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Surto nas praias e alta demanda pelo serviço de saneamento básico
Especialistas apontam relação direta entre surto no Guarujá e a falta de infraestrutura do sistema de coleta e tratamento.| Foto: Fernanda Luz/EFE

A virada de ano nas praias da Baixada Santista e de Santa Catarina trouxe à tona um dos principais problemas de infraestrutura do país, com graves consequências para a saúde da população e para a economia regional. Longe da meta prevista de 90% de coleta e tratamento de esgoto até 2033, conforme o Marco Legal, a ausência de saneamento básico é considerada uma das causas mais prováveis dos surtos de viroses em regiões litorâneas, que ainda não oferecem o serviço para toda a população.

O principal surto aconteceu no litoral de São Paulo, no Guarujá, cidade da Baixada Santista. Em dezembro, foram mais de 2 mil casos, de acordo com a prefeitura. O Instituto Adolfo Lutz identificou a presença de norovírus em amostras de fezes humanas coletadas no Guarujá e em Praia Grande.

Segundo dados do instituto Trata Brasil, 69,9% do esgoto gerado é tratado no Guarujá, o que significa um déficit de 20% em relação à meta prevista pelo Marco Legal do Saneamento. Em Santa Catarina, que registrou surtos na capital Florianópolis e em Balneário Camboriú, a taxa de cobertura de coleta e tratamento é de apenas 30%.

“Existe uma correlação direta entre o acesso ao serviço e a balneabilidade das praias. A partir do momento em que ocorre a coleta e o tratamento do esgoto gerado, o sistema evita que esse efluente bruto vá para os rios e mares da região, onde as pessoas têm contato com os patógenos vindos do esgoto e podem ter uma série de doenças de veiculação hídrica pela falta da coleta e tratamento em consequência do contato com o esgoto bruto”, explica a presidente-executiva do Trata Brasil, Luana Siewert Pretto.

Além disso, o boom populacional nas regiões turísticas aumenta a demanda pelo sistema de esgotamento sanitário. “Nesses períodos, existem mais pessoas produzindo esgoto e, se o volume não é tratado, isso significa mais esgoto bruto nos mares com mais turistas aproveitando as férias nessas localidades. Infelizmente, acaba gerando surtos de diarreia por conta de uma ineficiência da infraestrutura”, pontua ela.

Conforme o instituto, 93 milhões de brasileiros não possuem acesso ao sistema de coleta e tratamento dos esgotos. Até 2033, o Marco Legal prevê a meta de cobertura de 90% do serviço e a universalização do acesso à água tratada no país.

“As obras precisam ser realizadas urgentemente, entre elas, tubulações para coleta, ampliação ou construção de estações de tratamento para que o esgoto seja direcionado, tratado e retorne dentro dos parâmetros exigidos pelos órgãos ambientais para os rios e mares”, ressalta. Pretto defende que, principalmente em regiões litorâneas, é necessário avançar de maneira célere com acesso e tratamento da coleta de esgoto, tendo em vista que há uma meta estabelecida.

Santa Catarina tem taxa de cobertura de coleta e tratamento de esgoto de apenas 30%.

A presidente-executiva do Trata Brasil alerta que a meta prevista no Marco Legal é a mesma para os 5,5 mil municípios do país, que conforme a legislação são os responsáveis pelo serviço de coleta e tratamento. “Após a aprovação, vimos um senso de urgência nos municípios e existe uma movimentação para maiores investimentos no saneamento básico, independente se os recursos são públicos ou privados”, afirma.

Sem caixa para os bilhões de investimentos orçados para atingir a meta, o poder público tem optado por concessões e parcerias públicos-privadas (PPPs) em contratos com empresas para gestão do sistema de coleta e tratamento de esgoto em estados e municípios. No Brasil, o investimento médio no setor é de R$ 111 por ano por habitante. No Guarujá, o índice de investimento é de R$ 248.

O secretário executivo do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Edson Aparecido da Silva, calcula que um terço dos esgotos da Baixada Santista, composta por nove cidades, não são tratados com direcionamento para o mar. “Além de não tratar os esgotos produzidos na sua integralidade, ainda existe o problema das ligações irregulares nas redes nas tubulações de água pluvial, que deveriam receber somente a água da chuva”, acrescenta. 

Na avaliação dele, apenas as diretrizes do Marco Legal não são suficientes para enfrentar os problemas. Silva cobra do poder público e dos órgãos responsáveis a atuação permanente durante todo o ano para evitar os problemas no verão. “Não falta investimento, não faltam recursos para se atingir a universalização, o que falta é colocar o saneamento como uma pauta prioritária”, opina o secretário executivo, que é contra as concessões dos serviços de água e esgoto para gestão do setor privado.

Marco Legal possibilita concessões para investimentos privados em saneamento básico         

Para atingir as metas de 90% da coleta e tratamento e universalização do acesso à água até 2033, a estimativa de investimento é calculada entre R$ 500 bilhões a R$ 800 bilhões, cenário que abre a possibilidade de concessões ao setor privado devido à incapacidade do poder público em fazer os aportes necessários na infraestrutura, assim como ocorre em outros setores, como rodovias e no sistema de energia elétrica.

Em 2024, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) foi privatizada na maior oferta pública da história do setor de saneamento básico, que prevê o investimento de R$ 260 bilhões até 2060. No Paraná, a Sanepar adotou as parcerias públicos-privadas (PPPs) em diferentes lotes nas regiões do estado para prestação do serviço de coleta e tratamento de esgoto.

O setor impulsionou as projeções da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). Segundo o estudo Livro Azul da Infraestrutura 2024, o aporte de recursos privados registrou aumento de 147,8% do ciclo anterior para 2025-2029, atingindo R$ 143,5 bilhões em saneamento básico.

Apesar do volume de investimentos exigidos, o advogado especialista em Mercado de Capitais Pedro Vasconcellos destaca o interesse da iniciativa privada no setor, que passou a oferecer contratos estáveis e segurança jurídica por conta do Marco Legal, além de linhas de créditos para os investidores no serviço.

“Temos uma enorme parcela da população que não é atendida com saneamento básico. Para atender essa demanda, o governo federal aprovou, via Legislativo, o Marco Legal do Saneamento que trouxe uma série de inovações. Uma das principais é a entrada dos players privados para investir e administrar o sistema no país”, comenta.

Entidade teme impacto no turismo com problemas na saúde e na segurança pública 

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) demonstrou preocupação com os casos de virose na Baixada Santista e a falta de água no litoral, devido aos possíveis impactos no setor do turismo. O cenário se agravou com arrastões ocorridos no Guarujá.

“É um combo explosivo: virose em surto e arrastões. É o ‘apagão’ do nosso litoral. Dias atrás, turistas ainda foram assaltados e baleados no Guarujá. Um infelizmente morreu. O estado precisa intervir, nas áreas ambiental, sanitária e na segurança pública. Se não, o verão - um dos períodos mais fortes para o turismo - será catastrófico para o setor. Essas ocorrências, afinal, afastam o turista. Sem contar que muitos hotéis, restaurantes e bares do litoral dependem da alta temporada para sair do vermelho e compensar o baixo fluxo ao longo do ano”, declarou Édson Pinto, diretor-executivo da Fhoresp.

O deputado estadual Tenente Coimbra e a deputada federal Rosana Valle, ambos do PL-SP, cobraram do governo de São Paulo e do Ministério da Saúde reforço no atendimento da população, além de explicações sobre “um extravasamento de dejetos” na Praia da Enseada, no Guarujá, situação que é investigada pela Sabesp.

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