Filme
Good Ol FredaRyan White. Documentário. Netflix.
Os garotos mais famosos de Liverpool eram cinco, caso o mágico produtor George Martin entre na conta. Ou seis, vá lá, se justiça for feita às apostas do empresário Brian Epstein. E agora podem ser sete, já que arrancaram Freda Kelly do armário. Aos 68 anos, a senhora boa de prosa e riso fácil, ex-secretária dos Fab Four e criadora do fã-clube da banda, é o último satélite descoberto entre os muitos que orbitaram o planeta chamado The Beatles.
A britânica vive tranquilamente em Wirral, nordeste da Inglaterra, e virou tema de um documentário de Ryan White lançado oficialmente no festival South by Southwest, ano passado, e no Brasil agora, via Netflix. Cativante devido à história peculiar que relembra, e saboroso por causa de seu intrínseco humor britânico, Good Ol Freda é um registro de uma celebridade em potencial que renegou sua fama porque foi eternamente fiel a seus "patrões," os músicos mais famosos do mundo.
Freda conheceu os Beatles em 1962, no Cavern Club, em Liverpool. Como todos naqueles dias, gastou o gogó cantando "Love Me Do". A garota assistiu a 190 dos 294 shows que o grupo fez no bar de Liverpool, cujo cheiro, ela lembra, era uma mistura de "suor, desinfetante e frutas podres". De fã, virou amiga. De amiga, funcionária: foi quando resolveu usar suas técnicas de datilografia a serviço da banda.
A jovem, então com 17 anos, foi aos poucos destrinchando a personalidade de seus quatro melhores amigos. Depois do trabalho no escritório de Epstein, Freda pegava carona com George, "o mais pensativo". Com Paul, "você podia contar sempre, ele era o bonzinho do grupo". "Ritchie", lembra Freda, estava sempre rindo. E John era um homem de humor instável. "Ele tinha seus momentos, mas havia um lado afetuoso muito grande", afirma ela no documentário. A única pergunta que se recusa a responder é se "namorou" com algum deles. "Essa eu passo."
Cabelo e fronha
Com o lançamento do single "Please Please Me", em 1963, a banda atingiu a primeira posição das paradas britânicas, e o trabalho de Freda virou uma bola de neve. Em meio às atividades do fã-clube que criou, era dela a responsabilidade em responder até 800 cartas que chegavam por dia à banda pobre Ringo, que "recebia pouquíssimas". Nos envelopes, pedidos estapafúrdios, como mexas de cabelo dos ídolos sim, ela estava presente na hora em que os Fab Four davam um tapa nas madeixas e objetos estranhíssimos, como uma fronha que George recebeu, para que dormisse nela por uma noite e propiciasse "um sonho eterno" a uma de suas fãs depois que o mimo bizarro fosse devolvido.
Anonimato
No sótão da pequena casa onde mora, Freda guarda algumas relíquias, como as edições da Beatles Monthly, revista mensal que editava, repleta de notícias "impactantes" sobre aqueles protótipos de celebridades. "Não sou obcecada por dinheiro. Só tenho o que preciso", diz no documentário a "boa e velha Freda", maneira como os Beatles se referiram a ela em uma gravação natalina de 1963.
Freda esteve junto aos Beatles do começo ao fim. Só deixou de secretariar quando o grupo acabou, em 1970. Também ficou íntima da família dos músicos, como descreve Angie, madrasta de Paul McCartney. "Os Beatles a viam como uma irmã. E suas famílias, como uma filha". Se pensarmos na trajetória da maior banda de rock de todos os tempos, a história de Freda é de uma significância histórica extrema e, seu anonimato até agora , um milagre.
E, pelo jeito, tudo vai continuar como está. "Se encontrasse Paul ou Ringo hoje, não me imagino histérica ou prestes a desmaiar. Perguntaria: Você quer uma xícara de chá"?
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