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Literatura

A dor e a delícia de vagar pelo mundo

O escritor João Anzanello Carrascoza reúne 11 contos magistrais no livro Espinhos e Alfinetes

Texto refinado embala tramas contundentes: Carrascoza, um dos destaques da literatura brasileira | Marcos Issa/Divulgação
Texto refinado embala tramas contundentes: Carrascoza, um dos destaques da literatura brasileira (Foto: Marcos Issa/Divulgação)
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São raras as obras literárias que apresentam consistência e qualidade inquestionáveis do início ao fim. Isso tem explicação. Todo dia, 40 novos livros são despejados nas livrarias brasileiras. Naturalmente, a maior parte não pode, mas bem que poderia, ter excelência, pelo menos no que diz respeito a acabamento.

Em tal cenário, um livro como Espinhos e Alfinetes, de João Anzanello Carrascoza, chama a atenção e merece aplausos. A obra já começa na capa. Há ramos espinhosos que adquiriram, a partir de recursos de computação gráfica, aspecto de alfinetes. Dá a impressão de que as mãos do leitor podem ser feridas ao tocar a capa.

E, de fato, ao abrir, ler e percorrer as 110 páginas, a tendência é que o leitor venha a ser ferido, tocado e arrebatado pelos textos viscerais.

Carrascoza, um experiente e premiado escritor paulista, reuniu contos bem escritos e que apresentam pontos de contato temáticos. Todas os enredos apresentam situações nas quais os personagens serão feridos e marcados pela máquina do mundo. Afinal, como diz um dos narradores, a vida tende a arrebentar as fundações de nossa felicidade.

O conto "Poente" auxilia na compreensão da literatura de Carrascoza. Pouco antes de um final de tarde, um casal se encontra para aquele que será o último momento a dois. O casamento acabou, e nada mais cola os cacos do que se quebrou. No entanto, falta contar essa novidade ao filho: "O menino, tão cedo para o sol se pôr de seu rosto."

Dói, e a palavra é essa mesma, dói ler toda e cada linha desse livro comovente. Dói porque as situações apresentadas já aconteceram ou, fatalmente, tendem a se materializar na vida do leitor. Carrascoza escreveu 11 contos que, individualmente, e mesmo em panorama, funcionam como um espelho para a trajetória de todo homem e cada mulher.

Da dor e dos golpes implacáveis dos alfinetes e espinhos que estarão, como as pedras, no meio de todos os caminhos, ninguém escapa. A obra desse autor faz ver, lembrar e pensar nisso.

Em "Ajuda", um personagem perde o irmão, enquanto em "Coração", uma criança presencia o pai morrer de um mal súbito.

Mas Espinhos e Alfinetes é bem mais do que um desfile de lágrimas e tragédias irremediáveis. Muito além dos enredos, por si só desconcertantes e arrebatadores, o livro foi construído a partir de uma concepção que leva em conta a linguagem. Carrascoza é um inventa-língua que dispara e acerta frases certeiras, que flertam com a poesia, com uma beleza que comove pela música, sonoridade e ritmo sedutores.

Basta abrir o livro, ao acaso, na página 63 por exemplo, para encontrar momentos únicos do idioma escrito por Carrascoza: "Na memória, eu engatava aquele tempo em que vivia o espraiamento, a época de somar descobertas, antes que as perdas silenciosamente viessem e, aos poucos, nesse hoje, me tomassem por inteiro."

Espinhos e Alfinetes é um livro de contos que reúne unicamente textos bons, algo raro, uma vez que é praticamente regra um autor publicar livros de contos com apenas um texto de qualidade e outros ruins, somente para dar corpo à obra.

2010 ainda está na metade e não é exagero apontar Espinhos e Alfinetes como um dos pontos altos do mercado editorial brasileiro neste ano. Se o livro vier a ganhar prêmios literários, não será nenhuma surpresa.

Serviço:

Espinhos e Alfinetes. João Anzanello Carrascoza. Record. 110 págs. R$ 34,90. GGGG

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