Um espetáculo em homenagem a Chico Buarque é suspenso após a plateia reagir a um comentário improvisado criticando a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. Uma editora recusa a publicação de um romance que narra episódios ligados a política pelo risco de engrossar o movimento pró-impeachment. Artistas lançam manifestos em defesa do governo e expõem abertamente esse posicionamento político em seus trabalhos. Sinais de que a arte brasileira está se tornando menos crítica e mais “chapa branca”?
Durante muitos anos, a arte em suas diferentes expressões foi uma forma de expor a insatisfação com o cenário político. Exemplos disso são os festivais de música das décadas de 1960 e 70 e o jornal semanário O Pasquim, que combatiam a ditadura militar através de canções com teor político ou do humor. Mesmo nas décadas de 80 e 90, após a abertura, programas humorísticos de TV como os de Jô Soares e Chico Anysio, ou o “Casseta & Planeta”, não poupavam o governo.
Acho que a arte tem mais impacto quanto mais é difícil de decifrar o posicionamento político do artista – ainda mais nesse tempo em que todo mundo está merecendo apanhar
Colunista da revista Época e do jornal O Globo, Guilherme Fiuza ainda faz parte dessa tendência. Ele lançou recentemente o livro “Que Horas Ela Vai?”, segunda coletânea de crônicas em que aborda com humor o que chama de “tragédia” do governo Dilma. Para o escritor, está faltando crítica ao meio humorístico. “Tem bons humoristas que acham que a graça é ser de esquerda, então ficam ciscando ali na maioridade penal, na polícia, no Bolsonaro – enquanto os heróis progressistas deles depenam o país”, diz.
Entre os cartunistas, Arnaldo Branco faz parte do time que não escolheu lado e satiriza em seus trabalhos tanto “coxinhas” como “petralhas”. Para ele, não foi a postura dos artistas que mudou. “Artistas conservadores apoiam governos e candidatos conservadores, e artistas de esquerda [a maioria] apoiam governos e candidatos de esquerda. O que mudou foi o governo [faz algum tempo, é verdade], ou a noção do que é considerado de esquerda” diz.
Há seis anos, o PT ameaçou processar criminalmente Nani Lucas por uma charge na qual representava o partido como uma prostituta. A ameaça não se concretizou, mas na avaliação dele, serviu para mostrar a “falta de humor” do partido. “O momento está muito complicado, até para nós que temos uma antena para ver onde os outros não veem. Respeito quem defende seu lado, eu não sou partidário, nunca fui. Não falo do Buarque de Holanda, mas humor que bate em Chico, bate também em Francisco”.
Tempos são outros, dizem defensores do governo
Entre aqueles que assumiram uma postura em defesa do atual governo, a opinião é de que não se trata de “chapa-branquismo”, mas de uma conjuntura diferente. Andrício de Souza, autor de uma série de cartuns protagonizada por Lula e Dilma intitulada “O Góupe”, aponta mudanças em relação às décadas anteriores, quando artistas faziam oposição majoritariamente.
Tudo é político. Até se você fizer uma charge sobre uma pedra vai estar falando do homem, que é a referência. Creio que a função social do chargista é usar seu talento para mostrar as coisas, boas ou ruins, de maneira crítica, divertida e dando alternativa de raciocínio
Nani Lucas, cartunista
“Antigamente havia um governo totalitário, e os artistas iam contra o governo totalitário; hoje há um governo popular que querem derrubar, e os artistas não querer que derrubem”, afirma Andrício, lembrando que há artistas que “querem que a Dilma morra”, como Cláudio Botelho, ator que criticou os petistas no espetáculo “Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos”.
O gaúcho Allan Sieber também tem manifestado em suas charges um posicionamento político em defesa da manutenção do governo Dilma. Ainda que acredite que a charge “tem que ser contra alguma coisa, de preferencia quem está no poder”. “Eu não defendo exatamente o governo, eu defendo a impossibilidade de uma turma de ressentidos que perderam uma eleição inviabilizar um pais na base da truculência”, argumenta. AG