• Carregando...
TCU identifica falhas em concessões de rodovias em Minas Gerais e Goiás
Trecho da BR-262 em Araxá (MG). A rodovia foi leiloada em outubro, após 20 anos de espera.| Foto: Divulgação/CNT

Poucas semanas após um leilão histórico para Minas Gerais, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou que seus analistas encontraram falhas na modelagem da licitação referente à concessão das rodovias BR-262 (Rota do Zebu) em Minas Gerais e à BR 060/153 DF/GO (Rota Sertaneja).

Segundo o acórdão divulgado, o tribunal encontrou falhas graves nos cálculos de investimentos realizados e não amortizados pela Concebra (Concessionária das Rodovias Centrais do Brasil S/A, uma das empresas que compõem o grupo Triunfo Participações e Investimentos), e pelos quais a empresa teria direito de receber pela devolução das rodovias.

Com relatoria do ministro Walton Alencar Rodrigues, o acórdão aponta que os erros seriam de responsabilidade da Ernst & Young (EY), empresa contratada pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para ser a auditora independente do processo. Segundo o acordão, os erros da Ernst & Young favorecem a Concebra, que receberia uma indenização bilionária pela entrega dos trechos ao governo no processo de relicitação.

Método falho

A primeira inconsistência que teria sido identificada pelo TCU faz referência à abrangência amostral de análise dos custos informados pela concessionária. No processo de auditoria, a empresa auditora selecionou para avaliação quatro grupos de custos entre os gastos informados, o que corresponde a 43,54% dos gastos totais declarados pela Concebra. Para o TCU, isso quer dizer que mais 55% dos valores requeridos pela concessionária não foram analisados pela Ernest & Young.

As concessões públicas, especialmente em áreas como rodovias, serviços de energia e transporte, são modeladas a partir de processos que envolvem uma análise detalhada de viabilidade econômica e técnica. Por isso, afirmar que houve erro por alguma das partes envolvidas é delicado, segundo aponta um profissional que atua no setor de modelagens para licitação ouvido pela Gazeta do Povo. De acordo com a fonte, o trabalho de modelagem envolve escolher premissas rotineiramente, então tudo pode ser questionável.

O especialista ouvido, que prefere não se identificar, explica que, na análise que foi criticada, para a identificação do valor justo de indenização é provável que a empresa de consultoria tenha utilizado a metodologia amostral, com a lógica de curva abc. Nessa curva, escolhem-se os itens de maior impacto no valor. Por exemplo, é possível que tenham sido escolhido cinco itens para avaliar, tendo resultado em 45% dos custos mapeados. Assim, para avançar e cobrir 55% dos custos, o estudo teria que analisar mais 20 itens. "E, muitas vezes não compensa, ou não está incluído no orçamento ou escopo da consultoria”, explica a fonte, ilustrando o grau de subjetividade e pressão enfrentados pelos modeladores.

Outra inconsistência grave apontada pelo TCU refere-se à data de entrega das obras e melhorias. A consultoria teria errado ao apontar que a data de entrega das duplicações e melhorias que incumbiam à Concebra seria 2018, quando a maior parte dessas entregas aconteceu em 2015. Em nota, o TCU afirmou que a “simplificação adotada pela EY resultou em considerar entregue, em 2018, percentual de 49% da extensão dos trechos rodoviários duplicados, quando, na verdade, corresponderiam a apenas 8%”.

TCU quer novo edital após apontar falhas em concessão

O acórdão que aponta falha na concessão de rodovias em Minas e Goiás faz várias recomendações à ANTT, entre elas a de excluir a Rota Sertaneja do projeto, e publicar um novo edital de concessão apenas para a Rota do Zebu. A justificativa seria a de que o edital para a Rota Sertaneja teria sido feito “às pressas”.

Também foi orientada a correção das datas das obras para datas compatíveis com sua efetiva disponibilização, e dos orçamentos de referência nos cálculos relativos aos gastos com as obras de duplicação e construção dos pedágios. O TCU comunicou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acerca dos fatos apurados e as possíveis deficiências encontradas na auditoria da Ernst & Young. O acordão faz menção à necessidade de comunicar à Casa Civil, ao Ministério dos Transportes e ao Congresso Nacional.

A reportagem da Gazeta do Povo procurou a Concebra e a Secretaria de Infraestrutura de Minas Gerais (Seinfra-MG) que, por meio de suas assessorias, informaram que não se pronunciariam sobre a situação. A ANTT informou que se manifestará sobre o assunto diretamente ao Tribunal de Contas da União. Até a publicação deste texto, a Ernest & Young não havia retornado o contato.

As etapas de uma licitação

A concessão de rodovias é um trabalho complexo e que precisa ser viável para o estado, acessível para a população e atrativo para iniciativa privada. Chegar a um modelo que atenda a todos os atores desse processo pode levar muitos meses de estudo e pesquisa. Conheça as etapas desse processo:

  • Diagnóstico inicial: o primeiro passo é entender a condição atual da infraestrutura. No caso de rodovias são avaliadas as condições da pavimentação, fluxo de veículos, segurança e as demandas econômicas da região. Essa análise é fundamental para estimar o custo de investimento e manutenção.
  • Definição de premissas: Como dito pelo especialista, a modelagem requer constantes escolhas de premissas, como taxas de retorno, projeções de tráfego  e níveis mínimos de serviço. Essas decisões são frequente e facilmente questionáveis, porque envolvem dados históricos e projeções que podem variar consideravelmente.
  • Estudo de viabilidade econômica: as concessões precisam ser atrativas ao setor privado, sem onerar excessivamente os usuários. Para isso, é calculado o equilíbrio entre os investimentos necessários, o valor dos pedágios ou tarifas e o prazo da concessão. Em Minas Gerais, o Programa de Concessões Rodoviárias prevê remodelagem de rodovias essenciais para o escoamento do agronegócio e da indústria, que são naturalmente rotas atrativas para investidores.
  • Consultoria e auditoria: especialistas e empresas de consultoria, como a EY, frequentemente participam do processo, elaborando os modelos financeiros e fazendo projeções. Neste caso especificamente foi necessária uma empresa para verificar qual seria o valor justo de indenização à concessionária anterior. Este custo não é comum em concessões. Normalmente ao final dos contratos a concessão já se encontra totalmente amortizada e não cabem indenizações. No caso da BR-262, houve um encerramento do contrato anterior amparado pela lei 13.448/2017, que estabeleceu as regras para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria. A Concebra protocolou pedido de adesão ao programa de relicitação em 2020.
  • Consulta pública e revisões: Após a elaboração dos estudos, os modelos são submetidos a audiências públicas para considerar opiniões de cidadãos, associações e outros interessados. Muitas vezes, órgãos como o TCU revisam os contratos para identificar possíveis falhas ou ajustes, como ocorreu nas concessões da Rota do Zebu e Rota Sertaneja.
  • Leilão e contratação: uma vez finalizado o projeto e ajustados os termos, realiza-se um leilão para selecionar a empresa que oferecerá as melhores condições ao governo e aos usuários.
  • Monitoramento e execução: após a assinatura do contrato, órgãos reguladores acompanham a execução das obrigações pactuadas, assegurando que os investimentos e os serviços atendam aos padrões estabelecidos.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]