Clientes ilustres contam histórias dos três bares
"O Poeta era um bar meio punk, não tinha nada de bonitinho. Tinha estilo sem nenhuma frescura, tipo um bar gringo. Eu ia pelo som, pelo ambiente favorável e pelas pessoas. Era uma galera mais alternativa, que gostava de sonzeira, literatura, quadrinhos... eu era punk sem o visual, era pobre, morava na perifa e encontrava pessoas que tinham a ver comigo. O Luli [Frank, proprietário do James e ex-integrante do Copacabana Club] tinha uma banda chamada Loveless, o Fábio Elias e a galera da Reles andavam por lá, eu toquei lá com a Plêiade... e tinha a Ieda, né? Me contaram que uma noite ela subiu numa mesa, tirou os peitos pra fora e ficou citando Rimbaud ou Baudelaire!"
Cláudio Pimentel, músico, fundador da banda Plêiade e ex-proprietário do Korova Bar. Será o responsável pelo DJ set do Poeta Maldito na festa do Wonka.
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"Eu frequentava mais assiduamente o Dolores e o Dromedário. O mais legal ali era a informalidade... você não sabia que ia para uma festa ia para o bar e, de repente, tava rolando uma festa! No Dolores, como não tinha garçom, você precisava passar por muita gente até chegar no balcão ou no banheiro, e acabava conhecendo um monte de gente interessante, como músicos, poetas, artistas plásticos, atores... eu sempre andava com o meu case de CDs, e volta e meia terminava a noite discotecando no bar."
JC Branco, professor de pós-graduação, doutor em Geologia, baterista e DJ. Será o responsável pelo set do Dolores Nervosa.
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"O Dromedário tinha um apelo cultural muito grande. Num dia você podia encontrar o José Wilker, no outro o Wander Wildner. Nos shows, as bandas e o público ficavam empoleirados em quartinhos, com um som precário, mas todo mundo adorava. O Dolores e o Dromedário também foram os primeiros bares alternativos com uma culinária interessante, e drinks exclusivos, inventados por eles."
Anderson Chaves, o DJ Sonderam, residente em bares como Jokers e James. Será o responsável pelo DJ Set do Dromedário.
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"Esses bares tinham uma mística das pessoas envolvidas. Eram pontos de encontro de pessoas-chave, que conheciam outras pessoas e construíram o sucesso de cada um deles. Ali já era feito um tipo de marketing institucional espontâneo. E um dos principais pontos de confluência de ideias era a música. As pessoas levavam discos ou CDs importados, tocavam no bar, quem gostava já gravava uma fita cassete e ia atrás das bandas. Isso movimentava o caldeirão cultural do Dolores e do Dromedário, e foi o que a gente tentou levar para o Wonka: atrair pessoas com uma inquietação permanente, uma fome constante de novas informações, que sempre estejam atrás de algo novo. Por isso participei de todos os bares da Ieda, e estou há 19 anos casado com ela."
Adriano Kussaba, administrador, empresário, marido e sócio de Ieda Godoy no Café Mafalda e Wonka Bar.
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"O que esses bares tinham de especial? As pessoas lá dentro. E eram o começo do que hoje pode ser chamado de noite curitibana, mas antes da sua domesticação comercial. Para mim, a "balada" é uma institucionalização careta da boemia tradicional, de ideias antigas de felicidade, prazer e diversão. E o Poeta, o Dolores e o Dromedário nos deram um pouco de tudo que precisávamos então: um teto, umas bebidas, cinzeiros limpos, caldo de feijão com torresmo, boa e má companhia de amigos eternos, amores de ocasião, loucos folclóricos, chatos imortais , shows de música, performances sensuais etc. Nos deu uma boa parcela de nossa mocidade, uma boa mocidade. Isso nunca será pouco, e jamais será esquecido."
Luís Henrique Pellanda, jornalista, escritor, dramaturgo, roteirista e músico.
Se o Rio de Janeiro teve o "Beco das Garrafas" região de Copacabana que concentrava as casas noturnas que foram o berço da bossa nova, nas décadas 50 e 60 , nos anos 90 Curitiba também desfrutou de alguns bares que entrariam para a história como celeiros da vida cultural e artística da cidade: O Poeta Maldito, que funcionou durante aproximadamente 12 meses em dois locais diferentes uma portinha na Alameda Cabral e um casarão no número 34 da Rua Clotário Portugal; o Dolores Nervosa, boteco que conseguia ser cult e pop ao mesmo tempo na Av. Vicente Machado, 194, entre 1992 e 1994; e o Dromedário, uma espécie de "evolução" do Dolores, que funcionou no mesmo endereço, de 1994 a 2001. Os três estabelecimentos, dos quais a agitadora cultural Ieda Godoy foi sócia, foram ao lado de outros espaços, como o 92 Graus e o Linos Bar alguns dos primeiros da cidade a acolher manifestações artísticas locais, fossem música, poesia, literatura, teatro ou artes plásticas.
