Destino turístico no verão, Florianópolis (SC) sofre com congestionamentos.| Foto: Eduardo Valente/Secom-SC
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Um acidente de trânsito apenas com danos materiais parou a SC-401, em Florianópolis (SC), em uma tarde de sexta-feira. Um trajeto de 10 minutos foi percorrido em quase uma hora - situação que os moradores estão acostumados, já que os congestionamentos são comuns na capital catarinense. Um dos motivos é a característica do sistema viário: a ilha é estreita e longa, com região montanhosa, e tem uma via central que é responsável pelo acesso a diversos pontos da cidade, com pouquíssimas possibilidades de caminhos alternativos.

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“Chamamos isso de sistema viário em forma de espinha de peixe”, explica o professor de Planejamento Urbano da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Elson Manoel Pereira. “Se essa via principal tem congestionamento, para a cidade toda”, complementa.

Além disso, a ocupação na ilha se dá de uma forma diferente das cidades ditas tradicionais, que possuem um núcleo ao redor do qual se forma uma malha urbana consistente. Em Florianópolis são ao menos quatro principais núcleos localizados nas regiões norte, sul, leste e centro. E são os acessos a esses pontos que concentram os principais gargalos de trânsito, sem possibilidade de caminhos alternativos:

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  • Saída e entrada da ilha: o trajeto é realizado pelas pontes Colombo Machado Salles e Pedro Ivo Campo.
  • Acesso às praias do norte, como Jurerê, Canasvieiras e Daniela: o caminho é feito via SC-401, rodovia estadual duplicada que liga a parte central da cidade à região norte.
  • Acesso às praias do leste, como Joaquina e Mole: motoristas enfrentam trânsito intenso principalmente na Avenida das Rendeiras e na SC-406.
  • Acesso às praias do sul, como Campeche: apesar de ter a via expressa com três faixas de trânsito, ocorre um afunilamento para pista simples, o que provoca congestionamento. O aeroporto fica nessa região.

Não é só por questão geográfica e histórica de ocupação que Florianópolis sofre com o trânsito. Há escolhas políticas que influenciam na mobilidade urbana da capital de Santa Catarina, na avaliação de especialistas. Um dos pontos elencados pelo professor da UFSC são os planos diretores que, segundo ele, têm sido “permissíveis para a construção de prédios” desde a década de 1970, o que culmina com uma ocupação densa de áreas que já apresentam problemas viários. Entre o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 e o de 2022, Florianópolis teve aumento populacional de 27,5% e foi a terceira capital com maior crescimento de habitantes, atrás de Boa Vista (45,4%) e Palmas (32,5%).

Em resumo, “Florianópolis tem um sistema viário ruim, com pouca conectividade, uma ocupação do solo não compatível com o sistema viário e que agrava a questão. E tem um terceiro elemento - que aí estaria a solução - mas para isso precisaria muito investimento: o sistema de transporte coletivo”, afirma o professor.

Acesso à ilha de Florianópolis (SC) se dá pelas pontes Colombo Machado Salles e Pedro Ivo Campos.| Foto: Cristiano Estrela/Secom-SC

Ônibus tem passagem cara e não conta com faixa exclusiva

Um dos problemas da mobilidade urbana de Florianópolis é o excesso de carros em circulação e o baixo percentual de uso do transporte coletivo para o deslocamento diário (da casa para o trabalho, por exemplo), cita o coordenador do Observatório da Mobilidade Urbana da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Bernardo Meyer.

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Enquanto na cidade do Rio de Janeiro cerca de 50% da população utiliza o transporte público e, em São Paulo, 45%, na capital catarinense a taxa fica entre 30% e 40%. “Se conseguíssemos aumentar o uso de transporte público conseguiríamos reduzir os congestionamentos da cidade”, sentencia Meyer.

De acordo com especialistas, o sistema de ônibus é caro - custa R$ 6 - e não atende às necessidades das pessoas, principalmente pelo elevado tempo de viagem.  Segundo o coordenador do Observatório da Mobilidade Urbana, Florianópolis é a capital brasileira de menor número de quilômetros exclusivos de ônibus - a única faixa destinada especificamente ao transporte público fica dentro do campus da UFSC, no bairro Trindade. “Assim, os ônibus competem com os carros e faz com que o tempo de viagem seja mais lento”, explica, acrescentando que “a partir do momento em que a pessoa ver que é vantagem usar transporte público porque ganha tempo, ela vai optar por ele”.

