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São Paulo (Folhapress) – Foi-se o tempo em que, fossem os dedos que portassem a caneta mais delicados e tivessem as unhas feitas, se esperasse do texto resultante algo igualmente delicado e inocente. Mas pode estar por ir-se, também, o tempo em que se pressupõe da mão feminina a exata mesma estética impactante, as mesmas paixões e os mesmos amores, que desvelam os dedos dos escritores homens.

Intimidades (Record, 176 págs. R$ 19,90), uma coletânea de contos eróticos de dez escritoras portuguesas e brasileiras – cinco de cada país – parece estar sendo lançado, em simultâneo lá e cá, justamente para que possamos vislumbrar a complexidade dessa diferença. E também para que transpareça, de belas histórias e belas imagens, o que pensam e o que sentem as mulheres em relação ao sexo quando tomam as rédeas e a palavra. O resultado: um erotismo de riqueza ímpar, mas talhado em dialética de sedução e distância, alma e corpo, carne e sentimento.

Não, não se trata de jovens inexperientes a relatarem com deslumbre as suas orgiásticas descobertas. Tampouco de oportunistas dispostas a cativar os sentidos e os bolsos de outros desses jovens. São contos de autoras que, deste ou do outro lado do oceano, já assumiram seus lugares na literatura de suas nações, como Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon, Lídia Jorge e Teolinda Gersão.

Para reuni-las, a mão de Luisa Coelho, que já na apresentação dispensa qualquer diletantismo e põe-se a definir com precisão o erotismo, a pornografia e o oceano imenso que os diferencia. O pornográfico como "discurso que, com descrição crua dos atos sexuais, tem como principal objetivo produzir a excitação de um terceiro e, com isso, esvazia o mistério da sexualidade de todo seu conteúdo". O erótico como o discurso a que "cabe seduzir", que "encara a representação da sexualidade como não sendo apenas confinada ao sexo, mas envolvendo uma história, consciente e inconsciente, onde se inscrevem relações entre o desejo e o interdito, o encontro e o desencontro, o prazer e a dor, o sonho e a realidade, o amor e a morte".

Em palavras mais literárias, algumas das autoras revisitaram essas definições e as nuances de tão inconclusa questão. "O pornográfico é o cruel, aquilo que, despindo-se, chega ao osso", diz Lídia Jorge. Piñon emenda: "É pura carne descarnada". O erotismo, para ambas, é o lugar por excelência para a literatura. "O literário é o campo próprio daquilo que é o metafórico, o lúdico, e o lúdico está com o erótico, não com o pornográfico", diz Jorge. "O verbo é erótico. O cotidiano se erotiza enquanto você fala. Com os gestos, com a boca, com o movimento dos lábios", completa Piñon.

Na contramão de tal discurso, toma a palavra a portuguesa Inês Pedrosa, que prefere não atirar pedras contra o pornográfico e assume outro alvo. "Todos somos, de vez em quando e por muito que o neguemos, moralistas. Em geral, consideramos pornográfica a relação sexual da pessoa que amamos com outra pessoa. Ou seja: é erotismo o sexo que nos envolve, é pornografia o que nos exclui. Na literatura também é assim: erótica é a obra que nos desperta a alma e os sentidos; pornográfica a que, por ser vulgar, previsível, não nos perturba."

Quanto a possíveis peculiaridades de um discurso erótico feminino, também divergem as opiniões das autoras. Curiosamente, entretanto, seus contos e outros da coletânea apresentam um inegável ponto em comum: todos centram as atenções e os sentidos no corpo da mulher, sendo o do homem por vezes descrito como ligeiramente repulsivo, ainda que se trate de "uma repulsa que atrai", nas palavras de Jorge.

"Sim, continua a haver da parte das mulheres uma atitude narcísica. A idéia de que a mulher é um objeto de beleza, muito mais do que um objeto de força, é um arquétipo que está longe de ser banido", diz a portuguesa. Ela ressalva, entretanto, que, enquanto o discurso erótico masculino centra-se na cena primitiva, "a cena erótica feminina é mais alargada àquilo que parte para além do próprio corpo, para aquilo que está nos arredores do corpo".

Inês Pedrosa, mais uma vez, será palavra contrária, rejeitando os "discursos eróticos separatistas". "Se é verdade que a força da repressão sexual é particularmente visível na escrita das mulheres, essa repressão existe também na escrita dos homens, porque a opressão é também uma escravização do opressor", diz Pedrosa.

A partir dessa afirmação, um inegável consenso: a certeza de que a mulher, por tantos séculos silenciada, tem muito a contribuir, para a sexualidade e para a literatura, quando assume a palavra do desejo.

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