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E.L. James, autora do estrondoso Cinquenta Tons de Cinza |
E.L. James, autora do estrondoso Cinquenta Tons de Cinza| Foto:

Propaganda certeira impulsiona o segmento

Há dois anos, quando o best-seller Cinquenta Tons de Cinza foi lançado no país, não havia uma livraria que não trouxesse uma espécie de "torre" com os exemplares, posicionada no melhor espaço da loja, geralmente no centro do espaço. Os leitores, por sua vez, também não tinham pudor ou "vergonha" de ler em público um livro que, todos sabem, fala sobre sexo. Inversamente proporcional foi a crítica, que, em sua maioria, considerou o romance fraco, até mesmo como entretenimento.

Para o professor de Letras da PUC-PR, Marcelo Franz, esse sistema que une a divulgação em massa por parte das editoras junto com o espaço privilegiado das megastores de livros eleva a popularização de muitos títulos. "E esse apelo, mais a rede de comentários de quem já leu, forma um sistema, que vai criando um gosto médio, às vezes pouco esclarecido." Já o publisher da Editora Valentina, Rafael Goldkorn, acredita que as cenas de sexo são o fator primordial do apelo. "Esses livros são bem visuais, construídos com expectativa no fim dos capítulos. É como se fosse uma novela."

Editora da Paralela, que publica no Brasil a trilogia Crossfire, de Sylvia Day – e a vende como os livros "mais bem escritos" na nova onda de romances eróticos femininos –, Lilia Zambon conta que a qualidade do texto foi uma preocupação. "A Sylvia já escrevia livros há bastante tempo, e acredito que tenha maturidade como autora." Ela também relata que as leitoras se queixam com os livreiros, caso comprem um livro que considerem ruim. "Já conversei com muitos deles [livreiros], que me disseram que as leitoras não gostam desse ou daquele título. O que me parece é que as pessoas não querem apenas livros que tenham de repente uma cena de sexo. Eles querem uma trama que se desenvolva e passe pelo sexo. Mas, no fim, cada leitor é atraído por algo diferente, e se identifica mais com um ou outro personagem."

Novos leitores

Goldkorn crê que os livros eróticos ajudaram a estimular o hábito de leitura – segundo ele, as obras lançadas pela Editora Valentina que trazem sexo na trama atingem muito a classe C. "Vendemos muito bem nas livrarias de periferia", diz. Para o professor Franz, "qualquer leitura é melhor do que nenhuma", mas pode ser perigoso fazer concessões. "Se por um lado é positivo poder se tornar leitor a partir de um livro como esse, por outro há o risco de ele não conseguir dar o próximo passo, de não conhecer os clássicos e as leituras formadoras. Quem sabe, ele não consiga se desafiar além desses modismos.".

Obra de Cassandra Rios vendeu milhões e foi censurada

Sandro Moser

O escritor mais censurado no país durante o período da ditadura militar (1964-1985) não foi nenhum autor de esquerda contestador do regime. Se na música o posto vai para o "brega" Odair José e não para os cantores de protesto, na literatura a obra erótica de Cassandra Rios (1932-2002) foi a mais perseguida pela patrulha moral dos militares.

Abertamente homossexual e polêmica por vocação, a escritora carioca foi um fenômeno editorial: a primeira mulher a vender mais de um milhão de exemplares no país.

Cassandra alcançou sucesso popular com títulos como O Prazer de Pecar, Carne em Delírio e, o maior de todos seus êxitos, A Paranóica, levado ao cinema com direção de John Herbert com o título de Ariella, com Nicolle Puzzi como protagonista.

Ainda que desqualificada por seus colegas e pela crítica, Cassandra concorria com Jorge Amado como a maior vendedora de livros de sua época, com uma média de 300 mil exemplares por cada novo volume.

Artistas que eram adolescentes durante o auge da popularidade da autora, como o compositor Cazuza, e os escritores Marcelo Rubens Paiva e Fernanda Young já se declararam publicamente fãs dos textos de Cassandra.

Seus temas eróticos, muitas vezes considerados pornográficos, fizeram com que, nos anos 1970, no auge da ditadura militar, 36 de seus livros fossem censurados. Sem falar nas brigas na Justiça. Um único livro, Eudemônia, lhe rendeu 16 processos. Em 1976, por exemplo, de seus 36 livros publicados até então, 33 estavam proibidos e apreendidos.

Cassandra Rios começou a escrever pequenos textos aos 12 anos de idade. Aos 16, estreou profissionalmente, com A Volúpia do Pecado. Numa de suas raras entrevistas ao jornal O Globo, em 1998, afirmou que se considerava perseguida por ser mulher. "Não me considero marginalizada, eu é que marginalizo e ignoro a crítica".

