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Morais "venceu" enquanto biógrafo por aliar pesquisa consistente com texto de qualidade.
Olga, que saiu originalmente em 1985, conquistou os leitores brasileiros, efetivamente, em 1993, depois de ser editado pela Companhia das Letras.
Em 1994, saiu Chatô, o Rei do Brasil obra imprescindível para entender o Brasil, a partir da trajetória do magnata das comunicações Assis Chateaubriand.
Biógrafo alquimista
Em O Mago, publicado este ano, Morais se revelou um verdadeiro alquimista: fez de Paulo Coelho algo interessante, do ponto de vista literário.
A trajetória trágica de Paulo Coelho é mais fascinante do que tudo o que o autor de O Alquimista escreveu até hoje. Coelho levou choques elétricos, flertou com o satanismo, colecionou namoradas (mantendo mais de uma ao mesmo tempo durante anos). Essa vida, narrada por Morais (e aqui cabe o elogio ao biógrafo), seduz o leitor.
O único senão é que parece que Morais se "apaixonou" (demais) pelo personagem Paulo Coelho. Mas biógrafo apaixonado por biografado não é um crime inafiançável pelo menos, se o resultado tiver qualidade.
E qualidade de texto é marca registrada de Fernando Morais.
A biografia, os fatos apontam, é mais do que um gênero um filão do mercado editorial (brasileiro e mundial). Em anos recentes, o hábito de ler obras que tratam, e traçam, a trajetória de personalidades entrou no gosto do leitor. Basta que uma pessoa se diferencie em meio à multidão para que, de certa maneira, ela se candidate a ser biografada. Do astro da música ao atleta, do bem-sucedido empresário ao recordista de sabe-se lá o quê. E, nesses trópicos e paralelos brasileiros, um dos autores mais importantes do segmento é o jornalista Fernando Morais, 62 anos.
Ele esteve em Curitiba nesta semana para participar de um bate-papo e autografar o seu mais recente livro, O Mago, a biografia de Paulo Coelho lançada em maio, pela editora Planeta, e que já contabiliza mais de 100 mil exemplares comercializados. Anteriormente, Morais já havia produzido outras biografias que se tornaram marcos do Brasil editorial, a exemplo de Chatô, o Rei do Brasil (sobre o empresário de comunicação Assis Chateaubriand) e Olga (a esposa militante de Luis Carlos Prestes) esta, inclusive, adaptada para o cinema por Jayme Monjardim. O biógrafo conversou com a reportagem da Gazeta do Povo e comentou alguns aspectos de seu ofício.
Vivos e mortos
Há, obviamente, uma ( imensa) diferença entre biografar Paulo Coelho e Assis Chateaubriand e/ou Olga. O primeiro está vivo e os outros dois, mortos. Morais afirma que elaborar uma biografia sobre uma pessoa viva é um desafio mais interessante. O caso de Paulo Coelho é exemplar. O biógrafo passou os últimos quatro anos envolvido com o autor de O Alquimista. "Ao conviver com o biografado, tenho acesso a milhões de pequenos detalhes, manias, por exemplo, que ajudam, e muito, na 'confecção' da biografia."
Morais enfatiza que, se tivesse convivido com Assis Chateaubriand e Olga, seguramente, as biografias sobre as duas personalidades teriam sido bem mais completas. "Para ter acesso a informações sobre Olga, tive de viajar até a Alemanha Oriental e entrevistar pessoas que conviveram com ela. Eu queria saber que roupa ela usava em determinada ocasião, pois tal detalhe sempre é revelador de algo." Em relação a Assis Chateaubriand, ele teve de obter dados como os tipos de roupas que o empresário usava, ternos brancos, por exemplo. "Isso enriquece a biografia, mas é trabalhoso."
Os riscos da convivência
Mas biografar alguém vivo também tem lá as suas desvantagens: e se o biografado manipular o biógrafo? "O risco existe. No meu caso, o traquejo do jornalismo, a experiência, me ajuda (a não ser manipulado)." Durante uma temporada, Morais conviveu com Paulo Coelho diariamente das sete da manhã à meia-noite. "Ele (Paulo Coelho) até poderia tentar, mas é impossível 'representar' um personagem por tanto tempo assim." Morais ainda comenta que, ao invadir a intimidade de uma pessoa, o biógrafo inevitavelmente vivenciará um conflito ético. "Há informações que não precisam ser reveladas. Mas há outros dados, muitas vezes 'delicados', que deverão ser utilizados no livro, mesmo que com isso se desnude o biografado."
Imprensa
Jornalista, vencedor em três ocasiões do Prêmio Esso e quatro do Prêmio Abril, Morais atuou em diversas redações e a partir dessa quilometragem tem algo a dizer a respeito da imprensa brasileira. "Hoje, o pior exemplo de jornalismo é a Veja. Essa revista não informa, quer convencer e, em geral, insulta." Como contraponto, cita as revistas Caros Amigos e Carta Capital, como práticas de jornalismo "sadio". "As biografias também podem ser entendidas como exemplos de grandes reportagens, com tempo para pesquisa e produção de texto."
Letargia
Morais, que também foi deputado estadual em São Paulo durante dois mandatos (oito anos), critica tanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como o presidente Lula. "Por motivos opostos, os dois deveriam investir em educação e acabar com o analfabetismo. O FHC, por ser letrado, e Lula, por representar o outro extremo (não-letrado). Nenhum dos dois fez nada, de efetivo, pela educação." Ele é filiado ao PMDB, mas se diz insatisfeito com o partido, que virou uma geléia geral. "Em cada canto do país, o PMDB é de um jeito. Perdeu a identidade." Ele diz não se desfiliar apenas por "pura" inércia.