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São Paulo – Se estivesse vivo, Angenor de Oliveira teria completado 98 anos no último dia 11 de outubro. Infelizmente, o Brasil teve de se acostumar a viver sem a arte de Cartola desde 1980, quando o compositor carioca morreu de câncer, deixando para a posteridade uma obra irrepreensível de sambas sem os quais a nossa música popular com certeza seria bem mais pobre.

"As Rosas não Falam", "O Mundo É um Moinho" e "Basta de Clamares Inocência" são apenas três títulos entre tantas canções imortais do compositor mangueirense que, às vésperas de ter seu centenário comemorado, já começa a receber homenagens aqui e ali. Uma das mais significativas integra a seleção da 30.ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

O documentário Cartola, dos pernambucanos Hilton Lacerda e Lírio Ferreira, está à altura do homenageado. É um filme delicado, inventivo e, sobretudo, informativo sobre uma figura que, em vida, não teve o reconhecimento que merecia. Essa "injustiça", contudo, não parecia incomodar o compositor, garantem os realizadores.

Os diretores contaram, em entrevista exclusiva ao Caderno G, que o sambista não amargava o fato de só ter sido descoberto e gravado seu primeiro LP no fim da vida, já com mais de 60 anos. "Ele estava feliz, orgulhoso e não guardava ressentimentos, não", afirma Ferreira, diretor dos premiados longas-metragens Baile Perfumado e Árido Movie.

À primeira vista, pode soar um tanto estranho que dois cineastas nordestinos, que não têm uma relação tão forte com o samba, tenham decidido fazer um filme sobre uma figura tão emblematicamente carioca quanto Cartola. Esse "olhar estrangeiro", na verdade, é intencional. E desde a origem do projeto. Em 1998, na esteira da repercussão de Baile Perfumado, Lírio e seu co-diretor, o paraibano Paulo Caldas, foram convidados pelo projeto Itaú Rumos Culturais para tocar o projeto justamente por conta desse distanciamento, dessa possibilidade de uma outra visão. De lá para cá, Caldas deixou o filme e seu lugar foi ocupado por Lacerda, roteirista de Baile Perfumado, Árido Movie e Amarelo Manga (de Cláudio Assis).

Para Lacerda, o fato de ele e Ferreira não serem cariocas e terem uma ligação menos atávica com o samba não trouxe ao filme uma abordagem exótica. Muito pelo contrário. Calcados em detalhada pesquisa, os dois cineastas buscaram, acima de qualquer coisa, humanizar e problematizar a figura do músico, retratando-a em toda sua complexidade.

Biografia

Muita gente desconhece, mas Cartola não nasceu na favela e tampouco no Morro da Mangueira. "Ele era filho da burguesia", conta Ferreira, referindo-se ao fato de o pai de Angenor de Oliveira ter sido cozinheiro do Palácio do Catete (residência presidencial à época), bairro do centro do Rio onde o compositor nasceu em 1908.

Cartola viveu com a família até os 15 anos. Freqüentou escolas de ensino clássicas, o que explica a fina poesia contida em seus versos, que revelam um criador que teve acesso aos livros, à boa literatura. Com a morte da mãe, no entanto, Angenor largou a escola e foi aprender nas ruas, na boemia, o que necessitava para se tornar um sambista de verdade. O apelido "Cartola" nasceu quando ele exercia a profissão de pedreiro – o artista tinha obsessão com a própria aparência e vestia sempre um chapéu para impedir que o cimento lhe sujasse a cabeça.

Em 1925, aos 17 anos, fundou, com seu amigo Carlos Cachaça, o Bloco dos Arengueiros. Seria o germe da G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, que surgiu em 28 de abril de 1928 da união desse e de outros blocos da região. O documentário lembra que foi o próprio Cartola quem escolheu o nome e as cores da agremiação.

Só na velhice, aos 66 anos, o mestre gravou seu primeiro LP, Cartola – gravaria ainda outros três. O sambista ganhou destaque na TV em 1977: a Rede Globo exibiu um programa Brasil Especial dedicado a ele, que deve ser lançado em DVD dentro da série de reedições da gravadora Trama. Cartola morreu no dia 30 de novembro de 1980.

O documentário Cartola deve estrear em abril de 2007. Os diretores estão em negociação com a Globo Filmes para a distribuição.

O jornalista viajou a convite do evento.

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