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É engraçado como, no final das contas, não importa o que se faça, os motivos de alguém se resumem, quase sempre, a virar motivo de orgulho para os pais.

O sul-africano J.M. Coetzee (Homem Lento), ao vencer o Prêmio Nobel de Literatura 2003, lamentou não tê-lo feito antes, quando seus pais ainda estavam vivos – ele poderia então compensar toda a dor de cabeça que deu para ambos.

Também diante da Academia Sueca, Orhan Pamuk, turco que recebeu em 2006 a láurea criada por Alfred Nobel, falou sobre a arte de escrever, a literatura, a tradição e... a respeito de seu pai.

O discurso de agradecimento do prêmio que o transformou em best seller de uma hora para outra em vários países do mundo – inclusive no Brasil – é um dos três ensaios reunidos em A Maleta de Meu Pai.

Os outros dois foram lidos na entrega do Friedenspreis 2005, na Alemanha ("Em Kars e Frankfurt"), e durante a conferência Puterbaugh sobre literatura mundial ("O Autor Implícito"), realizada ano passado na Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos.

Talvez por se tratar do acontecimento mais importante na carreira de Pamuk ou por abordar um assunto extremamente pessoal de maneira franca, o texto que dá nome ao livro é o mais impressionante.

Pamuk pode ser considerado a maior referência viva na literatura de ficção sobre os embates entre Ocidente e Oriente em obras como Meu Nome É Vermelho, Neve e Istambul.

Em "A Maleta de Meu Pai", ele lembra do episódio em que seu pai lhe entregou uma pasta com a produção literária de toda a sua vida (o pai sonhava ser um poeta, mas, nas palavras do filho, nunca se submeteu às privações inevitáveis da profissão).

O "presente" deixou Pamuk perturbado por vários dias – ao ponto de não conseguir se aproximar da maleta. Seu maior medo era ter de admitir que seu pai era um escritor e, por conseqüência, mudar completamente a imagem que tinha dele.

O autor usa sua compreensão do que é escrever e ser escritor – aquele que "se volta para dentro" – para ver em que medida o pai se encaixa no perfil.

"O escritor é uma pessoa que passa anos tentando descobrir com paciência um segundo ser dentro de si, e o mundo que o faz ser quem é." Essa definição dá início a um esforço fascinante de Pamuk para entender os motivos que o levaram a escrever e o relacionamento com sua obra – concluiu sete romances em 30 anos de carreira.

No percurso, os substantivos "solidão" e "descontentamento" são sublinhados pelo autor e apontados como inevitáveis para falar da rotina de alguém que se dedica às letras. "O mundo ao qual desejo pertencer é, evidentemente, o mundo da imaginação", afirma no ensaio de Friedenspreis, o mais político dos três.

No último texto, o autor explica porque considera a literatura "uma cura de papel e tinta", conta que se sente péssimo quando não consegue produzir nada bom ou quando não tem chance de se recolher em seu escritório para ler, escrever e se perder nos mundos que cria. "A vida é cheia de provações que separam as pessoas da literatura." Afirmações assim são geniais em sua obviedade e Pamuk parece ter um arsenal delas.

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Serviço: A Maleta de Meu Pai, de Orhan Pamuk (Companhia das Letras, 96 págs., R$ 29,50).

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