Três lançamentos do mercado editorial brasileiro dão conta de provar algo de que muita gente duvida: ler histórias em quadrinhos não é coisa de criança ou de gente com poucas ambições intelectuais. Ao contrário do que pensam os mais conservadores, as graphic novels destinadas ao público adulto representam uma parcela bastante significativa no mercado de HQs em países como Japão, EUA e em toda a Europa, e, se depender dos investimentos recentes das editoras nacionais, os brasileiros correm o risco de entrar para essa lista em breve.
A previsão, embora um tanto otimista, vem no embalo das publicações estrangeiras Bórgia, Sangue para o Papa Volume 1 (60 págs., R$ 60), de Alejandro Jodorowsky e Milo Manara, e O Bordel das Musas Toulouse-Lautrec no Moulin-Rouge, Volume 1 (48 págs., R$ 39), de Gradimir Smudja, que ganharam versões nacionais pelas editoras Conrad e Jorge Zahar, respectivamente. Junto a Chalaça, o Amigo do Imperador (88 págs., R$ 25), parceria do curitibano Antônio Eder com o carioca André Diniz, também editada pela Conrad, os lançamentos buscam edificar no Brasil uma tendência já conhecida do mercado internacional de quadrinhos para adultos: obras cujos roteiros são adaptações de fatos históricos.
"Os interesses vão mudando à medida que os leitores vão crescendo. Quando crianças, todos começam lendo os gibis do Maurício de Souza, mudam para os quadrinhos de super-herói na adolescência e, quando adultos, procuram algo que fale mais de História e política", analisa o quadrinhista José Aguiar, autor da série de aventuras Ernie Adams, publicada na França.
A partir de uma vasta quantidade de matéria-prima, quadrinhistas de todo o mundo vêm trazendo a História para dentro do universo das HQs, dando a fatos e personalidades marcantes um viés que, somado ao apuro gráfico, as tornam mais atraentes do que o conteúdo encontrado nos tradicionais livros didáticos.
Combinando o roteiro de Jodorowsky (de O Incal, feito em conjunto com o francês Moebius) ao traço do mestre italiano dos quadrinhos eróticos, Milo Manara (O Clic), a série Bórgia, é uma espécie de biografia não-autorizada da família de Rodrigo Bórgia usuário de métodos pouco ortodoxos para se tornar o papa Alexandre VI, na virada do século 15 para o 16 retratando um período em que a Igreja Católica era sinônimo de nepotismo, promiscuidade e ganância pelo poder político.
Inspirado em histórias verdadeiras, O Bordel das Musas recria o cotidiano boêmio do pintor Henri de Toulouse-Lautrec, em meio às dançarinas de cancã do Moulin-Rouge, de onde era freqüentador assíduo. Criado pelo pintor, desenhista e caricaturista iugoslavo Gradimir Smudja (de Vincent Et Van Gogh), os cenários da história são feitos a partir de recriações das telas de Lautrec, desenhadas por Smudja, que ainda contextualiza o movimento impressionista com aparições dos artistas Degas, Renoir, Monet, Seurat, Cézanne e Van Gogh entre os personagens.
Criadores do site Nona Arte (www.nonaarte.com.br), que disponibiliza gratuitamente trabalhos de quadrinhistas brasileiros de todas as regiões do país, André Diniz e Antônio Eder vinham produzindo a história de Chalaça, o Amigo do Imperador, desde 2001. "Não havia nenhuma preocupação com prazo, pois não imaginávamos que o quadrinho seria publicado por uma editora", conta Eder. O improvável aconteceu quando a dupla foi procurada pela editora Conrad, que propôs a publicação das histórias em formato de livro.
Utilizando fatos históricos, Diniz e Eder contam, de forma bem-humorada, a trajetória de Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, amigo favorito do imperador dom Pedro I. Abusando de picaretagens, Chalaça ficou conhecido, entre outras coisas, por arregimentar mulheres para o imperador, não sem antes comprovar se seriam do gosto do amigo. O personagem também teria sido um dos incentivadores da Independência, além de ter exercido a função de ghost writer do imperador. "Por meio da História, o leitor tem contato com fatos que possivelmente não conhecia e que encontram eco na realidade de hoje. É fácil traçar paralelos entre a situação atual de Brasília e a política do tempo do Primeiro Império", compara Eder.
Para ele, além de entretenimento, a história de Chalaça possui um viés didático, podendo ser, inclusive, aproveitada em sala de aula. "O livro serve como subsídio de material interpretativo para o estudo da História. Pena que há professores que nem sabem como se lê um quadrinho. Acham até que as HQs prejudicam o hábito da leitura", lamenta.
A transposição da História para o formato de graphic novel, tem, para Eder, uma relação parecida com a das adaptações cinematográficas de obras literárias, que acabam despertando o interesse pela leitura das histórias originais. "Acho que uma das vantagens desse gênero é a capacidade de fisgar o leitor que não é acostumado a ler histórias em quadrinhos. A pessoas que gostam do Tolouse-Lautrec, conhecem um pouco de História da Arte e possuem livros com as obras dele, sem dúvida vão se interessar em ler o quadrinho e tê-lo em sua coleção", relaciona.
Para gente grande
Confira outros títulos de histórias em quadrinhos mundialmente conhecidas, destinadas ao público adulto e que tratam de assuntos que envolvem História e Política.
* Maus, de Art Spiegelman (Cia das Letras. 296 págs., R$ 39): recém-lançada em apenas um volume, a obra conta a história de Vladek Spiegelman, pai do quadrinhista, judeu polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz. Vencedor do Prêmio Pulitzer de Literatura em 1992.
* Palestina, de Joe Sacco (Conrad, 160 págs., R$ 33): após viver durante dois meses no centro dos conflitos palestinos, o jornalista Joe Sacco narra, em uma espécie de reportagem quadrinizada em dois volumes, as experiências de pessoas que tiveram suas casas, famílias e trabalhos aniquilados.
* Gen Pés Descalços, de Kaiji Nakazawa (Conrad): série de quatros álbuns, que contam a história autobiográfica de Gen, um garoto de seis anos, que vive em Hiroshima durante a Segunda Guerra Mundial.
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