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Marçal Aquino é franco e direto. O tipo de sujeito que, numa conversa, evita eufemismos. Fala, enfim, exatamente como escreve.

Diante do público que o ouvia em um debate sobre cinema e literatura durante a 1.ª Curitiba Literária, na semana passada, Aquino falou sobre a falta de recompensas para escritores de ficção no Brasil, citando, por exemplo, que mora em um apartamento alugado em São Paulo.

Literatura – pelo menos a praticada por romancistas – não costuma ser identificada como uma mina de dinheiro em parte nenhuma, menos ainda em um país pobre e mal-educado.

O que impressiona é o fato de um autor como Marçal Aquino, um dos mais importantes de sua geração graças a obras como Famílias Terrivelmente Felizes (Cosac Naify) e Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios (Companhia das Letras), influente inclusive no cinema (escreveu O Invasor, Crime Delicado e Cão sem Dono, sempre em colaboração com o diretor Beto Brant), não ter, digamos, a "tranqüilidade" financeira de não pagar aluguel.

"Não vivo de literatura, nunca vivi nem sonhei com isso – conheço bem o país onde vivo. Isso, por sinal, nunca me angustiou. Ao contrário, enxergo nessa impossibilidade a única possibilidade de escrever realmente com liberdade, sem me preocupar com mercado e outras questões que nada têm a ver com a escrita. Escrevo apenas aquilo que quero escrever e quando quero, ou seja, quando acho que tenho algo para compartilhar", diz Aquino.

Existe uma forma de se viver de literatura no Brasil, escrevendo livros didáticos, paradidáticos e de auto-ajuda. Domingos Pellegrini (Quadrondo) investe em obras infanto-juvenis (paradidáticos), filão que o permite produzir romances. Vender 2 milhões de exemplares de A Árvore Que Dava Dinheiro para o Ministério da Educação foi a maior conquista financeira de sua carreira.

Miguel Sanches Neto (Um Amor Anarquista) diz que trabalhar só como romancista quando se tem mulher e filhos seria quase "suicídio". Sobre a possibilidade de viver de direitos autorais, o escritor responde: "Só se você se chamar Paulo Coelho ou Luis Fernando Verissimo. E este não é o meu caso".

Detalhe: tanto Pellegrini quanto Sanches Neto escrevem para revistas e jornais – Gazeta do Povo entre eles –, além de dar palestras (o primeiro) e aulas (o segundo, na Universidade Estadual de Ponta Grossa).

Também ligado à academia – é professor da Universidade Federal do Paraná há mais de duas décadas –, Cristovão Tezza admite que, hoje, os livros "têm ajudado no orçamento". O Filho Eterno, seu título mais recente, aparece entre os mais vendidos desta semana (confira na pág. 8) e teve os direitos de publicação adquiridos pela França e pela Itália.

"Durante anos escrevi desempregado; sobreviver é uma coisa, escrever é outra. Parece incrível, mas não me tornei escritor por dinheiro. O fato é que, tecnicamente, o trabalho do escritor não é mal pago no Brasil – o direito autoral padrão de 10% é superior ao padrão europeu, que é de 7,5%. As boas editoras pagam direitinho, com prestações de contas trimestrais", explica Tezza. "O problema central, que é a falta de leitores, está exatamente em outros pontos: creche, escola, alfabetização, circulação do livro, bibliotecas públicas, padrão de renda, acesso à internet – em suma, formação consistente de leitores. Só o leitor pode salvar o escritor. O resto é subsídio."

Assim como Pellegrini, Tezza também lembra das vantagens de escrever não-ficção, gênero em que aparecem a auto-ajuda e os didáticos. "Público de não-ficção é imenso, muito maior que o público de ficção. E a área didática e para-didática tem um mercado cativo óbvio. Mas, na área de ficção adulta, no Brasil, é muito difícil. Você tem de conquistar os leitores que normalmente não lêem ficção, para ampliar seu público. Sem isso, o escritor quase nunca sai da faixa dos 3 mil exemplares vendidos por lançamento, se tanto. Isso em dois, três, quatro anos."

O cálculo é simples. Um livro custa, em média, R$ 30 e cada título costuma sair com tiragem de 3 mil exemplares (quando o autor é importante e conhecido). O autor recebe 10% do valor de tabela – isso dá R$ 9 mil. Os poréns dessa história é que se leva, no mínimo, um ano trabalhando em um romance e os R$ 9 mil demoram meses, às vezes anos, para cair nas mãos do escritor.

"Se o livro não estourar e virar best seller – o que ocorre vendendo três edição seguidas –, a venda é pingada. Tenho um livro de contos na Companhia das Letras, Tempo de Guerra, que às vezes vende só um exemplar por mês", cita Pellegrini.

Parece haver um método entre os escritores. O de não encarar a literatura como trabalho. Aquino conta que é jornalista e roteirista de cinema. Com o que ganha, "compra" o tempo que dedica à escrita de ficção. "Como não dependo financeiramente da literatura, não passo por essa experiência de pensar em desistir de escrever. Posso até desistir de escrever – esse é um pensamento sadio que em alguns momentos deve acossar todo escritor –, mas não por questões financeiras."

"Quando as coisas ficam estranhas, trato de trabalhar mais em alguma atividade paralela para poder dedicar tempo à literatura", diz Sanches Neto.

Escrever é uma missão para Pellegrini. "É um dom, que vem de uma loteria genética, e do qual tenho de cuidar e desenvolver a serviço da sociedade. Desde que assumi isso, dedicando todas as manhãs à literatura e deixando a tarde para outras atividades, nunca mais me faltou dinheiro – e lá se vão mais de 15 anos."

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