No livro Repressão e Resistência — Censura a Livros na Ditadura Militar, a pesquisadora Sandra Reimão reproduz o parecer que determinou a censura de uma das obras de Cassandra, Copabacana Posto 6 — A Madrasta: "O livro de Cassandra Rios traz mensagem negativa, psicologicamente falsa em certos aspectos de relacionamento, nociva e deprimente, principalmente pela conquista lésbica da heroína junto à madrasta e o duplo suicídio final."

A escritora morreu de câncer, em março de 2002, aos 69 anos.

  • A norte-americana Sylvia Day consquistou as brasileiras

Está no dicionário Collins: o termo mommy porn virou verbete e denomina a literatura erótica voltada para mulheres, depois que o romance Cinquenta Tons de Cinza – lançado em 2011 na Inglaterra e em 2012 no Brasil –, da britânica E.L James, ganhou meio mundo. Como não podia deixar de ser, o livro virou filme. Com estreia prevista para fevereiro de 2015, a divulgação do trailer com a história de Christian Grey e Anastasia Steele, no último dia 24, fez com que o assunto fosse o mais debatido nas redes sociais, e a "avalanche" de dois anos atrás ganhasse novo capítulo: semana passada, o livro voltou à lista dos mais vendidos.

Desde os anos 1970, quando autoras como Cassandra Rios (1932-2002) fizeram sucesso, não se viam tantos livros sobre sexo nas prateleiras. O assunto, porém, não é novidade na literatura, a exemplo de clássicos como Decamerão, de Giovanni Boccaccio e 120 Dias de Sodoma, de Marquês de Sade. Porém, a "onda" deflagrada por Cinquenta Tons, lançado no país pela editora Intrínseca após um leilão disputadíssimo – o primeiro número da trilogia vendeu 1 milhão e 800 mil exemplares –, fez brilhar os olhos do mercado editorial, que se mexeu.

Logo, além de E.L. James, outra autora, a americana Sylvia Day, conquistou as brasileiras – o primeiro título da trilogia Crossfire (que vai virar série de tevê), Toda Sua, chegou ao país pela Paralela, que decidiu investir na obra baseada no sucesso do romance britânico. "Percebemos que existia um grande interesse dos leitores por histórias como essa. Não só por literatura erótica, mas por romances que tratassem de relacionamentos e que trouxessem também o envolvimento sexual dos personagens", diz a editora da Paralela, Lilia Zambon.

A aposta foi certeira: até agora, meio milhão de livros de Sylvia foram vendidos no Brasil. A autora causou furor de popstar na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, no ano passado. "De fato, a recepção foi maior do que esperávamos. As leitoras ficaram muito emocionadas: umas gritavam, outras choravam, fizeram centenas de perguntas. É muito legal ver a relação que os leitores desenvolvem com o autor. E não só mulheres. Tivemos muitos homens na fila", conta Lilia.

No mercado há 20 anos, o publisher da Editora Valentina, Rafael Goldkorn, lançou recentemente Intenso Demais, parte da trilogia Rock Star, de S.C Stephens, fenômeno de autopublicação nos Estados Unidos – a obra que pincela erotismo em suas histórias bem românticas. Goldkorn percebe que há um interesse maior dos leitores em encontrar o erótico na literatura. Além disso, o movimento faz parte de uma nova onda literária, diz. "O mundo do livro está sempre se renovando. Muita gente acredita que As Brumas de Avalon (de Marion Zimmer Bradley, publicado por aqui em 1983), por exemplo, despertou o interesse pelo esoterismo no Brasil. Assim como Harry Potter pela magia, e assim por diante."

Entretanto, essa procura repentina não é apenas reflexo do bom jogo de marketing das editoras, mas mostra uma postura mais "livre" da mulher, influenciada pelos movimentos de contracultura e feminista a partir da década de 1960, acredita a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins. "O sexo sempre foi muito reprimido, visto como sujo e abominável, principalmente para as mulheres. É evidente que, a partir dos movimentos de contracultura, as mulheres admitem que sexo é bom. Com esses romances, elas mostram que querem fazer sexo sim, e também o que têm vontade", frisa.

O professor de Letras da PUC-PR, Marcelo Franz, salienta que o investimento das editoras no tema não é tão recente assim– o que muda constantemente é o perfil de quem lê. "A partir dos anos 1960, no mundo todo, percebemos uma liberação dos costumes, da quebra do moralismo. Com isso, o sexo se constituiu como mais um tema comercial."

Nos anos 1970, quando Cassandra Rios era a "best-seller erótica" da vez, o linguajar da autora, pornográfico, retratava uma rebeldia provocativa. "Era um momento de estabelecer uma nova ordem reprimida há tanto tempo, uma revolução discursiva mais propriamente dita, que ia ao contrário da ordem vigente. Hoje, as mulheres modificaram totalmente o seu perfil, e se percebe um apelo para um erotismo mais liberal" crê Franz.

