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As botas enterradas no sal integram o pavilhão de Israel, um dos destaques da Bienal de Veneza deste ano: pluralismo de identidades que convivem na globalização | Fotos: Divulgação
As botas enterradas no sal integram o pavilhão de Israel, um dos destaques da Bienal de Veneza deste ano: pluralismo de identidades que convivem na globalização| Foto: Fotos: Divulgação
  • No espaço dedicado aos Estados Unidos, uma mistura de esteira ergométrica e tanque de guerra
  • Christian Marclay, criador de The Clock, Leão de Ouro de melhor artista

Veneza, Itália - É uma longa história, tradicionalmente rica e polêmica, a desta olimpíada que reúne, a cada dois anos, a fina flor da arte mundial. Este ano, a Bienal de Veneza de numero 54 cresceu ainda mais e bateu o recorde de países participantes, com um total de 89 nações de todo o mundo que propõem as mais diversas identidades artísticas. Além do crescimento numérico – e também de visitantes durante os primeiros noventa dias –, deve-se levar em conta que o evento ocorre em meio a uma crise global da qual a arte parece conscientemente não querer sair. Inclusive o título que o batiza, Iluminazioni (trocadilho, em italiano, das palavras "iluminação" com "nações"), pretende jogar mais luz sobre inquietantes questões políticas e sociais, ao mesmo tempo em que oferece propostas banais que permanecem não mais que segundos na retina, como mera descoberta lúdica e ilusória. E instantaneamente descartável.

Este formidável encontro da arte está acontecendo primordialmente em duas áreas que se complementam. Nos amplos espaços verdes dos Giardini se concentram os 28 pavilhões internacionais permanentes que representam 30 países, Brasil incluído desde 1964 – este ano a obra escolhida foi a do luso-brasileiro Artur Barrio. E a mais ou menos trezentos metros dali estão as imponentes estruturas de concreto do Arsenale, onde a partir do século 12 a cidade construía suas naves de guerra e consolidava o amplo domínio no Mar Adriático. Há ainda um respeitável sortimento de propostas colaterais, alocadas ou em centenários palácios espalhados por toda Veneza ou a céu aberto, como um canteiro de arte. Nesses pontos estão os países que não têm pavilhão e outros incorporados recentemente.

Os pavilhões em Giardini são diferentes entre si. Além disso, as propostas de cada país são díspares e o resultado final consegue, somente em alguns casos, um diálogo coerente. Mas é precisamente isto o que a Bienal reivindica: mostrar a realidade do mundo atual como um pluralismo de identidades que convivem no global mediante o discurso entre artistas, nações e movimentos do mundo da arte. Os destaques nestes limites são Suiça, Estados Unidos, Hungria e Israel.

Central

Em outras palavras, "iluminar os visitantes" foi o que pretendeu em 2011 a curadora-geral, a alemã Bice Curiger. Este conceito está mais visível no enorme edifício central do Arsenale, onde 83 artistas de todas as partes trouxeram suas contribuições ao tema. Apesar de muita luz natural utilizada, no geral a proposta se localiza entre luzes e sombras. É um grande cenário no qual a diversidade às vezes tangencia o espetáculo, outras vezes flerta com a crítica ou carrega as tintas (ou materiais diversos) na denuncia brutal. Há a "anti-exposição", a radicalidade do "ready made", a estimulação multimídiatica, a cópia, a paródia e uma coleção de ofertas a serem descobertas – umas a merecer mais tempo e carinho na contemplação, outras buscando o rápido esquecimento. De todo modo, qualquer reducionismo pode ser perigoso entre tantas provocações.

A exemplo da Mostra de Cinema, um júri internacional outorga prêmios aos destaques da Bienal, estatuetas na forma dos mesmos leões alados, o emblema da Sereníssima, como se tornou conhecida Veneza ao longo de um milênio de supremacia econômica e militar, encerrado em 1797. Este ano o Leão de Ouro de melhor participação nacional foi para o pavilhão da Alemanha, no qual o destaque é a obra de Christoph Schlingensief, morto no ano passado. Ele conseguiu unir, na estrutura de uma igreja, a iconoclastia do cineasta Rainer Fassbinder com a paixão corpórea de outro diretor radical, Peter Greenaway. O Leão de Ouro pela carreira, ex-aequo, foi entregue à legendária artista norte-americana Sturtevant, 81 anos, especialista em clonagem de obras de arte, e ao escultor Franz West, hoje mais preocupado com colagens e instalações.

Unânime

Acima de todo este universo multifacetado e caleidoscópico, porém, pairou uma unanimidade. Consagrado com o Leão de Ouro como melhor artista da mostra Iluminazioni, o suíço-americano Christian Marclay, 56, o mais completo artista visual contemporâneo, conseguiu a proeza de conciliar o rigor do júri oficial com o prazer descompromissado do publico visitante. The Clock marca o apogeu da pesquisa do artista sobre o conceito pós-moderno do tempo. É sem hesitação uma obra-prima, composta por um vídeo-colagem com 24 horas de duração, construído de milhares de fragmentos da história do cinema e da televisão que retratam a passagem do tempo. Os miniclipes colados partem de uma infinidade de filmes de todos os gêneros, épocas de realização e nacionalidades, clássicos, famosos ou obscuros, num processo de montagem aparentemente arbitrário.

Mas o conjunto acaba sendo harmonioso. A maioria dos trechos dura apenas segundos, alguns levam minutos. A hora de cada situação narrada (e mostrada por relógios sempre presentes em cada plano) coincide com a hora real do relógio do espectador que está na sala da Bienal assistindo a projeção. Não é apenas muito engenhosa, a ideia de Marclay, mas uma ousadia artístico-filosófica que joga com as fronteiras do tempo e com as possibilidades de uma interação dramatúrgica entre passado e presente, de um diálogo coerente e emocionante entre a obra de arte e seu destinatário natural: o público.

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