A Máquina de Abraçar que nomeia o espetáculo carioca visto no 17º Porto Alegre em Cena é um mecanismo criado para dar os tais abraços com intensidade controlada. Seu inventor foi o tio de Íris, uma jovem autista carente por afeto, mas pouco resistente ao contato humano. Abraço leve não a contenta, o apertado a faz se sentir presa e sufocada.
Situações como essa, prontas a serem interpretadas como metáforas para relações humanas além do universo autista, universalizam a obra do dramaturgo espanhol José Sanchis Sinisterra, encenada sob a direção de Malu Galli.
Íris é interpretada por Mariana Lima, atriz das mais interessantes no cenário carioca atual. Tanto quando aparece em cena consciente de seu papel de intérprete, como nos trabalhos com o marido Enrique Diaz (A Gaivota e Outro), da Cia. dos Atores, quanto quando assume mesmo um personagem.
Para convencer como a moça autista, Mariana enrijece e neutraliza a expressão facial, "derruba" a postura e trabalha as mãos o tempo todo, mimetizando a linguagem corporal daqueles que sofrem de um transtorno de desenvolvimento que afeta a capacidade de relacionamento com as outras pessoas.
A dimensão afetiva, porém, fica encoberta por entreveros científicos. Íris é apresentada ao público em meio a uma suposta palestra da doutora Miriam (papel de Marina Vianna), durante um congresso.
Acontece que as teses polêmicas defendidas pela cientista (o autismo abafado dos políticos brasileiros, por exemplo) e a carreira de Íris na psicobotânica, estudando "a vida afetiva das plantas", esvazia o auditório de cientistas e atrai curiosos.
Cria-se uma falsa situação de ameaça à continuidade da palestra, envolvendo todo o público. Mera distração. Importam no espetáculo as ideias sensíveis e inusitadas sobre o ser humano. Como a comparação entre a paciência dos vegetais (invejada por Íris) e a ansiedade do caçador, o homem. (LR)
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