Apontada reiteradamente como carreira do futuro, a tecnologia da informação pode ter um déficit de 530 mil profissionais da área até 2025, segundo apontamento divulgado pelo Google em parceria com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups). O relatório mostra que 53 mil profissionais se formarão, mas a demanda das empresas de tecnologia para o mesmo período é de 800 mil profissionais. A projeção mundial até 2030 é que existam 85 milhões de vagas no setor. É na tentativa de acompanhar essa tendência que Uberlândia, localizada no Triângulo Mineiro, desenvolve profissionais com um polo de empresas de tecnologia instaladas na cidade.
Nascido nesse contexto de demanda, o Uberhub Code Club oferece cursos de programação gratuitos a jovens estudantes do município. Walber Schwartz, vice-presidente e administrador do projeto, conta que a ideia tomou forma em 2017, após uma conversa com professores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) que ensinavam programação para alunos de escolas públicas do município, a fim de que participassem da Olimpíada Brasileira de Informática. Na época, Schwartz era coordenador de Ecossistemas de Inovação na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e havia sido procurado por pessoas ligadas à área de tecnologia que falavam da alta demanda por programadores em Uberlândia. Sabendo disso, começou a organizar os atores locais para fazer um ciclo de formação.
A ideia de criar uma escola de programação acessível para a população surgiu a partir de um trabalho que acontecia na UFU de incentivo a bons alunos em escolas públicas que poderiam aprimorar seus conhecimentos. "A gênese do Uberhub Code Club são professores que tentavam ensinar alunos de escola pública algo a mais, tentavam preencher as lacunas da educação formal, melhorar. Porque tem alunos que se destacam e precisam de uma atenção diferenciada. Se você tratar esse aluno excepcional como um aluno 'comum' desperdiça uma oportunidade de fazê-lo se desenvolver", comenta Schwartz, que em 2017 viu que havia uma forte demanda por uma atuação do poder público para ampliar o número de programadores em Uberlândia e, do outro lado, havia um grupo na UFU querendo ensinar programação.
Foi aí que Schwartz propôs que fosse feito algo maior, envolvendo as empresas da cidade e convidando mais professores, muitos deles ex-alunos do projeto da UFU. Após conversa com o secretário de Desenvolvimento Econômico à época, obteve carta branca para captar recursos privados e mobilizar a comunidade em busca de alunos. "Com esse time, nós fizemos um projeto que atendia 15, 20 alunos (na UFU) e transformamos em um projeto que atende 1 mil", comenta, lembrando do sucesso do projeto desde o início, apesar da apreensão. "A primeira chamada pública para o Uberhub Code Club foi num sábado de manhã, a gente meio nervoso porque não sabia se ia vir alguém. O secretário pensou em chamar o prefeito, mas ficou com medo de não aparecer ninguém. Começou a chegar aquela horda de pais com os filhos para entrar no auditório. Encheu um auditório com 300 lugares, entre pais e alunos, e aí ficou todo mundo animadíssimo com a história".
Depois desse dia, as turmas aumentaram. De 2018 a 2023, 4.685 completaram o curso e 21 foram medalhistas da Olimpíada Brasileira de Informática, o que faz do instituto o maior formador de medalhistas de Uberlândia e o segundo maior de Minas Gerais. Em abril, aconteceu o primeiro ciclo de formação deste ano, com 801 inscritos, sendo 37% mulheres.
De acordo com o instituto, os 14 instrutores da casa são formados pelo Code Club. Aryanne Araújo é uma dessas ex-alunas. Aos 22 anos, cursando o sexto período de medicina em Araguari, a jovem se encantou pela programação no ensino fundamental e o Code Club ajudou no seu desenvolvimento. "Quando surgiu o Code Club, eu tinha um nível bom de aprendizado, então entrei e logo depois me tornei instrutora. Foi um processo bem rápido", comenta.
Apesar da evidente habilidade para a área, a medicina falou mais alto. Aryanne conta que professores e colegas do Code Club tentaram convencê-la a seguir na área, mas ela decidiu pelo sonho de se tornar médica. A jovem afirma que o estudo de programação ajudou no preparo para o vestibular. "Meu plano sempre foi fazer medicina. Só que eu sempre tive facilidade com matemática, com raciocínio lógico. Na programação tem as competições que te proporcionam isso e eu gostei. A programação faz você ter um raciocínio lógico mais habilidoso, você aprende a ter um raciocínio que seja mais direto e para resolver um determinado problema. Ajudou principalmente em provas", analisa ela.
Aryanne concilia as aulas da faculdade com o Code Club, onde também é responsável por dar suporte às atividades administrativas do projeto. "Talvez seja meio tendencioso da minha parte, mas meus amigos que eu mais tenho admiração profissional também programavam. Não sei se a pessoa que tem facilidade para programar ou se ela desenvolveu, mas contribui com certeza", afirma.
Outro aluno que se destaca no instituto é Carlos Cabral. Com 16 anos, Carlos conheceu o universo da programação aos 11, quando o irmão dele, Guilherme, que estava no Code Club, chegou empolgado com a novidade e ensinou ao caçula as primeiras lições aprendidas. O interesse cresceu quando o irmão participou de uma olimpíada. Desde 2019, Carlos foi medalhista em todas as olimpíadas que participou. Neste mês, ele foi um dos representantes brasileiros na Olimpíada Ibero-americana - ganhou medalha - e quer seguir na área. "Quando eu me aposentar das competições, quero trabalhar com isso mesmo e estudar Ciência da Computação", planeja.
