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Vídeo:| Foto: Reprodução RPC TV

Cênicas

Denise Weinberg participa do Festival de Teatro pela sexta vez.

• Embora tenha dirigido A Refeição, ela se identifica mais com o trabalho de atriz. No ano passado, ganhou o prêmio Shell pela atuação em Oração para um Pé-de-Chinelo.

•A Refeição é um texto de Newton Moreno, dramaturgo respeitado pelas peças Dentro e A Cicatriz É a Flor, consideradas clássicos de temática homossexual.

•Moreno começou a escrever A Refeição em 2002, participando do workshop Royal Court que o levou a Londres para finalizar o trabalho.

• Apresentação no FTC 2007 marca a estréia nacional de A Refeição.

Diante da sinopse de A Refeição, pessoas de estômago fraco podem ter calafrios: "O ato canibal é um trampolim usado pelo espetáculo como um portal para entender as relações contemporâneas". Fora as metáforas um tanto estranhas – é difícil imaginar um "trampolim" que vira "portal" para entender qualquer coisa –, o que assusta de verdade são as palavras "ato canibal".

A montagem realiza a primeira de duas apresentações dentro do Festival de Teatro hoje, às 20h30, no Sesc da Esquina. Será a estréia nacional da peça, dirigida por Denise Weinberg, atriz vencedora do Prêmio Shell no ano passado por sua interpretação em Oração para um Pé-de-Chinelo.

No elenco, mais um ator premiado: Marat Descartes, que recebeu o Shell deste ano pela atuação no monólogo Primeiro Amor, de Samuel Beckett (também parte da programação do FTC, com apresentações marcadas para os dias 29 e 30).

O texto de Newton Moreno se divide em três histórias distintas não-vinculadas entre si. Em duas delas, o canibalismo é usado com um significado mais "contemporâneo", segundo Weinberg. No sentido de que as pessoas usam umas as outras em proveito próprio.

Apenas em uma delas o "ato canibal" aparece no sentido literal, aquele praticado pelo doutor Hannibal Lecter, protagonista do filme O Silêncio dos Inocentes (1991), um dos canibais fictícios mais célebres do planeta.

O primeiro episódio mostra um casal em um quarto de hospital. A mulher tem uma das mãos enfaixadas e ninguém sabe por quê. O diálogo dura 15 minutos e fala sobre a capacidade de se criar relações destrutivas, baseadas em um desejo violento de possessão.

"É como se dissessem ‘eu vou destruir você para provar meu amor por você’", define Weinberg. Ao final, quando a razão para o curativo da mão é revelada, fica claro o quanto um ato de amor pode ser também um ato brutal.

Um executivo bem-sucedido e muito rico é o protagonista da segunda história, cujo enredo é "quase beckettiano", nas palavras da diretora.

Embora ele seja um homem que aparenta ter tudo o que pode desejar, ele vive com uma fissura bastante incomum – sente necessidade de manter relações sexuais com pessoas miseráveis, quase sempre mendigos, ou moradores de rua.

"É um comentário sobre as barbaridades do mundo moderno", explica Weinberg. "Você pode ter família e dinheiro, mas viver em um buraco afetivo. Esse é um tema caro à dramaturgia contemporânea."

O terceiro episódio, único a abordar a ingestão de carne humana, coloca no palco um antropólogo tentando entrevistar um índio parakanã à beira da morte, quando este faz um pedido capaz de acuar o pesquisador. Ainda assim, o canibalismo aqui é vinculado a crenças indígenas e não à noção comum para as ditas sociedades civilizadas.

As três histórias formam uma espécie de série, abordando o canibalismo nos sentidos sexual, social e literal.

Conhecido por ter escrito peças com temática homossexual consideradas clássicas – Dentro e A Cicatriz É a Flor –, Newton Moreno começou a trabalhar no texto de A Refeição em 2002, quando participou do workshop londrino Royal Court, ministrado em São Paulo. O grupo, que trabalha com dramaturgia em várias partes do mundo, levou Moreno a Londres para aperfeiçoar o texto, montado agora pela primeira vez.

Quatro semanas antes de dar início à montagem, a diretora que se identifica mais com o trabalho de atriz – "adoro texto, sou da palavra e só dirijo (uma peça) quando posso experimentar" – leu e viu muitos livros e filmes sobre canibalismo.

No cinema, foi de Hannibal até um documentário sobre o caso de Armin Meiwes, alemão que chocou o mundo ao revelar que tinha devorado Bernd Juergen Brandes em um ato consentido. A vítima teria respondido ao anúncio de Meiwes na internet, procurando alguém que aceitasse ser comido, literalmente. O caso foi um dos que mais impressionou Weinberg. "Imagine a solidão de uma pessoa que se dispõe a viajar quilômetros para ser devorada por outra."

Ela define o trabalho de Moreno como "importantíssimo", inclusive por fazer parte dessa onda de peças que discute a incapacidade afetiva das pessoas na sociedade atual. "Todos estão muito sós. Ao menos aqui, em São Paulo. Ninguém atura ninguém. Ninguém se ouve. Estamos em um momento de trevas. E isso acontece entre casais, entre amigos, em grupos ou no trabalho."

Sobre o espetáculo, Weinberg conta que o maior desafio foi trabalhar com uma estrutura que não tem começo, meio e fim, e sim três histórias independentes interpretadas pelos mesmos atores. Uma das soluções que encontrou foi expor os artifícios cênicos – por exemplo, o público pode ver os atores trocando de roupas entre um episódio e outro.

"Eu desmonto a caixa teatral e mostro tudo", explica a diretora, cujo objetivo – bem como da equipe que a acompanha há anos – é levar o público a entrar na história de modo sensorial e não cerebral. Ela acredita que, hoje, as pessoas parecem "blindadas" contra emoções, mas aposta no poder do teatro para detonar essa proteção.

Serviço: A Refeição. Sesc da Esquina (R. Visconde do Rio Branco, 696), (41) 3304-2222. Hoje e amanhã, às 20h30. Ingressos a R$ 26 e R$ 13.

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