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A decisão de priorizar a família manteve Tomie Ohtake distante dos pincéis até os 40 anos | Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
A decisão de priorizar a família manteve Tomie Ohtake distante dos pincéis até os 40 anos| Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo

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Resumo dos 100 anos da artista:

1913 – Caçula de seis irmãos e única mulher, Tomie Nakakubo nasce em Kioto.

1936 – Após 40 dias de viagem, Tomie, com 23 anos, chega ao Brasil com o irmão, que, dias depois, teria de voltar ao Japão para lutar na Guerra do Pacífico. Ela fica em São Paulo com outro irmão e conhece Oshio Ohtake. Casa-se um mês após chegar ao país e, mais tarde, tem dois filhos: Ruy e Ricardo.

1951 – Volta ao Japão, quando revê a mãe, Kimi. Depois de uma tarde de alegres conversas, conta a artista, a mãe suspira e morre.

1953 – Tomie só começa a pintar aos 40 anos. Segue o conselho do artista Keisuke Sugano de que, já com os filhos crescidos, não deve deixar de fazer aquilo de que gosta. Compra telas e inicia as aulas com Sugano. Suas primeiras obras, dos anos 1950, são figurativas e já surgem sem título, como em quase toda a sua produção. Dez meses após as primeiras aulas, Tomie expõe no Masp e vence salões de arte em São Paulo e em Brasília.

1965 – Nos anos 1960, aproxima-se do abstracionismo, pelo que ficou mais conhecida. É nesta década que sua pintura se aproxima daquela feita por Mark Rothko, com cores contrastantes em retângulos ou quadrados. A forma organizada e precisa como seu pincel caminha sobre a superfície da tela lembra algo da caligrafia nipônica.

1973 – Na década de 1970, Tomie aumenta o campo de formas e cores que utiliza em sua pintura. Nas telas, surgem as primeiras curvas, e a paleta se amplia, ganhando novos tons, como o rosa, o laranja e o azul.

1985 – A artista passa a fazer esculturas, e os anos 1980 são marcados pela proliferação de obras públicas de sua autoria. Para o Rio de Janeiro, onde viveu apenas um ano quando recém-casada, Tomie cria Estrela-do-mar (uma de suas poucas obras com título), que é instalada em 1985 na Lagoa Rodrigo de Freitas e retirada em 1990 para manutenção, sem nunca mais retornar.

2001 – Abertura do Instituto Tomie Ohtake (ITO), em São Paulo. A proposta do espaço é apresentar novas tendências da arte e rever referências dos últimos 50 anos, para coincidir com o período de trabalho de Tomie.

2013 – Ano do centenário da artista, que produz novas telas. O ITO prepara série de homenagens em agosto (projetos e desenhos) e em novembro, com curadoria de Paulo Herkenhoff.

Desde que trocou o Japão pelo Brasil, Tomie Ohtake nunca aprendeu a pronunciar a letra "l". Há 77 anos no país e consagrada como uma das maiores pintoras brasileiras, para ela, galeria ainda é "gareria" e tela vira "tera". Às vésperas de iniciar as celebrações de seus 100 anos (dia 21 de novembro), ela ri do próprio sotaque: "Nunca ‘aprendeu’ a falar português. Agora não ‘aprende’ mais, né?"

Mas Tomie fala com parcimônia. Como sua obra, ela é rigorosa, suave e de poucos elementos. Se um poema haicai trata do mundo em 17 sílabas, afirma, por que ela deveria usar mais?

Sua carreira, que se iniciou aos 40 anos (só após ter criado os filhos), começa a ser revista. Abrindo os festejos do centenário, o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, inaugura no começo do mês a primeira de uma série de mostras que serão dedicadas à ar­tista até novembro. Tomie Ohtake – Correspondências relaciona suas obras com as de Mira Schendel, Cildo Meireles e Nuno Ramos, entre outros. E, no dia 23 de fevereiro, a galeria Nara Roesler, também em São Paulo, exibe telas recentes da artista, de 2012 e 2013.

Ateliê

Quando se trata de Tomie, os críticos de arte dizem que vida e obra estão "amalgamados". A casa modernista que o filho Ruy Ohtake projetou há 44 anos no bairro Campo Belo, em São Paulo, de fato, parece o centro de tudo. Lá está seu ateliê, onde ela mandou instalar uma cama, de solteiro, ao lado das telas — "assim, já fica olhando quando acorda".