O diferencial do Code Club está em atender uma demanda que a cidade possui, com organização que parte da sociedade. João Henrique Pereira, um dos fundadores do projeto, conta que desde o início percebia que essa seria uma forma de apresentar outras possibilidades profissionais para jovens. Além de professor da UFU, Pereira trabalhou em uma grande empresa de tecnologia da cidade por 27 anos. "A gente, na empresa, tinha dificuldade de encontrar profissionais no mercado e, do outro lado, muito desemprego e jovens de famílias pobres que não conseguiam se capacitar. A ideia não era só resolver um problema imediato de mão de obra, de trabalho e talentos. É um projeto de longo prazo, para ajudar a sociedade e conseguir dar um apoio para esses jovens se formarem e conseguir ter um bom futuro. A sociedade civil organizada, dentro de um contexto de inovação, criou o projeto", compartilha.
Pereira explica que o método ensinado aos alunos foi desenvolvido pela Association for Computing Machinery (ACM), equivalente à Sociedade Brasileira de Computação e mesmo modelo das melhores universidades do mundo. "A gente ensina o conteúdo do ensino superior para os alunos do ensino médio e fundamental, prioritariamente de escolas públicas. A gente ensina para eles programação de computadores com a mesma ementa, o mesmo currículo que tem na universidade, e aí esses alunos ficam realmente muito bons", evidencia ele.
Para garantir a menor evasão possível e estimular que os participantes do programa sigam estudando, Pereira reforça a estrutura oferecida aos alunos que participam do programa. "A gente treina, organiza, monta estrutura de laboratório - quem não tem computador em casa treina aqui no laboratório, a gente tem aulas, materiais de apoio, plantonistas, instrutores. A gente faz toda essa preparação e capacitação deles. Na prática mesmo, o que a gente faz é abrir ‘um punhado’ de portas. Quem entra nessas portas e aproveita a oportunidade são eles."
Uberlândia movimentou R$ 5 bi no setor de tecnologia
Antes de o Code Club tomar forma, Uberlândia já despontava como um polo de desenvolvimento de tecnologia e startups. A cidade, que cultiva uma veia empreendedora forte, sendo um polo de logística e indústria, também foi uma das primeiras do país a movimentar o setor de tecnologia e inovação. Ferdinando Kun, líder de Comunidade de Startups e Inovação do Uberhub, conta que a semente surgiu por volta de 2010, quando em Belo Horizonte já havia uma organização dessa área, que inspirou alguns atores locais.
O Uberhub se tornou um ecossistema de inovação na cidade, com a função de unir investidores, startups e profissionais de diversas áreas para o crescimento do setor, além de ser uma espécie de identidade, dentro e fora do estado. "Nosso trabalho é de facilitar a conexão e a sinergia entre todos esses atores, para todo mundo se ajudar, colaborar. A gente não acredita em outra forma de fazer sem uma comunidade, sem esse espírito de colaboração", comenta Kun.
Essa estrutura, que compartilha desde vagas de trabalho a eventos, tem gerado grandes resultados. Uberlândia mais de 500 empresas de tecnologia, sendo metade delas startups. Diversas delas receberam investimentos ou foram compradas por investidores. Um dos mais recentes sucessos é da startup que desenvolveu uma plataforma que permite às companhias criarem aplicativos de inteligência artificial, sem que seja preciso desenvolver algo do zero, que foi comprada por uma empresa do Vale do Silício e recebeu investimento de R$ 100 milhões. Nos últimos cinco anos, mais de R$ 5 bilhões chegaram à Uberlândia pelo setor de tecnologia, entre aquisições e investimentos.
Para Kun, a cidade agrega incentivos para o setor, já que tem muitas empresas e cases de sucesso que estimulam novos empreendedores. "A cidade tem essa estrutura que estimula os novos empreendedores, tem a academia, uma ‘telecom’ (em referência à Algar, grupo de telecomunicações fundado em Uberlândia), e as empresas que surgem e são bem-sucedidas acabam incentivando."
Segundo informações da Subsecretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, Minas Gerais tem oito parques tecnológicos, incluindo o de Uberlândia que está em implementação. Além desse trabalho e do apoio às pesquisas realizados em universidades, alguns programas como o Seed, de aceleração de startups, e o Vuei, de vivência universitária, empreendedorismo, tecnologia, voltados para alunos de graduação, também estão disponíveis para colaborar com esse mercado.
"O trabalho que eles fazem lá é muito bom. A gente entra para somar, pois quase não precisa induzir nada na cidade. Entre as ações que estamos apoiando está a implementação do Parque Tecnológico, junto com a Universidade Federal de Uberlândia. Apoiamos inclusive com recursos essa estruturação, mas a implementação é dos atores locais", afirma o subsecretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Bruno Araújo.
Ele pontua que o governo do estado desenvolve projetos de apoio para trabalhos como odesenvolvido pelo Uberhub Code Club. "Estamos trabalhando para lançar algum apoio para cursos de programação em geral. Ainda estamos bem no início dessa ideia, mas queremos poder apoiar cursos como esse de Uberlândia".
Kun reforça a iniciativa de formação dentro do Uberhub, pois além da imensa demanda de profissionais, é um caminho transformador. Ele conta que na comunidade existem muitas mães que acompanham os cursos e oportunidades para ajudar os filhos. "Ali temos mães que querem incentivar os filhos, muita gente em transição de carreira buscando oportunidades de cursos, vagas. E com o Code Club a gente leva os jovens para essas oportunidades." O próximo ciclo do Uberhub Code Club tem início em setembro e as inscrições podem ser feitas pelo site.
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