Serviço
O Mapa e o Território
Michel Houellebecq. Tradução de André Telles. Record, 400 págs., R$ 49,90. Romance.
Quem começar a ler o novo romance de Michel Houellebecq, O Mapa e o Território, e se estender na leitura por boas páginas vai, eventualmente, se indagar porque o escritor francês, depois de ficar cinco anos sem publicar um romance, inicia a saga do fotógrafo e pintor Jed Martin falando do agonizante boiler de seu apartamento. A referência realmente não faz tanto sentido até percebermos aquele que é um dos focos principais do autor: a ruína do artista, vítima da própria arte.
Seguindo o estilo inconfundível do autor, que separa bem a construção do passado dos personagens, longas descrições e narrativa presente propriamente dita, O Mapa e o Território conta como Martin, outrora um promissor pintor de retratos, que abandona a carreira para fotografar mapas Michelin da França, na aclamada exposição O Mapa É Mais Interessante do Que o Território. Apesar do sucesso, Martin, num arroubo de loucura, queima todo o seu trabalho e resolve começar do zero como responde o que é ser artista em entrevistas: "antes de tudo é ser alguém submisso. Submisso a mensagens misteriosas, imprevisíveis, (...) que nem por isso deixam de governar de maneira imperiosa (...) Essas mensagens podiam implicar a destruição de uma obra, até mesmo de um conjunto inteiro de obras, para enveredar numa direção radicalmente nova (...) ou até sem nenhuma direção." É quando volta a fazer retratos expressivos de "profissões simples", pintando professores, empresários e um escritor nada menos que o autor do romance, Michel Houellebecq.
Jed Martin e Houellebecq passam a se relacionar. Compartilhando as mesmas visões sobre arte (aliás, essa é uma constante nos livros do escritor: não há divergência de opiniões), Houellebecq consegue, pelo menos ficcionalmente, algo próximo de um amigo provavelmente uma brisa de ar fresco para um dos escritores mais odiados da França, acusado, não sem razão, de misoginia, racismo e um toque de antissemitismo. Munido de uma desfaçatez sem paralelos na literatura, o autor faz rir ao tratar de si próprio, ao mesmo tempo tão cheio de si e tão claramente decrépito e decadente. Um fator positivo que contribui para o entretenimento proporcionado pelo livro.
É aí que as coisas começam a degringolar afinal, nenhum livro de Houellebecq é feliz do começo ao fim. A exposição de Martin em que consta o retrato do escritor acaba se tornando um sucesso de crítica, e seus quadros passam a valer milhões de euros. O pintor então se vê sem outra saída a não ser aceitar ser tragado pelo próprio sucesso e estagnar-se criativamente até um acontecimento surpreendente, decorrente de sua fama, mudar sua vida por completo. E é aí que, em dado momento do livro, o leitor se depara com Jed Martin conversando com seu boiler velho, no ápice de sua isolação artística e percebe que, de certa forma, o sucesso e a unanimidade artística equivale quase instantaneamente à sua morte.
O Mapa e O Território guarda diversas semelhanças com outros livros de Houellebecq: a busca pela figura materna, como em Partículas Elementares, o sucesso profissional que equivale à ruína pessoal, como em Plataforma e A Possibilidade de Uma Ilha e uma crítica à sociedade de consumo, ao mercado da arte e à comunidade europeia. Contudo, a idade parece ter amolecido a fúria do autor, que já não é mais tão contundente e ácido quanto antes, e aposta muito mais em um humor triste para o sucesso de seu romance. Talvez tenha sido essa a razão de, pela primeira vez, ele ter conquistado um prêmio Goncourt. GGGG
-
Escola Sem Partido: como Olavo de Carvalho, direita e STF influenciaram o fim do movimento
-
Igreja e direita francesa criticam cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos
-
“Quando Maduro fala é crítica, quando eu falo é crime?”, diz Bolsonaro após ditador questionar urnas
-
Dois cientistas católicos históricos que vale a pena conhecer
Deixe sua opinião