E a sala de jantar não é só um ambiente a mais. Para To­mie, o "dia mais contente" é domingo, quando a mesa fica cheia. Há 30 anos, ela espera à cabeceira pela chegada dos filhos – Ruy, 75 anos, e Ricardo, 70, diretor do Instituto Tomie Ohtake – da nora Marcy (casada com Ricardo e sua asses­sora de imprensa) e dos dois netos, Rodrigo, 28 anos, e Elisa, 32.

Durante a semana, Tomie almoça sozinha, sempre às 13 horas. Tem a disciplina dos orientais. Acorda às 8 horas, toma banho, aplica um creme antirrugas e senta-se, às 9 hora, para o café. Três vezes na semana vai ao ateliê, onde um assistente a aguarda. Às terças e quintas, faz fisioterapia e, uma vez por semana, recebe a cabeleireira do bairro, que mantém seu corte rigorosamente na altura do queixo e os fios pintados de preto. Também costuma vestir-se de preto. Guarda as cores para as telas.

Cores

Quando desembarcou do navio que a trouxe, após 40 dias de viagem, de Kioto para São Paulo, a primeira sensação que teve foi relacionada a uma cor.

Tomie chegou ao Brasil Nakakubo, sem o sobrenome Ohtake. Veio acompanhada do irmão em 1936. Algum tempo depois, estourou a Guerra do Pacífico, e o irmão voltou. Morreu lutando. Mas Tomie tinha outro irmão em São Paulo, que mantinha um laboratório em sociedade com Oshio Ohtake, "esse moço muito boa pessoa e muito bonito", diz ela, sorridente.

Em um mês no país, aos 23 anos, ela se casou com Oshio.

Um ano depois do casamento, nasceu Ruy. A família Ohtake, então, mudou-se para o Rio, onde Tomie desfrutou do mar, de que tanto gosta.

Recém-casada, a jovem Tomie se fez a pergunta: "Fa­mília é mais importante que trabalho?". Já tinha apreço pela pintura e, no Japão, comprava catálogos e desenhava. Mas a decisão de priorizar a família a manteve distante dos pincéis até os 40 anos, quando encontrou o artista Keisuke Sugano.

Ele dava aulas a Tomie e outros japoneses. Pedia aos alunos que pintassem uma flor, por exemplo. Ao fim, criticava as pinturas. A de Tomie, no primeiro dia, foi eleita a melhor. Começava ali uma carreira que nasceu figurativa e tornou-se abstrata. Dez meses depois, ela já exibia telas no Museu de Arte de São Paulo.

Depois da pintura abstrata dos anos 1960, Tomie se aventurou pelas gravuras nos anos 1970. Em 1977, ficou viúva de Oshio Ohtake e não voltou a se casar. Na década seguinte, sua obra foi marcada por cores contrastantes e intensas, talvez inspirada em Mark Ro­thko, seu pintor preferido. Foi também nos anos 1980 que floresceu sua produção de esculturas, muitas delas públicas, como a "Estrela-do-mar" (1985), instalada na Lagoa, no Rio, que gerou polêmica, foi removida para manutenção em 1990 e nunca voltou.

Na casa onde vive, fez o paisagismo com mudas que ganhou de Burle Marx. Ao lado das plantas e da piscina, estão esculturas suas. Todos os dias, ela alimenta os pássaros no jardim, vizinho a seu ateliê.

Antes de passar por uma cirurgia na coluna aos 93 anos, Tomie era assídua de exposições. No ano passado, teve pneumonia, caiu doente e "a perna ficou muito fraquinha, né?". Passou a usar cadeira de rodas e não vai mais a vernissages. Sobre arte contemporânea, não se sente muito tocada pelo que vê. Gosta de Regina Silveira, Tunga e Adriana Varejão. Arte, diz, é para ser sentida.

Crítica

O curador Paulo Herke­nhoff costuma dizer que "não há pintura brasileira sem Tomie Ohtake". Para o crítico Frederico Morais, ela soube equilibrar a tradição japonesa e a vivência no Brasil. Tomie criou algo muito particular entre os artistas nipo-brasileiros, afirma ele, ao combinar o informalismo dos anos 1950 com o "desejo de organizar" o informal.

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