Ensaios
Pulphead O Outro Lado da América
John Jeremiah Sullivan. Tradução de Daniel Pellizari e Chico Mattoso. Companhia das Letras, 328 págs., R$ 49,50.
Dizer que Pulphead O Outro Lado da América é a primeira coletânea de quatorze ensaios publicados em várias revistas americanas e francesas escritos por John Jeremiah Sullivan, um jornalista de cerca de 40 anos, traduzido pela primeira vez no Brasil, e que tem sido aclamado pela crítica americana e britânica, é a minha obrigação como repórter.
Falando como leitor, porém, posso dizer sem medo que os textos de Sullivan são a melhor novidade surgida na área da reportagem em primeira pessoa e no ensaio de comportamento social em muitos anos. Tudo aliado a um gosto pelo detalhe e pelo inusitado digno dos grandes autores de ficção.
Uma mistura que tem sido exaustivamente tentada com poucos casos de sucesso tantos se arriscam no terreno da grande reportagem gonzo que a palavra já está gasta e a paciência para este tipo de texto quase esgotada.
No caso de Sullivan, porém, os ensaios unem uma curiosidade impertinente à rigorosa apuração de fatos e contexto histórico, próprias dos repórteres excelentes, a um texto corrosivamente irônico, reflexivo e estupidamente bem escrito.
Os temas percorridos pelos ensaios/reportagens vão do banal ao bizarro e servem para mostrar um lado da sociedade americana que nós sabemos que existe, mas raramente podemos visitar. Sullivan viaja, por exemplo, ao "Woodstock" do rock cristão, em que convive com um grupo de jovens toscos da Virgínia Ocidental, muito diferentes dos garotões descolados de Nova York que vemos em filmes e séries de tevê.
Ele também acompanha de perto os bastidores das gravações de de um reality show da MTV descrito com um misto de sarcasmo cruel e um certo carinho, num dos textos mais divertidos do livro.
Há ainda ensaios sobre Michael Jackson, sobre a decadência de Axl Rose e os anos 80 e também um encontro esfumaçado com Bunny Wailer, o último remanescente da banda de Bob Marley na Jamaica. Sem falar em textos sobre geologia, botânica e poetas obscuros.
No fim, há um intrigante ensaio sobre o futuro da humanidade. Os prognósticos não são os melhores, mas o texto é arrebatador.
Lendo as críticas de jornais ingleses e americanos sobre Pulphead não raro encontramos comparações com nomes como os de Tom Wolfe, David Foster Wallace ou Hunter S. Thompson.
De minha parte, prefiro ressaltar uma característica peculiar de Sullivan, que é a de buscar um oco mais inusitado das experiências em que se intromete e a capacidade de olhá-las de cima sem julgá-las, tentando se igualar mental e fisicamente à ação.
Como exame da bagunça da identidade atual americana, Pulphead é indispensável.