"Amor"

Apesar da suposta ousadia, os livros eróticos que viraram febre no Brasil e no mundo ainda trazem em seu bojo a velha ideia do amor romântico, com o homem sempre no papel de "salvador" da mulher. Além disso, o erotismo, por incrível que pareça, é velado, crê a jornalista, bacharela em direito e especialista em gênero e sexualidade pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Nádia Lapa. Ela é autora do blog Cem Homens, em que relata as suas experiências sexuais – as histórias foram reunidas posteriormente no livro Cem Homens em Um Ano (Editora Matrix).

Nádia frisa que não há como ignorar um fenômeno literário como Cinquenta Tons, mas não conseguiu ler mais do que um volume e meio da trilogia. "Ele abre espaço para outros livros, e não podemos ignorar. Mas achei muito ruim. Além de problemas de tradução, é um livro pudico. Não fala, por exemplo, o nome dos órgãos sexuais, e achei isso muito engraçado. Um livro, teoricamente de libertação, que é extremamente pudico." Além da falta de clareza, Nádia também desaprova o fato de o protagonista Christian Grey ser o responsável pela descoberta sexual de Anastasia, que era virgem até conhecer o galã. "Enquanto é ela quem deveria descobrir." O sexo relatado de uma maneira um tanto espetacular é outro fator que a incomodou na trama. "Retratar uma mulher de 21 anos que nunca transou, e goza na primeira vez, é bem fora da realidade. Fora que o desejo dele de ser dominador, no livro, é relacionado com um trauma de infância, o que estigmatiza os praticantes do sadomasoquismo."

Regina Navarro Lins afirma que a inserção do amor romântico ainda é "outra frente de batalha", pois esses ideais são martelados constantemente na cabeça das pessoas. "São 800 anos de propaganda de amor idealizado. Então, até romances eróticos estão dentro desse modelo de herói, do cara que decide tudo. Mas, mesmo assim, o fato de falar que o sexo pode dar prazer para a mulher é uma evolução." Nádia discorda: para ela, esses romances não ajudam a empoderar a mulher. "Há outros livros mais antigos, como A Vida Sexual de Catherine M., de Catherine Millet, em que ela é sujeita da ação, não é a mulher em função do homem. Falando de Cinquenta Tons..., a moça sempre sente prazer, e isso é fora da realidade. Essa romantização do sexo é ruim para as mulheres."

Diversidade

Além do conto de fadas nas entrelinhas, os novos romances eróticos têm em comum o fato de tratarem sempre, e apenas, de casais heterossexuais. "Cadê a literatura gay? Onde estão os livros para mulheres lésbicas, e não aqueles para homem ler e fantasiar? Tem que abrir espaço para a literatura erótica e romântica para outros tipos de casais, que não são héteros, nem monogâmicos. É uma sexualidade controlada: pode fazer o que quiser, desde que seja com um parceiro fixo. É um retorno aos valores tradicionais", critica Nádia Lapa.

Chick lit, um nicho para "mulheres modernas"

Há 16 anos, era lançado no Brasil um dos livros que praticamente definiu um novo gênero literário. O Diário de Bridget Jones, de Helen Fielding, com a história de uma balzaquiana confusa que deseja mudar uma série de coisas em sua vida, é um chick lit típico: ficção leve e divertida que aborda questões vividas por mulheres modernas.

Outra obra que marcou o gênero foi Melancia, de Marian Keyes, publicada no país em 2004 pela Bertrand Brasil. Na época, o publisher da Editora Valentina, Rafael Goldkorn, trabalhava na Bertrand, e foi essa "ótima experiência" com o título que o fez procurar livros semelhantes para o catálogo de sua editora. "É uma subdivisão da literatura que veio para ficar. Teve um boom, mas formou um público cativo, geralmente, mulheres na faixa dos 30 anos, com um bom nível de escolaridade", diz.

Estreante na literatura, a inglesa Eleanor Prescott acaba de lançar o seu chick lit, Par Perfeito, no Brasil. A autora, que foi assessora de comunicação da MTV por dez anos, conta no livro a história de Alice, uma profissional que trabalha em uma agência de casamentos, mas não consegue dar um jeito em sua vida pessoal.

Eleanor, que se definiu em entrevista por e-mail para a Gazeta do Povo como uma "apaixonada" pelo gênero, acha que esses romances são uma boa maneira de "relaxar." "Mas, para mim, é importante que o chick lit não seja apenas romântico, mas engraçado. Apaixonar-se é divertido", acredita ela, também fã incondicional de Bridget Jones.

Seja em romances açucarados ou nos que são também permeados pelo sexo, a escritora frisa que os leitores e leitoras não devam ler algo apenas por "obrigação." "A vida é cheia de coisas que temos de fazer – trabalho, limpeza... ler ‘o tipo de livro certo’ não deve fazer parte dessa lista. Não acho que ninguém deva ter receio de consumir qualquer tipo de livro. Todos eles são válidos, e não precisam ganhar prêmios de literatura para serem apreciados."

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