Carolina Sá encontrou uma forma original de levantar uma ponte entre o presente e o passado de sua família. Construção, filme de estreia que anuncia o surgimento de uma realizadora bastante sensível, fala da experiência de levar primeira vez a filha Branca, então com 3 anos, a Cuba, país do pai da criança, o músico René Ferrer. Lá, a menina conhece o meio-irmão, a avó e, sobretudo, as cores, os cheiros e os sons de sua terra ancestral. O documentário serve também e principalmente como uma espécie de busca pelo entendimento da figura do pai de Carolina, o arquiteto e cronista Marcos de Vasconcellos, que faleceu em 1989, aos 55 anos.
Escritor e arquiteto inquieto no Rio de Janeiro dos anos 1960, e amigo próximo de ícones da época, como Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Vasconcellos morreu cedo, quando Carolina estava no início da adolescência, mas deixou um legado singular: dezenas de filmes caseiros, cartas e textos, muitos publicados pelo jornal O Globo. Nesse material, registrou os principais eventos de sua vida e suas reflexões sobre temas variados, que vão do amor ao urbanismo. Ironicamente, a documentarista tinha do pai não muito mais do que esse verdadeiro arsenal de imagens e palavras, uma vez que seu convívio com Vasconcellos foi muito limitado.
"Meus pais se separaram quando eu era muito pequena e, quando eu tinha 10 anos, nós brigamos e passamos a nos ver muito pouco", conta Carolina. Mas Construção, mais do que uma carta cinematográfica ao pai, é uma proposta audiovisual ambiciosa que pretende estabelecer um paralelo entre a arquitetura, o ofício paterno, e a "edificação" de laços que dão sentido à vida, como os vínculos afetivos familiares, o apego do homem a sua casa e a relação de pertencimento que o indivíduo estabelece com a cidade e o país onde vive. Faz sentido.
Essencial
Uma vez que Branca é filha de um cubano, que nem sequer havia tido permissão para viver no Brasil quando a diretora ficou grávida, levá-la a Cuba para que se familiarize com o país onde o pai nasceu e cresceu é algo, diz, a documentarista, essencial para a construção da identidade da menina. Da mesma maneira como se tornou fundamental para ela mergulhar em tudo que Vasconcellos deixou como herança para seus filhos, que mal conheceram o arquiteto em vida.
Construção, por ser um filme íntimo e muito pessoal, não é um documentário palatável a para quem busca explicações didáticas e respostas definitivas. Carolina foi modelo, VJ da MTV e conheceu o marido quando dirigiu, para o canal GNT, a série Música Libre, sobre a produção sonora do Caribe. E não quis com seu filme recorrer à linearidade ou ao didatismo, mas, sim, desenvolver uma tese, a de que laços afetivos familiares e de pertencimento são construídos, assim como casas e cidades. Por isso, muitas perguntas do público ficam sem respostas algo que é ao mesmo tempo incômodo e instigante.
Roteirizado por Carolina e Frederico Coelho, que se debruçaram por muito sobre o todo o material deixado por Vasconcellos, Construção também é fruto de um interessante trabalho de edição de Marília Moraes, no qual imagens do presente e do passado se entrelaçam e dialogam entre si dentro da complexa proposta de Carolina. Resulta em um filme emocionante.
O repórter viajou a convite da 35ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
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