Por ali circularam alguns dos maiores artistas e intelectuais daquela geração, como os integrantes de bandas como Beijo AA Força (depois Maxixe Machine), Woyzeck, Gente Boa da Melhor Qualidade, CMU Down, Tods, Relespública e outras; artistas plásticos como Karen Tortato; músicos/empresários como Luli Frank (atual proprietário do James e ex-integrante do Copacabana Club); boêmios notórios como o saudoso China Meneguetti; e até forasteiros ilustres, como José Wilker, Darlene Glória, Dira Paes, Wander Wildner, Ben Harper e a banda de David Bowie que terminou a noite no Dromedário, depois do show que fizeram na Pedreira Paulo Leminski, em 1997.
"Sempre acreditei que um bom bar não serve apenas para vender bebida, ou pela diversão pura e simples; historicamente, o bar tem uma importância cultural e social enorme, é um espaço de circulação de ideias, de exposição do pensamento e de germinação da criação artística", resume Ieda Godoy, hoje à frente do Café Mafalda e do Wonka Bar, que nesta sexta-feira promove uma festa em homenagem aos três bares (mais detalhes no fim do texto). "O Beco das Garrafas é um exemplo de como os bares são importantes quando se preocupam com o conteúdo, e não apenas com a forma."
De fato, a "forma" não era o forte dessas casas (com exceção do Dromedário, que era mais ajeitadinho). O Poeta Maldito era originalmente um cubículo tosco, e depois um casarão meio bizarro, com uma parede repleta de torneiras e uma exótica banheira lilás no seu banheiro unissex; O Dolores Nervosa, por sua vez, não tinha garçons e funcionava numa casa apertada, com paredes sem reboco, cadeiras feitas a mão e um balcão despojado. Só no Dromedário começou a aparecer o acurado senso estético que marcaria os empreendimentos futuros de Ieda Godoy.
O princípio
A história toda começou em 1991, quando Ieda conheceu Marcelo Borges que havia voltado de Londres e abrira o primeiro Poeta Maldito, na Alameda Cabral , Ângela Dal Molin e Leônidas Rodrigues, que se juntaram a ele no segundo endereço do bar, na Clotário Portugal. "Eu fazia Artes Cênicas na PUC e dava aulas para crianças na escola Palmares, e nas férias comecei a ajudar os três no bar", conta Ieda. "Mal o Poeta da Clotário abriu, o Marcelo se retirou da sociedade, porque ia se casar e ter o primeiro filho. Eu assumi o lugar dele, e nunca mais saí dessa vida."
Na Clotário Portugal, o Poeta Maldito só durou oito meses (até julho de 1992). Foi obrigado a fechar as portas por reclamações da vizinhança, prática recorrente em Curitiba. Dois meses depois, Ieda inaugurava o Dolores Nervosa na Avenida Vicente Machado. "Não tinha nada ali na época", recorda a empresária. "Lembro que fizemos uma vaquinha e demos uma linha telefônica no tempo em que isso valia algum dinheiro como parte do pagamento."
O Dolores Nervosa durou dois anos e, nesse meio tempo, virou lenda: a confluência de artistas e intelectuais, gente descolada, clima descontraído, shows, exposições e cerveja barata alimentaram o boca-a-boca, e em pouco tempo o bar explodiu. "Era genial, mas começou a atrair todo o tipo de gente. O bar estourou, a galera tomava a Vicente Machado. O sucesso foi tanto que começou a ficar assustador... a gente tinha a impressão de que ia perder o controle", revela Ieda. "O Dromedário foi uma tentativa de sair dessa loucura toda, triar um pouco o público e retomar a proposta original."
Os dois bares da Vicente Machado também inovaram ao investir na gastronomia. "A maioria dos bares na época só servia cerveja e amendoim. No Dolores e no Dromedário começamos a ter um cardápio mais elaborado... a gente que começou com essa história de banda em bar, de bar virar pista e de oferecer comida sem ser restaurante. A comida traz um afeto diferente, agrega as pessoas, acolhe, aconchega", resume a empresária.
Passados 20 anos, e depois de ter feito "mil coisas" abrir o Café Mafalda, organizar festas na Sociedade Vasco da Gama e na Portuguesa, lançar bandas como Gente Boa da Melhor Qualidade, El Merekumbé e Denorex 80, tocar o Wonka... Ieda garante que não faria nada diferente: "Interiormente as coisas não mudaram muito. Eu sempre fui muito passional, movida por uma força intuitiva que me faz tratar tudo de forma muito pessoal. Eu gosto do fazer com a mão, da coisa artesanal, porque é isso que gera a identidade do lugar. Um conceito só é real quando você acredita naquilo, e faz diretamente. Acho que é isso que me leva a continuar sendo tão fiel ao underground", conclui. Raciocínio que pode ser resumido em uma palavra: personalidade.
Serviço
- Festa 20 anos do Poeta Maldito ao Wonka- Sexta-feira, às 22 horas, no Wonka Bar (Rua Trajano Reis, 326)- Shows com Katie Fagotti e Fernando Mullich, interpretando Astor Piazzolla; Tom Waits, por André "El Sid" Osna; pocket show com Edith de Camargo, e DJ sets com Cláudio Pimentel (hits do Poeta), JC Branco (Dolores) e Sonderam (Dromedário). Exposição de fotos dos bares- Entrada a R$ 10 quem tiver sido frequentador de um dos bares e mandar um e-mail para iedawonka@gmail.com, fica isento da entrada- Informações: (41) 3026-6272, ou na página do evento no Facebook do evento
Interatividade
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