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Felizes são os cinéfilos brasileiros, porque a editora Jorge Zahar acaba de anunciar o plano de lançar no país os títulos da série criada pela revista Cahiers du Cinéma. Os dois primeiros livros são simbólicos: colocam lado a lado duas figuras que ajudaram a renovar o cinema francês e, de quebra, influenciaram o que é feito no mundo desde então.

O Prazer dos Olhos (Tradução de André Telles. Jorge Zahar Editor, 352 págs., R$ 39,50) reúne textos que François Truffaut (1932 – 1984) publicou antes e depois de se tornar diretor. Orson Welles (Tradução de André Telles. Jorge Zahar Editor, 200 págs., R$ 29,50) é a biografia seminal que o crítico André Bazin (1918 – 1958) fez sobre um dos maiores nomes da história do cinema, quando Welles era só um cineasta de menos de 30 anos, genial e ousado.

Pergunte quem foi Truffaut a qualquer senhor com mais de 60 anos que costumava freqüentar cinemas nos anos 60 e a resposta mais provável será "um filho-da-mãe sortudo". Morto há 20 anos, ele trabalhou – e teve casos amorosos – com quase todas as estrelas mais desejadas de sua época: Jeanne Moreau, Catherine Deneuve (e sua irmã, Françoise Dorléac), Isabelle Adjani e Fanny Ardant.

Essas beldades ganham perfis ou comentários em O Prazer dos Olhos, alguns claramente apaixonados. Sobre a atriz de seu Jules e Jim – Uma Mulher para Dois (1962), escreveu "Todas as vezes que a imagino à distância não a vejo lendo um jornal, mas um livro, pois Jeanne Moreau não faz pensar no flerte, mas no amor."

A obra tem momentos ótimos. Em um deles, Truffaut, ao criticar Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), consegue prever que Woody Allen faria um drama no qual não apareceria como ator – o que de fato aconteceu em Interiores (1978). Há, inclusive, o antológico texto "Uma certa tendência do cinema francês", publicado pelos Cahiers du Cinéma em janeiro de 1954, que muitos consideram o ponto zero da Nouvelle Vague, movimento baseado em duas obras-primas: Os Incompreendidos (Truffaut) e Acossado (Jean-Luc Godard).

No artigo, o crítico de apenas 21 anos lança farpas contra o cinema francês feito na época e, apoiado pelo padrinho intelectual Bazin, inaugura a fase que faria da revista um emblema da crítica cinematográfica.

As idéias defendidas por Truffaut e seus comparsas – sobretudo a teoria do autor – elevou diretores comerciais, notadamente Alfred Hitchcock, à categoria de mestres na arte. Embora fosse referência nacional, vencedor do Oscar de filme estrangeiro por A Noite Americana (1973), o francês não teve pudores de trabalhar como ator para um cineasta mais jovem e norte-americano – no caso, Steven Spielberg, em Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977).

Truffaut escreveu o roteiro de Acossado para o amigo Godard e dedicou seu filme de estréia, Os Incompreendidos, a André Bazin. Não fosse pelo fundador dos Cahiers, é possível que o jovem François continuasse perdido, levando uma vida sem rumo e assistindo a filmes de maneira compulsiva. Mas o rapaz de 15 anos tomou jeito como pupilo de Bazin, que indicou caminhos para uma geração inteira de cineastas e escritores ao provar que a crítica era uma forma de se fazer cinema.

Bazin tinha 32 anos quando lançou a primeira versão de Orson Welles, em 1950. Welles tinha meia-dúzia de longas-metragens no currículo, havia impressionado com Cidadão Kane (1941) e feito Rita Hayworth cortar suas madeixas para A Dama de Xangai (1947), mas estava longe de ser a unanimidade que é hoje. O mito em torno de Welles pode ter começado com Bazin. Ele foi o tipo de cinéfilo que escrevia páginas e páginas sobre os pontapés no ar de Carlitos, personagem de Charles Chaplin – tema de outro livro do mesmo autor, com lançamento previsto pela Jorge Zahar. Monsieur Verdoux, um dos últimos longas-metragens de Chaplin, estava entre os favoritos de Bazin. A Regra do Jogo, de Jean Renoir, e Trágico Amanhecer, de Marcel Carné, também.

A nova edição de Orson Welles foi atualizada com base em anotações deixadas pelo crítico, que morreu de leucemia aos 40 anos, antes de concluir o trabalho. Os extras incluem prefácio do diretor André S. Labarthe, texto de Truffaut sobre a relação de Bazin com Welles e uma seleção de entrevistas.

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