Entrevista
Roberto Alvim, diretor de teatro.
"Para mim, teatro não é lugar da consciência nem da neurose"
Como a série sobre Ésquilo avança sua pesquisa de linguagem?
Muito. É uma radicalização dos nossos procedimentos como eu nunca tinha feito. Montar Ésquilo e esta é a primeira vez que um grupo no Brasil monta todas as peças dele dentro de um cubo negro, com uma lâmpada de cozinha fluorescente... Algumas peças não têm sequer um movimento. Todos os nossos pressupostos de teatro, como um lugar de escuridão, crepuscular, movimentos reduzidos ao mínimo, com foco na fala, ela consegue ativar. Encontrei nos textos de Ésquilo uma radicalização disso, tanto que, depois vamos ter de inventar outras coisas. Porque a essencialização do minimalismo radical chegou a um paroxismo.
Qual a relação desta série com Haikai?
Tudo que faço tem os mesmos pressupostos. Haikai foi feita ao mesmo tempo que Peep. É difícil falar de Haikai... não entendo a peça, tenho um certo medo daquilo. Foi o que meu inconsciente respondeu quando recebi o convite da Nena [Inoue]. Para mim, teatro não é lugar da consciência nem da neurose, como acho que 70% ou 80% do teatro ou do cinema trabalham, e sim do inconsciente e das pulsões, e isso sempre será um enigma indecifrável. São zonas de instabilidade que não falam para a plateia, e sim ao inconsciente de cada um. Pouco importa se se gosta ou não. Não é mais sobre isso.
Dentro de seu projeto teatral que pesquisa novas expressões de humanidade, o diretor carioca-paulistano Roberto Alvim agora se debruça, paradoxalmente, sobre os clássicos. Ele encerra hoje a apresentação de sua série Peep Classic Ésquilo no Festival Internacional de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, onde conversou com a Gazeta do Povo.
Alvim, que desde 2009 influencia diretamente os novos autores de teatro curitibanos por meio do Núcleo de Dramaturgia do Sesi/PR, conta ter encontrado em Ésquilo, considerado o primeiro dramaturgo grego, anterior mesmo ao formato de tragédia que depois se consagraria e ao pensamento socrático, semelhanças com a singularidade que busca na escrita contemporânea.
"O foco dele não está no mithos [a narrativa] e sim numa situação em que a palavra atue não como expressão ou comunicação, mas criando tempos, espaços e sensações", disse à reportagem, após a apresentação do primeiro capítulo da série, "As Suplicantes/Os Persas", na noite de segunda-feira.
Num palco escuro, atores vestidos de preto são fracamente iluminados por uma única lâmpada fluorescente, "de cozinha", como diz o diretor. Com apenas as silhuetas delineadas, eles fazem pouquíssimos movimentos, enquanto enunciam o texto de Ésquilo.
Quem assistiu a Haikai, espetáculo que estreou no último Festival de Curitiba, perceberá a semelhança visual.
"Foram peças que fiz ao mesmo tempo. Mas não entendo Haikai até hoje, tenho medo dela", confessa.
A plateia de "As Suplicantes/Os Persas" aparentava o mesmo temor antes do espetáculo, talvez devido à fama de hermetismo do autor. Ao lado do namorado que se debatia com frequência durante a hora que durou o espetáculo, a estudante Paola Paschoalin assistia à sua primeira peça experimental. "Eu achei que era diferente, muito difícil de manter a concentração. Exige uma sensibilidade maior", disse.
Feliz com a resposta ora apaixonada, ora irada, Alvim mantém o interesse na antiguidade, mas agora se debruça nas origens do judaísmo. Uma nova série, com seis capítulos de uma hora porque, segundo alguns ensinos religiosos, Deus descansou no sétimo dia abordará diversos livros do Velho Testamento, com estreia prevista para abril de 2014.
Para a atual temporada de Peep Classic Ésquilo, que ainda irá ao Festival de Londrina e ao Porto Alegre em Cena, Alvim escalou a atriz Martina Gallarza, que já atuou em Haikai.
A jornalista viajou a convite do festival.
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