Auggie é um daqueles personagens que nos cativam logo de cara. Inteligente, com senso de humor e autossarcasmo na medida. Isso porque nós, leitores, não podemos vê-lo, apenas imaginá-lo. Se passássemos ao seu lado na praça ou ele se sentasse conosco no ônibus, talvez não lhe déssemos tempo para mostrar seu encanto. Para aqueles que convivem com ele na "realidade ficcional" de Extraordinário, lançado agora pela Intrínseca, o garoto de 10 anos é uma aberração genética.
Nascido com diversas anomalias cromossômicas, ele e sua família nos narram um pouco do problema: não tem orelhas nem maçãs do rosto; os olhos ficam quase no centro do rosto. Por muito tempo, ele usou um capacete de astronauta, com o qual chamava menos atenção nas ruas.
Quando é convencido por seus pais a entrar num colégio de verdade, deixando de lado a educação doméstica com a mãe, ele precisa enfrentar dezenas de olhares sobre si. E pior, comentários maldosos... é surpreendente o quanto algumas crianças podem ser cruéis.
Ele passa então por sua via-crúcis, enfrentando seus dragões na forma de alunos populares que inventam até uma praga que supostamente atinge todos os que tocarem o garoto ou aquilo em que ele encosta.
Assim como, no livro, a irmã Olívia precisa lidar com a culpa de não querer que os novos amigos descubram o problema de Auggie, a autora, R.J. Palacio, conta que a obra surgiu de uma situação vivenciada por ela e os filhos pequenos numa sorveteria e do desejo de mudar a situação. O escândalo que os dois iniciaram ao ver uma garotinha deformada foi tamanho que ela saiu correndo com eles, para que não incomodassem a menina. A memória daquele momento deu origem a este que é seu primeiro romance, a fez incluir um episódio semelhante na trama e um agradecimento à desconhecida.
De certa forma, o livro encoraja pais como esses, reais, corajosos o suficiente para levar a filha fora de qualquer padrão de beleza à sorveteria. Os progenitores de Auggie encarnam o que há de melhor num pai e numa mãe. Dedicam apoio incondicional ao filho, preocupam-se com ele 24 horas por dia enquanto, ao seu redor, há diversos outros exemplos de como não criar filhos: quase todas as outras crianças citadas sofrem algum tipo de negligência familiar.
Tudo isso chega ao leitor por várias vozes: o próprio Auggie, a irmã e amigos que se dividem em capítulos para contar a história.
Gentileza
Como um belo exemplar de livro com bandeira, Palacio encontra uma forma criativa de inserir seus ideais na obra. Seu porta-voz é um professor de inglês profissional que já cumpriu com esse papel em tantas obras literárias! Para estimular os alunos, ele cria preceitos mensais. O primeiro é: "Quando tiver que escolher entre estar certo e ser gentil, escolha ser gentil", frase do escritor Wayne Dyer.
Na esteira do lançamento do livro, a autora encabeçou uma campanha antibullying chamada choose kind (escolha a gentileza).