Maior distribuidora de energia elétrica do Brasil e peça-chave em um impasse entre a privatização e a federalização das estatais mineiras, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) vem registrando quedas sucessivas nos rankings de desempenho da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No levantamento mais recente, divulgado em março, a distribuidora ficou em 26º lugar entre 29 empresas avaliadas em 2023, uma queda de 7 posições em relação ao ranking de 2021.
A classificação das distribuidoras feita pela Aneel leva em conta os períodos em que os consumidores ficaram sem energia elétrica durante o ano e as metas de interrupções de fornecimento toleradas pela Aneel. “O ranking é um instrumento que incentiva as concessionárias a buscarem a melhoria contínua da qualidade do serviço”, informa a agência.
Nos cálculos da Aneel, dois fatores são levados em conta para se chegar ao Desempenho Global de Continuidade (DGC). O primeiro diz respeito a quantas vezes uma unidade consumidora ficou sem energia elétrica durante o período analisado, chamado pela Aneel de FEC. O segundo mede o tempo médio em que essa unidade consumidora ficou desabastecida, DEC.
Cemig descumpriu meta da Aneel na interrupção do fornecimento de energia
E é justamente neste segundo quesito que a Cemig vem mostrando fragilidade ao longo dos anos. No balanço de 2021, a empresa ocupou a 14ª posição na lista que mede exclusivamente o DEC. Naquele ano, a média de tempo que um consumidor da Cemig ficou sem energia foi de pouco menos de 9 horas e 27 minutos. O máximo tolerado pela Aneel era de 10 horas.
Em 2022, a tolerância da Aneel baixou e o tempo máximo de blecautes não poderia ultrapassar as 10 horas anteriores. A média de tempo de desabastecimento da Cemig se manteve estável, em 9 horas e 28 minutos. Mas em 2023 a estatal mineira extrapolou o limite estabelecido pela agência nacional. No ano passado, a Aneel estabeleceu uma meta de 9 horas e 35 minutos de desabastecimento.
A Cemig deixou seus consumidores, em média, 9 horas e 42 minutos sem energia elétrica durante o ano.
O indicador FEC - a quantidade média de blecautes medida no ano - da Cemig variou pouco entre 2021 e o ano passado: de 4,6 a 4,86. Em seu ano mais rigoroso, 2023, a Aneel considerava aceitável um limite de seis interrupções anuais em média, número que não foi atingido pela estatal mineira.
O DEC médio nacional, segundo as medições da agência, foi de 10,43 horas em 2023. O FEC apurado pela Aneel no período foi de 5,24. Na prática, os brasileiros passaram por pouco mais de cinco blecautes durante o ano passado, cada um deles com aproximadamente duas horas de duração, em média.
Para Cemig, eventos atmosféricos extremos têm gerado desafios extras para empresas do setor elétrico
Procurada pela Gazeta do Povo, a Cemig se posicionou por meio de nota. No texto enviado à reportagem, a empresa justifica o aumento no tempo médio de desabastecimento como consequência de eventos atmosféricos extremos cada vez mais frequentes.
Segundo a distribuidora, esses eventos ocorridos em praticamente toda a área de concessão “têm gerado desafios extras para as empresas do setor elétrico, com destaque para o serviço de distribuição, o que ocasionou um ligeiro aumento das interrupções do fornecimento de energia elétrica”.
Para lidar com os desafios impostos pelo clima, a Cemig informou à reportagem que está realizando “o maior programa de investimentos de sua história”. Somente na área de distribuição, os investimentos previstos até 2028 são na ordem de R$ 23 bilhões. Os recursos serão direcionados para a construção de novas subestações, linhas e redes de distribuição. A empresa espera investir mais de R$ 35 bilhões em todas as áreas de atuação nos próximos quatro anos.
Além disso, destacou a nota, “a empresa mobiliza equipes de campo adicionais, reduzindo o tempo do restabelecimento de energia”. Tais medidas, promete a Cemig, “estão gerando resultados positivos, com o desempenho do sistema retornando aos patamares adequados, melhorando o atendimento aos clientes”. Por fim, a Cemig aponta que mantém em execução junto à Aneel um plano de ação para melhorias no fornecimento, “com ações previstas e sendo realizadas pela empresa por meio do seu plano de investimentos e de manutenção na rede”.