O investimento em faixas exclusivas de ônibus ainda não foi feito, no entendimento de Meyer, por falta de priorização política. Ele cita o exemplo de Curitiba, que, na década de 1970, instalou esse sistema e se tornou referência no país. Porto Alegre também tem um sistema interessante, diz, com trens urbanos que ligam a cidade e a região metropolitana, além de corredores de ônibus e o catamarã.

“Nenhuma cidade do mundo resolveu seu problema de mobilidade a não ser pelo transporte coletivo de massa e de qualidade. Aconteceu com Medellín e Bogotá (na Colômbia) e acontece nas grandes metrópoles europeias”.

Professor de Planejamento Urbano da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Elson Manoel Pereira

Ele pontua que Los Angeles, nos Estados Unidos, optou por um caminho diferente: “É a cidade com maior número de autoestradas e é a 10ª mais engarrafada no mundo”. Pelo exemplo, o professor defende que “não é a autoestrada que vai resolver, é o investimento no transporte coletivo, que tem que ter prioridade”.

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A prefeitura afirma que trabalha para implantar faixas exclusivas de ônibus em ao menos dois pontos da cidade: na Avenida Beira-Mar Norte e no trecho sul do Anel Viário Central. Ainda não tem data para que esses projetos saiam do papel. O secretário municipal de Transportes e Infraestrutura, Rafael Hahne, diz que, em relação à Beira-Mar, a prefeitura tenta recursos junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Já a obra no sul da Ilha foi cadastrada para receber investimentos via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.

O secretário reconhece que a maior dificuldade é conseguir fazer com que o sistema de transporte coletivo tenha maior capacidade para transportar pessoas. Ele cita ainda que os investimentos em infraestrutura exigem urbanismo mais centralizado. “Florianópolis é muito espalhada urbanisticamente e isso não gera densidade populacional suficiente para ampliar o sistema de transporte”.

Ações pontuais para reduzir o trânsito em Florianópolis

Duas medidas de curto prazo estão sendo adotadas pela prefeitura para tentar amenizar o trânsito, principalmente durante a temporada de verão, quando a população da Ilha mais do que dobra. Uma delas é o “Domingo na faixa”, que começou neste mês. Até 11 de fevereiro, o ônibus é de graça aos domingos. A grade de horários não sofre alterações mas, como a expectativa é ter um público maior, ônibus extras são separados em caso de necessidade.

Ano passado essa medida já foi adotada e gerou, segundo o secretário municipal de Transportes e Infraestrutura, incremento de passageiros e reduziu engarrafamentos para as praias. O professor da UFSC Elson Manoel Pereira, por sua vez, vê a gratuidade da tarifa como uma forma de democratizar o acesso à praia, mas pondera em relação à redução de trânsito: “Acho muito difícil alguém deixar seu carro com ar-condicionado para pegar ônibus lotado, sem ar, e que fica preso no mesmo engarrafamento”.

Outra medida estudada pela prefeitura é um plano de contingência que envolve diversos órgãos municipais e estaduais para agir nas rodovias em caso de “evento maior que prejudique o trânsito”. O objetivo desse grupo de trabalho, explica o secretário, é diminuir o tempo de resposta em caso de emergência, para, então, reduzir o impacto na mobilidade.

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SC-401 parada, sentido centro da cidade, em 4 de dezembro.| Foto: Ricardo Pastrana/Divulgação

Como exemplo, ele cita deixar um guincho à disposição próximo à região da SC-401 para que possa agir com agilidade em caso de um caminhão quebrar. Estão envolvidos nesse grupo de trabalho Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Militar Rodoviária (PMRv), Polícia Militar, Guarda Municipal, Secretaria de Estado de Infraestrutura e secretarias municipais.

Mobilidade urbana de Florianópolis requer obras de infraestrutura

Além de medidas emergenciais, de curto prazo, a prefeitura aposta em obras de infraestrutura para melhorar a mobilidade urbana da cidade. Além da faixa exclusiva para ônibus na Beira-Mar Norte e no trecho sul do Anel Viário Central, o Executivo estuda outras ações, como alargar a Avenida da Saudade, no bairro Itacorubi, e fazer uma nova alça de acesso no Elevado Vilson Pedro Kleinübing, conhecido como Elevado do CIC, com duas pistas no sentido norte da Ilha. Projetos que dependem da captação de recursos, pondera o secretário.

