São Paulo (Folhapress) Hollywood nua e crua: um diretor que instala as filmagens de um drama de guerra em sua fazenda e aproveita os intervalos para cavalgar e pescar, produtores que primeiro palpitam e depois intervêm desordenadamente no trabalho, espectadores que massacram o filme nos cartões de avaliação das exibições-teste e desorientam a todos e o mesmo diretor que, diante do caos, lava as mãos e vai filmar o próximo longa-metragem na África.
Parece ótimo argumento para ficção e é narrado como se fosse. Mas, como a indústria cinematográfica norte-americana gosta de anunciar nos créditos de abertura, os fatos são todos verídicos em Filme, obra-prima da reportagem literária publicada em 1952, primeiro em cinco edições consecutivas da revista The New Yorker e depois em livro e só agora traduzida no Brasil.
A jornalista Lillian Ross, então com 25 anos, lançou as bases do new journalism muito antes que o gênero fizesse a fama de Gay Talese e Truman Capote, entre outros com seu relato dos bastidores de A Glória de um Covarde (51), de John Huston para a Metro-Goldwyn-Mayer. Aos 78 anos, ela ainda é redatora da seção "The Talk of the Town" da The New Yorker (o livro é dedicado à revista). Leia a seguir trechos da entrevista com a jornalista.
Você acreditava que contribuiria para revelar, pela primeira vez descrito por dentro, o "sistema dos estúdios" de Hollywood?Lillian Ross Nunca pensei em qualquer "propósito" para o que escrevo. Quando aceitei o convite de John Huston para ir a Hollywood e acompanhá-lo enquanto fazia o filme, pretendia escrever um perfil dele. Ele foi muito gentil e prestativo, concordando que eu presenciasse todas as reuniões e filmagens. Quando conheci Gottfried Reinhardt (produtor de A Glória de um Covarde), Dore Schary (chefe de produção da MGM), L. B. Mayer (chefe do estúdio) e todos os que trabalharam no filme, bem como outras pessoas, incluindo a mulher de Huston, Ricki, senti que aquilo tudo era uma grande história de ficção sobre a indústria cinematográfica e que os principais personagens pediam para se tornarem protagonistas de um romance. Conversei com Harold Ross e William Shawn (editores da The New Yorker) sobre como planejava proceder, e eles me encorajaram e apoiaram. Eu estava apenas começando como redatora da revista e tinha adorado a resposta ao meu trabalho, em especial um longo texto sobre Ernest Hemingway (depois publicado em livro como Portrait of Hemingway). Filme foi o primeiro trabalho jornalístico escrito em forma de ficção. Houve muitas tentativas de imitá-lo. Truman Capote costumava me perguntar sobre o meu modo de escrever. "Eu quero picar o seu cérebro", dizia expressão cheia de vida que me fazia rir. Mas conversamos muito sobre o quanto eu gostava de usar formas ficcionais para escrever histórias factuais, até mesmo para os textos breves da seção "The Talk of the Town" da The New Yorker. Ele se apropriou das minhas falas cerca de 15 anos depois, em 1965, quando fazia o marketing de seu trabalho na TV.
Como você enxerga Hollywood hoje?Não existe um fenômeno singular chamado Hollywood. Há muitos e diversificados talentos em centenas ou milhares de áreas do negócio. O financiamento da criação artística e original sempre foi difícil e talvez continue sempre a ser assim.
E a cobertura de Hollywood feita hoje pela imprensa?Não acompanho a imprensa que cobre Hollywood. Não leio muito do que a imprensa de hoje publica. Eu me informo ouvindo a National Public Radio, a BBC e a CNN na TV.
O que ainda a atrai na seção "The Talk of the Town" da The New Yorker?Amo escrever aqueles textos breves. Encontro formas ficcionais para eles. Tento fazer um "conto" de cada um. É muito estimulante. Encaro cada um como uma oportunidade de ser original, de me divertir, de escrever uma história que não se pareça com nenhuma outra em nenhum outro lugar. Parece fácil, mas é bem difícil. Cada uma pode ser lida rapidamente. Cada uma demora muito para ser criada.
É possível ensinar isso a alguém?No momento, procuro fazer isso com um jovem em troca de seus conhecimentos como cozinheiro. Ele é um ótimo chef e quer ser um repórter-escritor. Acredito que possa ensinar a ele o que considero ser a essência da atividade, mas até um certo ponto. Isso equivale a apenas 10% do que realmente importa. O restante depende de características individuais: história de vida, experiência, natureza, autodisciplina, curiosidade, humor, entusiasmo, paixão, originalidade, coragem, biologia, determinação, idade, ego e energia. Vigilância em relação à sensibilidade dos outros; capacidade de empatia e de observação enquanto mantém a imparcialidade; e a habilidade de resistir a fazer julgamentos morais das outras pessoas.
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