Falhas no abastecimento geraram multas milionárias
As falhas na distribuição e as frequentes interrupções no abastecimento para os clientes da Cemig resultaram em multas milionárias contra a distribuidora. Somente em um processo administrativo aberto pelo Procon mineiro em 2022 envolvendo clientes de Cruzília e Minduri, no sul do estado, a Cemig foi penalizada em quase R$ 52 milhões.
No processo, os clientes da empresa reclamavam de quedas frequentes de energia elétrica, de forma abrupta ou não programada.
Nos piores casos relatados, os consumidores “têm ficado sem energia elétrica por três, sete e até 40 dias”. Para a promotoria, tal cenário foge à normalidade. Em sua defesa, a Cemig apontou que no período questionado pelos promotores os limites fixados pela Aneel nunca foram ultrapassados. A empresa afirmou também que estaria tomando providências para melhorar a prestação de serviço.
Dados de 2023 da Cemig estão sob fiscalização
De acordo com o advogado especialista no setor elétrico Henrique Reis, o não atendimento aos indicadores previstos pela Aneel pode levar à aplicação de multas também pela agência reguladora. “Os índices são definidos por conjunto de unidades consumidoras. Os indicadores usados no ranking são globais, obtidos a partir desses indicadores por conjunto. Ao violar os limites de continuidade individuais, a Cemig deve pagar uma compensação às unidades consumidoras afetadas”, explicou, em entrevista à Gazeta do Povo.
O especialista explicou que os índices mais recentes da Cemig junto à Aneel estão sob investigação. De acordo com Reis, houve inconsistências nos dados das interrupções em Situação de Emergência do ano de 2023. “Existe uma fiscalização em andamento sobre esse ponto. De todo modo, foram considerados no ranking os dados repassados pela distribuidora, sob essa ressalva”, comentou.
Reis avaliou que a companhia precisa manter o controle sobre o cumprimento das metas estabelecidas pela Aneel. Para ele, um dos efeitos colaterais deste descumprimento a longo prazo pode ser a perda de receita pela distribuidora.
“Houve um pequeno descumprimento da meta de DEC em 2023. E existe uma compensação aos consumidores pelo não atendimento da meta, que gera perda de receita. Em 2022, a Cemig pagou cerca de R$ 84 milhões em compensações por esse tipo de violação”, detalhou.
Desestatização da Cemig pode abater dívida de Minas Gerais com a União
De todos os estados que devem à União, Minas Gerais tem o maior débito: R$ 194,03 bilhões. O pagamento da dívida está suspenso até que o estado passe a fazer parte do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do governo federal. O prazo limite para a adesão ao RRF venceu em dezembro do ano passado, mas foi prorrogado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) até abril de 2024.
Para garantir que o pagamento desse montante não interfira em outros compromissos, o governo de Romeu Zema (Novo) se divide entre a privatização da Cemig, uma de suas promessas de campanha, ou a federalização da companhia como forma de abatimento da dívida.
Devido à má situação financeira do governo mineiro, o estado não tem condições de investir na ampliação da estrutura energética, necessária para atender as demandas do setor produtivo. A privatização poderia ser uma garantia desses investimentos, mas um dos grandes entraves para a privatização da Cemig é a oposição dentro da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A possibilidade de federalização da companhia, proposta pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD), ganhou mais força depois de uma reunião entre Zema, o ministro Fernando Haddad e o presidente Lula (PT), neste mês, em Brasília. Entre as “boas propostas” discutidas na ocasião, Zema afirmou que a federalização das companhias estatais é uma opção à qual ele seria favorável e que “o estado não vai se opor” caso seja a alternativa viável.
Em um comunicado ao mercado, a Cemig afirmou desconhecer qualquer processo de desestatização, seja por meio de privatização ou federalização. “Trata-se de um processo sem qualquer participação da Cemig, que, se em curso, tramita em âmbito externo da Companhia, que não possui conhecimento para além do divulgado pela mídia”, apontou o texto.
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