesquicentenário.
- Em direção ao mar, adentra por cerca de 315 metros, com profundidades médias variando de 1,5 a 4 metros.
- Parque Urbano de 123 mil metros quadrados.
- Marina pública para 60 embarcações.
- Marina privada para cerca de 624 embarcações.
Santa Catarina conta com cerca de 130 estruturas de apoio náutico no litoral e no interior, entre marinas e garagens náuticas (que são a maioria). A cada 300 embarcações em uma estrutura de apoio náutico são movimentados cerca de R$ 100 milhões por ano, segundo a Acatmar.
Raio X do setor náutico de esporte e lazer em SC
- Empregos diretos: 3,5 mil
- Empregos indiretos: não há esse dado
- Regiões que se destacam: Itajaí, Vale do Itajaí, Palhoça e Biguaçu, na Grande Florianópolis
- Geração de impostos R$ 14 milhões entre janeiro e agosto de 2023
- Exportação barcos: US$ 33 milhões entre janeiro e junho de 2023
- Projeção de Crescimento em 2023: estabilidade
*Dados prévios de 2023 da Acatmar e da Acobar
Raio X do setor náutico de esporte e lazer no Brasil
- Empregos diretos: 7 mil
- Empregos indiretos: 35 mil
- Faturamento: R$ 2,5 bilhões
- Geração de impostos R$ 900 milhões
- Quantidade barcos: 4,1 mil barcos por ano
- Exportação barcos: US$ 150 milhões
- Projeção de Crescimento em 2023: estabilidade
*Dados de 2022 da Acobar
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