Ele é preguiçoso. Ele é um gato. Ele gosta de lasanha.
Tem mais alguma coisa que dê para dizer sobre o Garfield? Não é um personagem complicado. Desde a estreia das suas tirinhas em 1978, as principais qualidades do Garfield conseguiram ser ainda mais fixas do que o próprio gato quase imóvel.
Mas estamos em 2017 – uma época de guerras na internet, dilemas sociais e alegações de que há evidências controversas até sobre a identidade de gênero do Garfield.
A Wikipédia precisou bloquear as edições na página sobre Garfield na semana passada, após uma guerra editorial que durou 60 horas, em que o gênero do personagem oscilou indeterminadamente como uma versão cartunesca do gato de Schrödinger: macho uma hora. Na outra, não.
“Ele pode ter sido menino em 1981, mas hoje já não é”, argumentou um dos editores.
O debate acabou vazando e caindo nas outras rodas da internet. Um certo escritor do site de notícias e comentários políticos Heat Street chegou a reclamar do “marxismo cultural” e seus seguidores, determinados a “transformar um dos homens mais icônicos da cultura pop numa abominação de gênero fluido”.
Tudo começou com um comentário do criador do Garfield, Jim Davis, feito há dois anos numa entrevista para a Mental Floss – que tinha o título inócuo de “20 Coisas Que Você Talvez Não Saiba Sobre o Garfield”.
Entre as tentativas de promover os DVDs do Garfield, Davis revelou algumas curiosidades inofensivas sobre o gato: que Garfield se chama Gustav na Suécia. Que Garfield e seu dono, Jon Arbuckle, vivem em Muncie, no estado de Indiana.
“O Garfield é bem universal”, disse Davis à Mental Floss no meio da entrevista. “Pela virtude de ser um gato, de fato, ele não é nem menino, nem menina, nem de qualquer raça ou nacionalidade, nem jovem, nem velho”.
Esse comentário na época não fez nenhum barulho. Na época.
Guerra editorial
Até que, na semana passada, o satirista Virgil Texas desenterrou essa citação e a utilizou para transformar o que foi uma declaração ousada num gesto ousado:
“FATO: Garfield não tem gênero. Isto. É. Canônico.
“Eu atualizei o verbete do Garfield na Wikipédia para refletir este fato”.
Mas, antes, uma breve nota sobre Virgil Texas: Ele é conhecido já por fazer pegadinhas. O escritor foi um dos criadores de um comentarista político fictício chamado Carl “The Dig” Diggler, criado para parodiar a mídia e perturbar o jornalista Nate Silver.
Mas Texas disse ao Washington Post que suas únicas preocupações neste caso eram com a integridade “do cânone do Garfield”.
Texas disse que esbarrou nessa citação antiga de Davis enquanto assistia a uma versão soturna, em live action e com cinco horas de duração, de Garfield (sério). Então ele inventou um editor da Wikipédia (o que qualquer um pode fazer) chamado David “The Milk” Milkberg na semana passada e mudou o gênero do Garfield, de “masculino” para “nenhum”.
Quase que instantaneamente, todo o universo de fãs do Garfield já veio intervir.
Outro editor da Wikipédia reverteu o gênero do Garfield de volta para masculino em menos de uma hora após a mudança feita por Virgil Texas.
Um minuto depois, alguém nas Filipinas deixou Garfield sem gênero de novo.
E assim por diante. Nos bastidores, os usuários da Wikipédia debatiam como resolver essa “guerra editorial” furiosa.
“Bom garoto”
“Todos os personagens (incluindo o próprio Garfield!) se referem ao Garfield, constantemente e sem ambiguidade, como menino, e sempre usando pronomes masculinos”, escreveu um dos editores – listando quase três dúzias de tirinhas publicadas ao longo de um período de quase quatro décadas para embasar os seus argumentos.
Numa delas, Jon chama Garfield de “bom garoto!” antes de Garfield colocar um jornal na boca do seu dono.
Em outra, Garfield sobe na sua “balança mágica falante no banheiro (que provavelmente fala com a voz do próprio Garfield), que se refere a ele como ‘rapaz’ e ‘garoto’”.
Mas um outro editor argumentou que apenas um único exemplo dentro desses listados “demonstrava auto-identificação” – uma tirinha de 1981 em que Garfield pensa, “eu sou mau” depois de comer uma samambaia.
E Milkberg/Texas não abriu mão da sua proposta: “Se alguém conseguir achar uma outra fonte em que Jim Davis diga que o gênero do Garfield é masculino ou feminino, então isso geraria uma polêmica séria no cânone do Garfield”, ele disse na página de debate do artigo na Wikipédia. “Porém, nenhuma tal fonte foi identificada, e eu tenho sérias dúvidas de que algo do tipo virá à tona”.
No Twitter
Várias sequências de tweets começaram a aparecer, então, com propostas concorrentes no Twitter, onde um usuário comparou a disputa sobre Garfield com o caso de Krazy Kat: outro desenho sexualmente ambíguo que lhe serve de predecessor, que teve um artigo escrito sobre ele e publicado no mês passado na New Yorker.
Em busca das respostas, teve também quem caçasse além da seção dos quadrinhos e mergulhasse no mundo ambíguo de produtos da marca Garfield e argumentos semicanônicos.
E teve também quem viu a coisa toda como uma piada.
Mas outros deram sermões ou começaram a filosofar: “Por que se importar com o que Garfield é ou não é?” indagou-se Jimmy King. “Quem liga se os outros o enxergam como menino ou menina?”
Muitos ponderaram o sentido das palavras de Davis de 2014, que geraram confusão, dado o fato de que o criador se referiu ao Garfield como “ele”, enquanto sugeria que ele não era nem “ele”, nem “ela”.
Um usuário da Wikipédia propôs que fosse feito um acordo – “colocar ambos os gêneros, cada um com suas referências adequadas: Masculino (1) e/ou nenhum (2)”. Não adiantou muito.
O gênero do Garfield mudou 20 vezes ao longo de dois dias e meio (durante os quais houve um breve período em que sua religião foi listada como “muçulmano xiita” por algum motivo) antes de um dos administradores ser obrigado a intervir.
Conclusão
Por fim, Garfield acabou definido oficialmente na Wikipédia como sendo do gênero masculino – citando como referência quatro tirinhas, incluindo uma de 1979 em que um veterinário diz que “ele está gordo demais”.
A página acabou trancada e só poderá ser editada de novo a partir do mês que vem.
No entanto, em fevereiro, o escritor da Heat Street levou aos limites os seus argumentos contra a mudança de gênero – citando o “peitoral definido” e “volume proeminente” da sua versão de super-herói, Garzooka, da animação “Garfield’s Pet Force”, como prova de que Garfield é um “HOMEM americano, durão e heterossexual”.
É óbvio que esses comentários não adiantaram de nada.
Mas talvez isto resolva:
“O Garfield é menino”, disse Davis ao The Washington Post na terça-feira. “E ele tem uma namorada, a Arlene”.
Diante das novas evidências, o satirista cedeu às palavras do criador. “É ele quem manda no cânone”, disse Texas. “Eu só fico curioso com como isso se encaixa com a sua declaração anterior...”
“Se eu tivesse a oportunidade, eu iria interrogá-lo”.
Mas a Wikipédia já foi muito além das disputas de gênero. Agora outros aspectos do gato gordo preguiçoso estão sendo questionados.
“Esqueçam o seu gênero e a suposta religião muçulmana”, disse um usuário na segunda-feira. “Será que a gente precisa mesmo incluir a Arlene na categoria de esposa?”.
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