No último dia 13 foi inaugurado o binário da Lagoa da Conceição, região marcada por congestionamentos. A obra começou em maio, com abertura de uma nova via, paralela à tradicional Avenida das Rendeiras, em uma tentativa de desafogar o trânsito. Com isso, a Rendeiras passou a ter sentido único, assim como a Rua Mandala, a Avenida Prefeito Acácio Garibaldi São Thiago, que é a estrada geral da praia da Joaquina, e a nova via que foi construída. O investimento foi de R$ 4,3 milhões.

Assim, o motorista que sair da ponte da Lagoa em direção às praias do Leste vai percorrer a Avenida das Rendeiras por 660 metros em pista simples, pegar a Rua Mandala à direita e percorrê-la por 100 metros até alcançar a nova via à esquerda, que tem cerca de 650 metros de extensão e termina na Acácio Garibaldi. Ali, o condutor pegará a estrada geral da Joaquina à direita, se quiser ir nessa praia, ou a SC-406, caso queira chegar à Praia Mole ou seguir adiante. Já quem estiver nas praias e quiser se deslocar em direção ao Centro da cidade vai percorrer as Rendeiras em pista dupla até a altura da Rua Mandala e depois seguir em pista simples margeando a lagoa.

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Binário da Lagoa foi inaugurado neste mês de dezembro com expectativa de reduzir trânsito na região.| Foto: Guilherme Bento/Prefeitura de Florianópolis/Divulgação

Outra ação voltada ao trânsito acontece no bairro Ingleses, o mais populoso de Florianópolis e localizado na região norte. A prefeitura apostou em rotatórias para trazer mais fluidez ao tráfego de veículos. As intervenções foram feitas na Rodovia Armando Calil Bulos, na altura do Supermercado Angeloni, e na Estrada Dom João Becker, no Centrinho dos Ingleses.

“Uma das vantagens significativas das novas rotatórias é a melhoria no fluxo de tráfego na SC-403. O fechamento de um canteiro na Rua das Gaivotas permitirá que os motoristas acessem a via fazendo o retorno pela nova interseção, eliminando contornos desnecessários e evitando congestionamentos”, diz a prefeitura em nota.

Estruturas para quem anda de bicicleta favorecem deslocamentos curtos

A prefeitura evidencia o investimento em estrutura cicloviária para incentivar o deslocamento com bicicleta e patinete na chamada micromobilidade, ou seja, no deslocamento dentro do bairro ou de um bairro para outro.

Em novembro, foi implantada uma ciclofaixa na Rua dos Ilhéus, no Centro, até o Terminal Cidade de Florianópolis.| Foto: Pedro Perez/Prefeitura de Florianópolis
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Um monitoramento feito pela Aliança Bike (Associação Brasileiras do Setor de Bicicletas) aponta que, comparando volume de ciclovias e ciclofaixas com a população residente, Florianópolis é o principal destaque, com 22,96 quilômetros a cada 100 mil habitantes. Na sequência, aparecem Brasília (DF), com 21,79 km a cada 100 mil habitantes, e Palmas (TO), com 20,48 km a cada 100 mil habitantes.

A pesquisa ouviu todas as prefeituras das capitais brasileiras por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O período considerado pelo levantamento foi de junho de 2022 a junho de 2023. Os dados contemplam apenas as estruturas segregadas e exclusivas para a circulação de bicicletas. Por esta razão, ciclorrotas e outras estruturas compartilhadas com veículos motorizados não fazem parte dos 4.365 quilômetros totais considerados – apenas ciclovias e ciclofaixas estão incluídas no monitoramento.

Em junho deste ano, Florianópolis retomou o serviço de aluguel de patinetes por aplicativo em uma parceria entre a prefeitura e a empresa Whoosh, responsável pelo serviço em 45 cidades da Europa. A cidade também voltou a ter, em novembro, um serviço de bicicletas compartilhadas, após a suspensão do serviço em 2020. Nesta primeira fase de implantação, foram disponibilizadas 100 bicicletas elétricas divididas em 15 estações, apenas na área central da cidade. A ideia, de acordo com a prefeitura, é ampliar o serviço para 50 estações espalhadas pelos bairros Itacorubi, Santa Mônica, Trindade e também no Continente.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]