Johnny Cash: morto em 2003, músico teria completado 78 anos no mês passado| Foto: Fotos: Divulgação

Antes de morrer devido às sequelas de uma doença degenerativa, em 2003, o cantor, compositor e músico norte-americano Johnny Cash teve uma, ou melhor, sete vidas de gato. Quase não passou da infância devido a uma desnutrição severa; já famoso, foi viciado em anfetaminas durante anos e escapou inúmeras vezes de acidentes automobilísticos e até de um incêndio em um parque florestal causado por ele mesmo. Nos anos 80, resolveu criar avestruzes e teve o abdômen rasgado por um deles que, novamente, quase o matou. Nessa mesma década, por pouco não foi vítima de um outro tipo de morte, a artística, quando rompeu contrato com sua antiga gravadora Columbia e passou anos no anonimato.

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Seu renascimento deu-se graças à descoberta de um público mais jovem para suas canções, proporcionada pela gravação dos vocais de "The Wanderer", faixa do álbum Zooropa (1993), da banda U2 e à amizade com o produtor nova-iorquino Rick Rubin. Dono do selo American Recordings, Rubin procurou Cash em 1994 para a gravação do que viria a ser uma série de álbuns de releituras. O primeiro, batizado com o mesmo nome da gravadora, teve seu repertório selecionado pelo produtor e incluía canções de Leonard Cohen, Tom Waits e até da banda de heavy metal Danzig, gravadas por Cash na sala de estar de sua casa. O resultado da empreitada foi um Grammy de melhor álbum folk e o retorno definitivo do lendário ícone country aos holofotes.

Morte musicada

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Marcadas pelo tom sombrio, reflexivo e melancólico, as canções selecionadas para os álbuns da série American (foram seis, ao todo), especialmente após o terceiro, de 2000, seguido do diagnóstico da doença que tiraria a "última vida" de Cash, traziam um tema recorrente: a morte. No último disco da sequência, o recém-lançado American VI: Ain’t no Grave, ainda inédito no Brasil, não é diferente. Segundo disco póstumo do músico, o trabalho é uma homenagem aos 78 anos que Johnny teria completado no mês passado, caso ainda estivesse vivo.

Suas dez canções são sobras das sessões de gravação de American V: A Hundred Highways (2006), interrompidas pela morte de June Carter, esposa de Cash há 35 anos e o grande amor de sua vida. Três meses após gravá-las, Johnny se uniria a June, como no final do filme que retrata o conturbado romance do casal, lançado em 2005. Portanto, separe a caixa de lenços de papel – American VI é uma despedida singela, comovente e dolorosa.

Em luto pela esposa e consciente de que ele mesmo estava em seus últimos dias de vida, Cash selecionou um repertório em grande parte composto por canções tradicionais do folk, country e gospel. A começar pela faixa de abertura, "Ain’t No Grave", de Brother Claude Ely, em que ao som de correntes arrastando, Cash resiste: "Não há cova que possa manter meu corpo debaixo da terra". Para sua musa, June, ele grava "For the Good Times", de Kris Kristofferson ("Não fique tão triste / Eu sei que acabou / Mas a vida segue / E esse velho mundo continua girando").

A despedida também dá o tom de "I Don’t Hurt Anymore" (popular na voz de Hank Snow), "Wonder Where I’m Bound" (releitura de Tom Paxton) e o grand finale "Aloha Oe", com guitarra havaiana gravada por Cowboy Jack Clement. Originalmente escrita pela rainha havaiana Queen Lili’uokalani, em 1870, a faixa ficou famosa ao ser interpretada por Elvis Presley no filme Feitiço Havaiano (1961). Na plenitude de sua doçura, Cash encerra seu último disco e a série de álbuns que lhe devolveu a vida de forma tranquila e serena, após gravar dezenas de canções em que quase era possível ouvir o som do primeiro punhado de terra caindo sobre seu caixão. O que se ouve aqui é o som da eternidade de sua voz, de sua alma e de sua obra. GGGGG

Serviço:

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American VI: Ain’t No Grave, Johnny Cash. American Recordings/Lost Highway. Importado. Preço médio: US$ 12. Country/Folk/Gospel