Roberta Sá com o Trio Madeira: trançado equilibrado entre o instrumental e os vocais| Foto: Divulgação

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Uma eleita do cancioneiro de Roque Ferreira, gravado em Quando o Canto É Reza por Roberta Sá e Trio Madeira

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"Zambiapungo": mais significativa do álbum por imergir na cultura negra, com letra que alude ao rei do quilombo e do Congo. O arranjo dinâmico contrapõe silêncio e ao som forte das cordas, com intrusões de bandolim. O resultado é dos mais emotivos do discos.

Trecho:

"Quem de tempo será tem de ser/ Tempo me temperou com dendê."

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Roberta Sá pôs os dois pés na Bahia de Roque Ferreira. Acompanhada por Marcello Gonçalves, o homem do violão de sete cordas do Trio Madeira, viajou primeiro a Salvador e seguiu até o Recôncavo Baiano para visitar a cidadezinha de Nazaré das Farinhas, o berço do compositor ao qual ela o trio dedicam o disco Quando o Canto É Reza (Universal Music).

Queriam compreender, o mais que pudessem, o imaginário derramado por Roque Ferreira em suas canções. Sambas de roda ricos em referências ao candomblé e à cultura negra. Só depois de passar por aquela paisagem rural de casas pintadas de rosa e azul, ruas de paralelepípedo, igrejas, rio e mata, o repertório do álbum começou a se formar.

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Antes de entrar no estúdio, ainda, Roberta e Trio Madeira testaram o cancioneiro do baiano em alguns shows, e desistiram da intenção inicial de se fixar em inéditas. Não resistiram aos apelos de "A Mão do Amor", que Maria Bethânia incluiu como citação no disco Tua. Nem a "Água da Minha Sede", gravada antes por Zeca Pagodinho – mas trocaram o carioquismo dele por uma versão mais lenta, entre o maracatu e a ciranda, valorizando as cordas e a percussão tanto quanto o canto.

O trançado equilibrado entre o instrumental e os vocais é uma das características mais fortes do projeto. A voz de Roberta Sá foi pensada como um instrumento a mais, a compor a banda, sem a diferenciação de altura que se acostuma ouvir na música pop. "Para mim, é interessante experimentar um jeito novo de cantar", diz a moça, em entrevista por telefone à Gazeta do Povo. "As músicas pediam um canto mais aberto, forte e despreocupado com afinação."

Roberta não pensa Quando o Canto É Reza como um disco solo. A presença do Trio Madeira, de fato, é fundamental. A eles – Ronaldo do Bandolim, Zé Paulo Becker (violão) e Marcello Gonçalves – cabe a beleza dos arranjos e a simplicidade elaborada entre o popular e o erudito.

Pelo que ela mesmo diz, trata-se de um aparte na obra consistente que vem construindo desde 2005, quando lançou o CD Braseiro. E que tem reafirmado: em 2007, com Belo Estranho Dia de Amanhã, e em 2009, com o DVD Pra Se Ter Alegria, sempre atenta aos bons jovens compositores da música popular brasileira. Um próximo álbum-solo de estúdio fica adiado, mas não muito: ela calcula que, se normalmente sairia em 2011, com o lançamento de Quando o Canto É Reza, demorará uns seis meses a mais.

Na contramão da pluralidade autoral dessa linha-mestra da carreira de Roberta, o novo disco enfrenta o desafio de não soar uniforme demais, tendo se centrado em um trio de músicos e, sobretudo, em um único compositor. A ordem, então, foi mostrar o universo dele da maneira mais ampla possível.

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O repertório contempla algumas canções antigas, retiradas das fitas de Roque Ferreira, e outras recentes, como as parcerias com Pedro Luís, "Mandingo" (já gravada pela banda Pedro Luís e a Parede), e com Zé Paulo Becker, "Zambiapungo".

Se o nome da música causa estranhamento, não é caso isolado. No vocabulário de Roque Ferreira figuram palavras que soam estrangeiras ao menos nesse canto sul do país. Zambiapungo significa "deus supremo do Congo", explica o glossário que logo estará disponível aos ouvintes no site do projeto.

Roberta se preocupou acima de tudo com a dicção dos versos. "As palavras são muito específicas, queria que as pessoas entendessem as letras. O resto foi sentimento e alegria", diz.

Indagada sobre o regionalismo desse repertório, Roberta comenta que, se para a repórter curitibana soa regional, para a baiana com quem conversara minutos antes o disco parecera "suave". "É engraçado o entendimento nas diferentes parte dos Brasil", diz.

Nascida no Rio Grande do Norte, ela partilha com o compositor a infância no interior. Seu encantamento maior, diz, veio justamente das imagens criadas pelas letras, que a remetem às suas primeiras impressões de música e paisagem. "Eu me sinto muito à vontade nesse ambiente. Não nasci urbana, a vida me fez uma pessoa urbana porque vim morar no Rio de Janeiro com 9 anos."

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O show de Quando o Canto É Reza, com Roberta Sá e o Trio Madeira, estreia dia 27 de agosto, no Teatro Castro Alves, em Salvador. Resta esperar se chegará a Curitiba, o que não aconteceu com Belo Estranho Dia de Amanhã nem com Pra Se Ter Alegria, ainda em turnê, até agora.

Serviço:

Quando o Canto É Reza, de Roberta Sá e Trio Madeira. Universal Music, preço médio: R$ 24,90. MPB.